Caros companheiros da nossa profissão de artistas e músicos do Brasil. Estamos em um momento histórico de mobilização em que todos, ou quase todos estão lutando pela sobrevivência e manutenção da nossa música.
Nos últimos dias tenho refletido sobre tudo que passamos nesses últimos meses, anos e décadas, e me veio na cabeça. Quem são os verdadeiros sujeitos disso tudo que está acontecendo na música brasileira, ontem, hoje e amanhã?! Somos Nós! Artistas! Músicos e autores! Que fazemos desta arte a nossa vida, e no que diz respeito a estilos, gêneros e ritmos. Somos únicos! Sem nós, não existe música… CD, DVD, Fonograma, rádio, show na televisão, mostra, festival, baile, casamento, carnaval e São João. Não existe nada! Apesar de respeitar todos que estão participando deste debate, as entidades, os jovens produtores da nova geração, que hoje tem uma organização e discurso forte em prol de uma política cultural mais justa neste país, não vejo os interesses do artista e do músico com equilíbrio nesta balança entre os produtores de festivais, empresários da música, entre outros. Nosso problema é imediato: vivemos do nosso trabalho!
Ao ler o relatório da Rede Música Brasil, percebi que os projetos de maior valor contemplam os produtores de shows e festivais, empresários artísticos, pontos de rede e pontos de cultura, mas não diretamente a sobrevivência do artista. Com a queda brutal do mercado musical como CULTURA, hoje COMMODITIES, com a história desta política de show de graça, etc. e tal não existe subsistência, sobrevivência e sustentabilidade em toda cadeia. Estamos acabando com a iniciativa privada desde país, e ficando escravos dos editais. O funil das gravadoras e empresários artísticos do passado está hoje na máquina pública. Assim nunca construiremos um mercado cultural sustentável e verdadeiro.
E honestamente, depois de 40 anos de carreira e de ter tocado no mundo todo, não venham me dizer que festival e mostra de música é única e exclusivamente uma vitrine para quem está começando ou para quem está um pouco sumido da mídia, ou ainda, uma forma de formar público novo. Pois isso é o óbvio. Mas isso também hoje é uma vitrine para o nome do festival, para os produtores e entidades organizadores, para o marketing das grandes empresas e principalmente para o governo. E esses proponentes muitas vezes obtêm fonte de renda que mantêm toda a estrutura de suas empresas através desses editais públicos, estaduais, municipais e federais. Principalmente com dinheiro público e quase 100% sem investimento privado, digo dos pequenos empresários, os proponentes, não das grandes empresas que utilizam esses editais e leis para fazer somente marketing, e não cultura.
Vejam: quase todos os festivais e shows já têm apoio do seu Município, do seu Estado (conquista deles é verdade). E muitos da grande iniciativa privada, e quase todos, com a desculpa da promoção e da formação de público não pagam cachê aos músicos convidados “é divulgação Etc. e tal”. Mas não justifica, pois ganha pão, é ganha pão. “Não peçam para eu dar de graça a única coisa que tenho para vender, minha música, minha arte”. (Cacilda Becker).
Isso é jabá institucionalizado, igual às rádios que tanto reclamamos há décadas. Quer tocar aqui é assim, você paga para estar aqui. Absurdooo! E se reclamar não entra mais na rádio, TV e/ou no circuito dos festivais. Como temos exemplos de vários amigos artistas que foram excluídos das rádios e dos festivais por se manifestarem contra o jabá e/ou não pagamento de cachês nos festivais pelo Brasil afora. Isso hoje, como há 30 anos vem acontecendo.
Estamos criando outro monstro!? Gostaria de saber da Funarte e do Minc o seguinte: em todos estes editais, nos trabalhos artísticos e musicais estão previstos o pagamento dos nossos cachês?! Olhem os valores dos projetos enviados no relatório final da Reunião do Colegiado de Música, CNPC e Rede Musica Brasil:
Edital de Passagens: R$ 5 milhões – Dinheiro para levar o músico convidado para tocar nos festivais nacionais e internacionais. Lindo! Um custo a menos principalmente para os Festivais Nacionais que já tem o Estado, o Município, a iniciativa privada, e agora o governo federal, mas cadê o cachê?
Edital de Festivais: R$ 7 milhões – Dinheiro para produção dos Festivais Nacionais, Lindo! Vamos melhorar a produção dos festivais, mas cadê o cachê?
Bacia do São Francisco: R$ 4 milhões – Lindo! Vamos lá! Mas os projetos não têm que ser nacionais? E os outros estados do nordeste, cadê a bacia do Guaíba no sul, bacia do Tietê no do sudeste, Pantanal no Centro Oeste e a Bacia Amazônica no norte?
Clareira: R$ 2,4 milhão – Lindo! Mas também não é nacional!!?
Banco de Artistas: R$ 1,5 milhão – Lindo! Mas 200 artistas divididos por 27 estados, 7,4 artistas por estado. É isso?!
Edital de rádios Arpub: R$ 500 mil – Lindo! Mas elas vão pagar direitos autorais ao ECAD?
Congresso: R$ 1,5 milhão – Lindo!
Capacitação + Exportação: R$ 1,9 milhão – Lindo!
Banco de Dados: R$ 1 milhão – Lindo!
Redes de Música: R$ 6 milhões – De novo pontos de cultura. Já não tem dinheiro para isso no Minc? Já temos redes, e mais redes formatadas pelos Estados e Municípios… isso poderia se reverter em algo mais urgente para a nossa cultura, como formação de músicos, formação de orquestras etc. e tal.
Acredito que ainda é tempo e é imprescindível a classe artística e musical se manifestar nestes editais de R$ 7 milhões, R$ 5 milhões, R$ 6 milhões, e que este dinheiro seja utilizado também para pagar os artistas , músicos e autores nestes festivais, mostras, shows, workshops, já que o resto, os festivais já estão contemplados, e já estão muito bem estruturados.
E, antes e independente de qualquer coisa, precisamos que os artistas estejam nas curadorias, nas escolhas dos critérios, junto aos proponentes, de como, e para quem vai este dinheiro. E colocar todos os segmentos da nossa música para serem prestigiados por estes editais, tais como: música Erudita, MPB, Instrumental,…e por ai vai.
*João Parahyba – é músico percussionista e integrante do lendário Trio Mocotó.
Contatos: www.myspace.com/joaoparahyba