O cantor e compositor paraibano Chico César colocou de “uns tempos pra cá” o nome da Paraíba em evidência na cena musical nacional, juntando-se a Zé e Elba Ramalho, ao seleto time dos astros da música popular brasileira.
O Zé e a Elba foram favorecidos pelo momento histórico vivido pelo país e pela MPB no início da carreira e por fazerem música regional. Já o Chico César, depois de passar pela incubadora do Jaguaribe Carne (grupo de música experimental e livre nascido na periferia de João Pessoa – PB e liderado pelos irmãos Pedro Osmar e Paulo Ró), enquanto se dividia entre a música e curso de jornalismo nos anos 80, como outros de sua geração teve que enfrentar um cenário adverso à renovação dos nomes.
Após se formar, cortou o cordão umbilical com o Jaguaribe Carne, seguindo para o sudeste e depois fixando residência em São Paulo. Nos anos 80 o rock era rei dentro e fora na pauliceia desvairada. Então, o jornalismo virou a opção para o sustento e a música seguia no paralelo. Nesse período a MPB e a música regional tinham como espaços apenas os barzinhos dos bairros: Bexiga, Vila Madalena e Pinheiros. Mas o som do Chico encontrava dificuldade por ser urbano demais para os barzinhos de som regional e regional demais para os de som urbano.
Os projetos culturais da prefeitura com música gratuita nas praças e casas de cultura eram a salvação. Depois de comer muita poeira no anonimato nos anos 80, os anos 90 o brindou com seu primeiro sucesso nacional À primeira vista (música gravada por Daniela Mercury) que colocou o nome do compositor em evidência e em 1995 lançou o seu primeiro CD autoral: “Aos Vivos”. Embalado pelo calor do sucesso de sua canção nasce um disco Voz e Violão mostrando algumas baladas com o mesmo clima de À primeira vista e músicas mais viscerais.
Conheci o CD – Aos Vivos em 1996, época em que era aluno de Comunicação Social/jornalismo em Campina Grande – PB, mas não procurei ouvir o trabalho por duplo preconceito ou motivo(s). O primeiro, por conta da badalação do nome do músico nos corredores da universidade focando mais o glamour da fama do momento que da qualidade da obra. E o segundo motivo, porque fazia seis anos que eu só ouvia e pesquisava os clássicos da MPB nacional e regional (era um aprendiz de violão) e a música que era sucesso do Chico César não dizia muito para quem estava embriagado com a obra de outro Chico, o Buarque.
Aquele sim, um velho Chico de água caudalosa, com produção vasta, original e criativa a se perder de vista. Mas confesso abestalhado que ao ouvir todas as músicas do CD – “Aos Vivos”, percebi o óbvio, que as outras canções do Chico César eram mais que À primeira vista. A poética da música “Mulher eu sei” me tomou de assalto e refleti: nasce um novo Caetano Veloso das cinzas, e repaginado. Mas era pouco para um cara “sortudo” alienado com a obra do Buarque de Holanda e os primeiros discos de Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Cantoria 1 e 2 (Elomar, Xangai, Vital Farias e Geraldo Azevedo) e Gilberto Gil. Eu nadava contra a onda do rock nacional e a do Mangue Beat (liderada por outro Chico, o Science).
Assisti pela primeira vez em 1997 em Campina Grande a um show do Chico César e me surpreendi com a qualidade de sua banda e sua desenvoltura no palco. Um artista completo e de alto nível. Ele só se mostrou um pouco apreensivo quando chamou pais ao palco para cantar coco e samba de roda e a receptividade do público foi positiva. O que lhe tirou a paciência foi uns inconvenientes que gritavam: “toca Raul”. Ele parou o show e se impôs cobrando respeito à sua arte. E avisou que já tocou muito Raul Seixas em Bar, mas agora era o show do Chico César. O show continuou e o grupinho continuou na cantilena “toca Raul”, mas nada disso arranhou o brilho da sua primeira apresentação na cidade. A sua postura ganhou a minha admiração por mostrar personalidade.
A cada disco meu preconceito e desconfiança diminuíam. No final do ano 2000, eu já morando em São Paulo fui acompanhando e conhecendo a cada dia um Chico César bem articulado com a mídia e transitando bem entre os músicos da cena alternativa e os famosos. Entrevistei muitos músicos para a RM que têm e/ou tiverem contato pessoal e profissional com ele e todos são unânimes em elogiá-lo e respeitá-lo. Suas letras, vão do suave ao árido, da balada romântica à critica social com um refinado deboche. Uma poética que visita ora o concretismo, ora o lirismo. A cada disco uma obra e um artista diferente. Eu prefiro os discos em que ele é mais festeiro do que os que exigem mais do lado cantor (intérprete).
