Nas palavras dele, uma “micropulverização do empreendedorismo”. Já que se torna cada vez mais difícil vender os 100 mil discos que há dez anos eram favas contadas a partir de certo patamar de sucesso, o que conta agora é a expansão do mercado e a tentativa de assegurar continuidade a longo prazo, em vez do enriquecimento a curto prazo.
No meio das entrevistas que cercam o lançamento de seu disco “Banda Larga Cordel”, Gilberto Gil fez alguns comentários sobre aquilo que o pessoal chama “a nova cena musical”. Estão brotando nas periferias e nas regiões remotas do Brasil uma série de fenômenos musicais que a gente não sabe classificar facilmente. É baile funk, é forró de plástico, é tecnobrega, é reggae-maranhense…
Sabemos pouco a respeito disso, até porque o que sabemos é de segunda mão, pelo menos no meu caso. Assistir DVDs ou matérias de TV não vale. Se valesse, amigo, eu já tinha ido à Lua e voltado, nas asas de Stanley Kubrick. O que vale é conhecimento “in loco”, é ter mergulhado durante alguns dias, no mínimo, no olhos desses furacões, conversado com as pessoas, visto o mundo delas e examinado a relação entre aquela música e aquele mundo.
Diz Gil do tecnobrega paraense: “Eles têm ali palcos ambulantes, ao estilo do trio elétrico, e essa nova cena passa batida pelos jornais, rádios e estúdios de TV de São Paulo e Rio de Janeiro. Muitas vezes não ficam sabendo de nada disso, dessas realidades novas com maquinarias novas.”
Para algumas pessoas a simples menção da palavra tecnobrega produz comichões equivalentes aos do pó-de-mico, mas essas bandas, como a famigerada Calypso, representam, pelo menos como alternativa de comércio, uma realidade nova.
Não do ponto de vista estético, porque sua música nada traz de novo (ou, para mim, de interessante), mas porque começam a demonstrar a força econômica do show-business paralelo. É diferente da tradicional “música alternativa”.
Em primeiro lugar, essas bandas – que se auto-produzem – ganham rios de dinheiro. Seu perfil é diferente do perfil das bandas tipos mastruz-com-leite, bandas de um nome só, nas mãos de um único empresário. A Calypso chama a atenção por suas vendas milionárias, mas ela é a ponta de um iceberg de bandas que vendem menos do que ela – mas vendem.
Diz o ministro Gil que o que está havendo, com o enfraquecimento das gravadoras e a proliferação de música digital gratuita, é um florescimento do show como principal atividade econômica da música. Nas palavras dele, uma “micropulverização do empreendedorismo”.
Já que se torna cada vez mais difícil vender os 100 mil discos que há dez anos eram favas contadas a partir de certo patamar de sucesso, o que conta agora é a expansão do mercado e a tentativa de assegurar continuidade a longo prazo, em vez do enriquecimento a curto prazo.
“Não há condição de todo mundo ser rico, então todo mundo quer viver e sobreviver”, diz Gil. “Então a arte passa a ser informada por isso, a produção passa a ser informada por isso. Enfim, a vida. Processos organizados com liberdade, com fragmentação empreendedora, protagonística”.
A banda Calypso já vendeu milhões de discos e recusou todos os convites das gravadoras. É o equivalente atual dos 100 mil discos do Boca Livre e 150 mil de Arrigo Barnabé no começo dos anos 1980.
*Bráulio Tavares – Jornalista, escritor e compositor paraibano. Este texto foi editado em 11/06/2008 na sua coluna diária no Jornal da Paraíba – Campina Grande – PB (http://jornaldaparaiba.globo.com).
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