Segue abaixo entrevista com Chico César para a www.ritmomelodia.mus.br , entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 01.09.2008:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua cidade de origem e a sua data de nascimento?
Chico César: Nasci no dia 26 de janeiro de 1964 em Catolé do Rocha (PB) . Filho de Francisco Gonçalves e Emerina Gonçalves e registrado como Francisco César Gonçalves.
02) RM: Como foi o seu primeiro contato com a música?
Chico César: Foi ouvindo meu pai e minha mãe cantando.
03) RM: Quais as primeiras influências musicais? E quais as que permaneceram nos dias atuais? Quais as atuais influências?
Chico César: Minhas primeiras e eternas influências são: Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga.
04) RM: Qual a sua formação musical (teórica) e qual sua formação acadêmica fora da área musical?
Chico César: Estudei primeiro flauta doce ainda criança. Mais tarde estudei guitarra no CLAM – Centro Livre de Aprendizagem Musical, escola do Zimbo Trio em São Paulo. Eu sou formado em Comunicação Social pela UFPB – Universidade Federal da Paraíba, com especialização em Jornalismo.
05) RM: Quando e como você iniciou a carreira musical musical?
Chico César: Minha primeira composição fiz aos 12 anos de idade. Mas antes, quando eu tinha só 10 anos, um colega de escola chamado Vanílson que tocava bateria em uma bandinha me chamou para fazer uma espécie de audição nessa banda. O “dono” da banda, chamado Arlindo, me ouviu e me “contratou”. Eu virei o cantor de músicas nacionais do grupo. O nome era Super Som Mirim e noutro momento se chamou The Snakes. Aos 14 anos fiz parte do Grupo Ferradura, ao lado de Escurinho, percussionista que depois seguiu carreira solo e já está no terceiro disco. Aí nós só tocávamos composições próprias e participamos de muitos Festivais de Música pelo interior da Paraíba. Chegamos inclusive a fazer show em João Pessoa, no Circo Teatro Piolin. Penso que isso já era o começo da vida profissional. Mas só fui viver de música a partir de 1992, quando deixei o jornalismo. Três anos depois gravei meu primeiro disco, “Aos Vivos”.
06) RM: Qual a importância do grupo de estudo Jaguaribe Carne (idealizado e liderado pelos irmãos Pedro Osmar e Paulo Ró) na sua formação musical e intelectual?
Chico César: Na minha chegada em João Pessoa, eu os conheci e fui praticamente adotado por eles (Pedro e Paulo). Eu tinha só 16 anos e eles me abriram os ouvidos para muitas coisas, como música aleatória, jazz europeu, poesia concreta e pornô, arte postal, experimentação a partir das referências nordestinas, brasileiras e latino-americanas. O Jaguaribe Carne foi uma universidade paralela em minha vida. Eles eram muito pobres, materialmente falando. Moravam inclusive em casas cobertas de palha. Mas tinham a melhor discoteca que vi em minha vida. Tinham tudo do selo Carmo, de Egberto Gismonti, e tudo da ECM records. Muitas preciosidades. E uma cabeça maravilhosa, livre, irreverente. O curioso é que não bebiam nem fumavam nada, não usavam drogas. Eles só tomavam guaraná Sanhauá, uma marca local, com bolo baeta. Era tudo o que um adolescente recém-chegado do sertão podia querer.
07) RM: O mais recente CD do grupo Jaguaribe Carne saiu pelo seu selo musical (Chita Discos). Por que a opção deste CD – Vem no vento que mostra o universo das canções (musica com letra) do grupo e não o lado experimental?
Chico César: O disco chegou pronto em minhas mãos. Creio que ele foi feito meio como uma dívida do grupo com a cena paraibana. Os admiradores do grupo sempre se queixavam de que ele ainda não havia feito nenhum disco de canções, apesar de eles serem ótimos compositores. Mas há o desejo de regravar o disco instrumental de violão deles, que saiu só em vinil. Ou talvez só remasterizar.
08) RM: Qual a importância do grupo Jaguaribe Carne na área musical experimental?
Chico César: O Jaguaribe Carne sempre experimentou, desde o fim dos anos 70, usando como base ritmos nordestinos: maracatu, boi, ciranda, coco de roda, coco de embolada. Mas sem folclorismo. Penso que é um grupo pioneiro, formador. E sobreviveu, o que aumenta o seu mérito. Além de ajudar na formação de muita gente, como eu.
09) RM: Existe em sua opinião uma música genuinamente paraibana?
Chico César: Acho que não. A música paraibana já produziu tantas coisas distintas. Acho que não existe música genuína, não.
10) RM: Qual era o panorama musical e cultural paraibano no seu início carreira musical?
Chico César: Tínhamos o Musiclube da Paraíba, que se reunia toda semana no Círculo Operário de Jaguaribe. Antes era no Teatro Lima Penante, espaço cedido por Fernando Teixeira e Ednaldo do Egipto. Éramos mais de trinta músicos, de diferentes tendências. Tinha gente de baile, de seresta, do forró. Tinha de tudo. Discutíamos questões de nossa categoria profissional e organizávamos shows dos colegas. Era bacana. Foi fundamental. Quem queria se apresentava no projeto Fala Bairros também. A Diretoria Geral de Cultura do Estado tinha Raimundo Nonato Batista à frente e organizava projetos coletivos como Araponga, Boca da Noite e Gazi de Sá. Era frentes que se abriam para os artistas mostrarem os seus trabalhos.
11) RM: No seu início de carreira qual sua relação pessoal e profissional com Zé Ramalho, Elba, Bráulio Tavares, Vital Farias e Jarbas Mariz? E como é hoje?
Chico César: Era de admiração e continua sendo. Nunca tive muito contato com Vital Farias, apesar de admirá-lo muito. Desde garoto. É um excelente violonista e compositor. Zé Ramalho, eu conheci há pouco tempo, mas já nos tornamos parceiros musicais. Jarbas é um parceiro muito querido de velhos carnavais, desde os tempos do Musiclube. É um grande profissional e sempre nos ajudou a buscar profissionalismo em todas as situações. Bráulio Tavares é em minha opinião, a melhor cabeça da cultura paraibana.
Pelo menos é a melhor com a qual tive a felicidade de ter contato. É um renascentista em tempos mórbidos. Discute, com conhecimento e afetividade, assuntos diversos como cordel e ficção científica ou tal disco de Bob Dylan e a envergadura de tal repentista, lembrando a faixa xis do lado B e vários versos que foram improvisados em uma cantoria num boteco de Campina Grande. É uma mente generosa, aberta. Elba eu ainda conheci quando trabalhava como jornalista. Fiz entrevistas com ela. Tornou-se uma das minhas principais intérpretes e minha comadre. Uma irmã, para falar sobre tudo. Discordar. Ouvir com atenção. Tem amor em tudo o que ela fala. E põe esse amor em tudo o que canta. Um amor universal, transcendental.
12) RM: Quando se falava em músicos paraibanos conhecidos fora do Estado, os nomes Zé Ramalho, Elba Ramalho, Jackson do Pandeiro, Vital Farias e Antonio Barros são os citados. Como você analisa a sua entrada na década de 90 nessa relação? E para você qual a importância da obra dos citados para identidade da música paraibana?
Chico César: Penso que a minha chegada se deu junto com uma dessas reviravoltas em que a música brasileira vem beber na cacimba generosa da música nordestina. Tem sido assim desde Luiz Gonzaga, Marinês, Jackson do Pandeiro. Depois com os baianos: Tom Zé, Caetano, Gilberto Gil, Maria Bethânia. Depois com a geração de Alceu Valença, Djavan, Geraldo Azevedo, Zé e Elba Ramalho, Quinteto Violado, Banda de Pau e Corda, os cearenses Ednardo, Belchior, Fagner, Amelinha.
O Nordeste virou mainstream aí. E a juventude brasileira voltou-se para a cena rock, como algo alternativo e de linguagem urbana, direta. A minha geração, a mesma de Zeca Baleiro, Lenine, Ivan Santos e Zeh Rocha ficou “emparedada”. Éramos nordestinos demais para os anos 80. A segunda metade dos anos 90 abriu-se para uma música mais melódica e acústica. Cazuza e Paralamas do Sucesso aproximaram-se inegavelmente da MPB.
O surgimento de Marisa Monte no fim dos anos 80 arejou bastante o ambiente. Outro fator decisivo nisso tudo foi o disco “Sobre Todas as Coisas”, de Zizi Possi. Era uma cantora do mainstream dando um grito de independência e inovando no formato. Depois vem o “Olho de Peixe”, de Lenine e Marcos Suzano, e o meu “Aos Vivos”. São discos de MPB, mas ricos em sofisticação e simplicidade contemporâneas. Tem ainda a eclosão do movimento mangue beat, cheio de tambores e guitarras distorcidas.
Pronto. Estavam abertos os ouvidos da juventude para o Nordeste de novo. Sem contar a imensa contribuição para isso das férias dos jovens paulistanos no sul da Bahia e a explosão do que se chamou forró universitário. Penso que os artistas citados na pergunta, são sempre referências para qualquer artista de qualquer região. Artistas que colocam os seus trabalhos acima de tudo e resistiram, são pioneiros, abriram caminho, criaram vocabulário. A identidade da música paraibana é a diversidade, se pensarmos na Orquestra Tabajara, na Metalúrgica Filipéia, em Sivuca, nos Quatro Loucos que geraram Zé Ramalho.
13) RM: Os Conjuntos de Baile na Paraíba na década de 60 e 70 foi à primeira iniciativa de um mercado musical com uma estrutura profissional de apresentação de show (mesmo os grupos não tocando música autoral). Os compositores torciam o nariz para esses grupos. Como você analisa estes grupos?
Chico César: São perspectivas bem diferentes a de quem cria e a de quem repete. Por isso, o conflito. Ambas têm grande importância. Se não tiver o que repete a criação fica confinada. Tem que ter esses multiplicadores.
14) RM: Qual a influência da obra de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque na sua formação musical e intelectual e na sua obra?
Chico César: Essa é uma geração maravilhosa. É tão importante que muita gente não acredita em vida inteligente depois deles. Eu ouvi muito esses mestres, mas também ouvi outros contemporâneos deles, como Elomar Figueira de Melo, e artistas posteriores como a chamada vanguarda paulistana, de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Breque. Eles formataram o que na cabeça da maioria das pessoas convenciona-se chamar MPB.
É de certa forma o que eu faço, mas desde pequeno presto atenção na ficha técnica, nos caras que tocam. No Lanny Gordin, no Tuzé de Abreu, no Toninho Horta, Fredera, no Piau, no Chico Batera. E sempre me liguei nos parceiros, no Edu Lobo, no Francis Hime, no anjo torto Torquato Neto, em Capinan. Por aí. E ouvi também João Bosco e Aldir Blanc, Luiz Melodia, Djavan, Bartô Galeno, Claudia Barroso, Silvio Caldas, Núbia Lafayete, Kraftwerk, Secos e Molhados. Tudo isso ainda lá em Catolé do Rocha. Essa mistura é que me define. Não uma coisa só.
15) RM: No seu primeiro CD – Aos Vivos – até que ponto se anunciava um “Caetano Veloso” atualizado com o seu tempo?
Chico César: Em nenhum ponto. Eu sempre fui mais ligado em Ednardo do que em Caetano Veloso. Estava mais próximo como referencial. Era alguém depois de Caetano, fazendo uma ponte que um jovem compositor nordestino podia pegar ou não. Eu peguei, mas Pedro Osmar me obrigou a saltar dela logo e vencer o rio de braçada. Nadar, nadar até chegar a sua própria nascente. Esse foi um desafio interessante. E continua sendo.
16) RM: Na sua opinião quando se deu o corte do “cordão umbilical” de sua obra com as suas influências musicais na busca de uma identidade própria?
Chico César: Nunca se deu. E eu quero continuar ligado às minhas influências. Que serei se me afastar do Gilliard, Altemar Dutra, Noca do Acordeon? Não posso virar só um leitor de Haroldo de Campos. Em São Paulo já tem gente demais fazendo isso. Vou permanecer misturando. Sou sujo, poluído, como o Riacho Agon que atravessa lentamente Catolé do Rocha cheio de gasolina, óleo queimado; resíduos tóxicos em direção ao sítio do Cajueiro. Limpeza obsessiva é um transtorno mental, eu acho.
17) RM: Você é um musico diferenciado nos tempos atuais por cultivar uma postura intelectual (tipo papo cabeça dos anos 60 e 70) que virou marca registrada de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Belchior e etc. Essa postura até que ponto tem haver com sua formação e atuação como jornalista?
Chico César: Não se trata de uma “postura”, uma coisa de “atitude”. Venho de um tempo e um lugar em que é importante ter informação: o Sítio Rancho do Povo, a quatro quilômetros de Catolé do Rocha, há cerca de 40 anos. O jornalismo entrou na minha vida apenas como forma de sobrevivência, pois eu sabia que não poderia colocar a minha música como meu arrimo. E eu precisava fazer alguma coisa para pagar o aluguel, coisas assim. Pedro Nunes e Carlos César, meus conterrâneos, já estavam na faculdade e me deram uns toques de que não seria tão doloroso sobreviver como jornalista. E as meninas eram “descoladas”. Eu gostei. Tenho amigos até hoje dessa fase.
18) RM: Falei da sua atuação profissional como jornalista.
Chico César: Minha atuação foi a mais inofensiva possível. Meu primeiro trabalho foi entrevistar Nara Leão, numa coletiva no Hotel Tropicana. Praticamente entrei mudo e saí calado. Ela falou um pouco mais do que eu, incentivada por meus colegas cheios de questionamentos sobre isso e aquilo outro. Eu acompanhava os movimentos inquietos daqueles olhos lindos dos interlocutores para os joelhos. Demoravam-se mais nos joelhos. Eu também. Pensei, então: vou ficar fazendo isso até o dia em que eu mesmo tenha que olhar para os meus próprios joelhos. Fiz minhas anotações e voltei para a redação. O texto foi devidamente copidescado (revisado e editado) por Valter Galvão e Valter Santos. Ganhei o emprego. Eu estava ainda no segundo ano da faculdade. Logo que me formei, “capei o gato”. Vim-me para São Paulo, passando por Ouro Preto, Rio de Janeiro e Barra Mansa, no sul-fluminense. Aqui trabalhei bastante como revisor de texto, repórter freelancer, copidesque. Sobrevivência.
19) RM: Por que você escolheu São Paulo para atuação profissional no início da carreira musical?
Chico César: Vim pra cá para ficar perto da vanguarda paulistana. Mas em 1985 a cena já era bem diferente da que idealizava. O Lira Paulistana, principal espaço dessas manifestações, logo fechou. O grupo “Rumo” também havia acabado; Ná Ozetti iniciava carreira solo, Itamar Assumpção estava largando a “Isca de Polícia” para criar as “Orquídeas do Brasil”. Mas São Paulo sempre teve lugar para tudo, tinha “Mulheres Negras” (de Maurício Pereira e André Abujamra) e uma porção de espaços como o Centro Cultural São Paulo, os SESCs, as Casas de Cultura. A cena boêmia já começava a se transferir, lentamente, do bairro do Bexiga (Bela Vista) para Vila Madalena. Penso que só em São Paulo eu poderia desenvolver meu trabalho. E foi muito acertado vir para cá.
20) RM: Como você superou o obstáculo em São Paulo de sua proposta musical ser: Regional demais na cena musical urbana e urbano demais na cena musical regional?
Chico César: Eu tocava em pequenos bares e teatros, além de projetos públicos da Prefeitura e do Estado.
21) RM: Como era o panorama musical de São Paulo na década de 80 e 90?
Chico César: Era muito rico e variado. Muito rock, muita música instrumental, muita música dodecafônica, muito show de graça ao ar livre.
22) RM: Qual a sua relação pessoal e profissional com os membros do movimento musical Vanguarda Paulistana?
Chico César: Sempre foi de admiração. E depois me tornei parceiro musical de Itamar Assumpção e de Tetê Espíndola e amigo de muita gente, como Suzana Sales, Passoca, Ná Ozetti. Estudei na escola de música do Ricardo Brein (ex-pianista do Rumo).
23) RM: Qual a sua relação pessoal e profissional com os músicos nordestinos que atuavam no mercado musical em São Paulo quando você chegou?
Chico César: Fui ajudado por Chico de Abreu, músico cearense que fazia programação para a Secretaria de Cultura. Ele ouviu uma fita minha, nos tornamos amigos, fizemos shows juntos e ele também me encaixava nos projetos locais. Também fiz shows com Fuba, Lula Cortês e Jarbas Mariz.
24) RM: Qual a sua relação pessoal e profissional nessa época e hoje com Zeca Baleiro, Rita Ribeiro e Jarbas Mariz?
Chico César: Zeca Baleiro e Rita Ribeiro não eram dessa época. Chegaram depois. Fiz muitas coisas junto com Jarbas Mariz. Dividimos shows, fui músico acompanhante e banking do trabalho dele. No final da década de 80 é que chegaram os maranhenses Zeca e Rita. Ficamos amigos e realizamos muitos projetos juntos, além de tocar bastante em casa. Tornei-me parceiro musical de Zeca, dividimos apartamento e sempre que podemos renovamos a parceria com encontros reais ou virtuais.
25) RM: Quais as situações mais inusitadas que já ocorreram em momentos de show e no contato com fã?
Chico César: Teve um show em São Paulo em um Bar em que a dona do estabelecimento esqueceu-se de que havíamos marcado aquela data e não contratou som. Então não aconteceu o show. De fã não lembro nada.
26) RM: Eu presenciei um show seu em 1997 em Campina Grande – PB. Que teve a participação dos seus pais cantando. E um grupo de pessoas começou a pedi para você cantar músicas do Raul Seixas. E você tentou convencer as pessoas que eles estavam no show do Chico César até você perder a paciência. Como você analisa esse lamentável episodio?
Chico César: Faz parte da cultura local.
27) RM: Você já sofreu algum golpe financeiro por parte de empresários ou produtores?
Chico César: Sim.
28) RM: Quantos discos lançados? Qual o perfil e a proposta de cada um?
Chico César: São sete discos de carreira, dois infantis, um compacto simples com duas músicas, um disco em parceria com Zezo Ribeiro para a Espanha. A proposta é estar vivo.
29) RM: Analisando a sua discografia. Dizer que ela é Eclética, você acha que é uma definição ideal?
Chico César: Eu faço os discos. Os outros definem.
30) RM: Quando grava um novo disco, você pensa como um conjunto de sua obra de forma evolutiva. Ou cada um tem vida independente?
Chico César: Eu sinto e procuro deixar fluir de modo orgânico. Tento ir para onde o desejo me leva.
31) RM: Em 2006 você lançou o CD: “De uns tempos pra cá”. Sai o Chico César “festeiro” e entra o intelectual centrado, pensativo, menos festeiro. O que lhe motivou a fazer esse divisor de águas em sua obra? Virão mais?
Chico César: Agora já estamos de novo na festa, com o” Francisco Forró y Frevo”. Tomara que possa ainda fazer muitos outros.
32) RM: No CD – “De uns tempos pra cá” – o intérprete foi mais exigido por conta de melodias e arranjos bem elaborados. Como você analisa o seu desempenho como intérprete?
Chico César: Cito o cearense Belchior: “eu quero que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês”.
33) RM: Você há anos vem desenvolvendo uma carreira internacional, principalmente na Europa. Como você administra a sua carreira no mercado nacional e internacional?
Chico César: Artistas de minha geração não podem ser regionais ou nacionais. O mundo se abriu e a troca de bens simbólicos está aí. Passo um terço ou um quarto do ano tocando fora do Brasil, e adoro.
34) RM: Fale do seu projeto social e musical na sua cidade de origem. O que te motivou a realizar esse empreendimento?
Chico César: O Instituto Béradêro volta-se para a educação e a valorização da auto-estima de crianças e jovens através da arte, principalmente da música e de seu aprendizado. O que motivou a apoiá-lo é a necessidade de ter interlocutores em minha cidade para assuntos que me interessam: a vida, os valores humanos, a arte e a cultura.
35) RM: Fale o que levou a criar um selo musical (Chita Discos). Quem já foi lançado?
Chico César: O grupo Jaguaribe Carne me fez criar o selo para lançar o disco deles. Depois vieram os meus infantis, o meu compacto simples, o Swami Jr, a Josi e uma cantora alemã chamada Dota Kerh.
36) RM: Na atualidade com tantos artistas saindo das grandes gravadoras e se tornando artistas independentes. Como você analisa a cena musical independente?
Chico César: É um celeiro maravilhoso, uma cena riquíssima.
37) RM: Quais os projetos futuros?
Chico César: Agora estou rodando com o show “Francisco Forró y Frevo”. Mais na frente é possível que faça um DVD dele.
Contatos: www.chicocesar.com.br
Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_C%C3%A9sar
Youtube Chico César a Primeira Vista: https://www.youtube.com/watch?v=8PKs5Z1Cw_s
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