O baterista Sergio Mafei é formado por aquela que é considerada a melhor faculdade de música do mundo, a Berklee College of Music, localizada em Boston, EUA, onde morou por seis anos (2011 a 2017).
Sergio Mafei, um dos fundadores e baterista da banda Catarse (junto com o guitarrista Renato George, Pê Lopes, vocalista do The Voice, Márcio Furtado, baixista e produtor musical), acredita ser possível tirar o soul e o groove do circuito “cult” e levá-los para grandes plateias, preferencialmente em eventos públicos e festivais de rua. Para ele, a pandemia do covid-19 reforçou ainda mais nesse público o desejo por coisas novas, por uma música popular executada dentro de ritmos e propostas menos convencionais.
“Reapresentamos músicas muito conhecidas, removendo a maquiagem e as trazendo de volta aos seus componentes essenciais: ritmo, melodia, groove. O resultado é uma experiência sonora bem pensada, estruturada, porém real, crua, hard”, afirma, Sergio Mafei.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista do artista à Ritmo Melodia onde são abordados temas que vão desde o ato de compor, passando pela influência da internet na indústria cultural ao futuro da música independente e dos incentivos culturais públicos e privados ao setor.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Sergio Mafei da banda Catarse para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 05.08.2022:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), nasci em 10/04/1992, em São Paulo, onde cresci e morei até os 19 anos idade. Com 19 anos tive a oportunidade de estudar música em Boston – USA, na Berklee College of Music, onde fiquei até 2017.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), a música sempre foi muito presente na minha vida. Não tenho memória de um tempo em que ela não me definisse ou que não fosse importante para mim de algum modo, mesmo quando eu era muito novo. Meus pais não eram músicos, mas apreciavam muito essa arte e eu cresci ouvindo diferentes artistas e indo a eventos musicais. Cresci perto da Rua Teodoro Sampaio no bairro de Pinheiros; uma rua em São Paulo famosa pelas muitas lojas de música, e eu me lembro desde pequeno de ficar totalmente hipnotizado sempre que passava ali e via as baterias.
Também me lembro muito vagamente de um show do Milton Nascimento, no parque do Ibirapuera, que minha mãe testemunha ter ocorrido no dia 01 de maio de 1994, tragicamente no dia da morte do Ayrton Senna; eu teria acabado de fazer dois anos. O Milton tem a música Nos Bailes da Vida que tem uma virada de bateria muito impactante no meio do verso. Acho que é a primeira memória que eu tenho do som daquele instrumento me tomando totalmente de assalto, e aquela música também ficou comigo pelo resto da minha infância.
Sei que com 3 anos de idade já tinha minha primeira bateria infantil, e depois disso não parei mais. Na mesma época meus pais me matricularam na iniciação musical da Teca Oficina de Música, no bairro de Pinheiros, e com 9 anos comecei a estudar bateria mais seriamente migrando para a CLAM – Centro Aprendizagem Musical, a escola de música do Zimbo Trio no bairro de Moema.
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), completei uma graduação em composição pela Berklee College of Music, onde também fiz uma concentração em produção eletrônica. Depois dei uma guinada e mergulhei numa graduação em Psicologia pela PUC de São Paulo, sem perder de vista os projetos e o horizonte musical.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), acho que durante meus anos de infância e pré-adolescência fui exposto a muita música diferente, o que me ajudou a abrir os ouvidos depois. Em casa ouvíamos muita MPB, algum rock, alguma música clássica. Lembro nessa época principalmente de Chico Buarque e Tom Jobim, dos Mutantes e do álbum da Tropicália; dos Beatles e The Mamas and the Papas, de Raul Seixas e Renato Russo, e de Mozart, que tão bem encanta tanto as crianças quanto os adultos.
Na adolescência fui descobrindo mais o classic rock, ouvia muito a rádio Kiss FM, e também os rocks da minha época, como CPM 22, Charlie Brown Jr., Linkin Park. A primeira banda que me tomou totalmente de assalto foi o Dream Theater, tinha e ouvia todos os álbuns, era fanático. Nessa época o Mike Portnoy foi uma influência tremenda no meu estilo musical.
Mais tarde isso foi deixando de fazer tanto sentido, continuei apaixonado pela música progressiva conforme fui descobrindo as bandas das antigas, como o Gênesis, e outras mais atuais como Porcupine Tree. Mas também me interessei por propostas mais experimentais durante os anos da faculdade. Conheci mais do Hermeto Pascoal, Herbie Hancock. No jazz, me encantei com Snarky Puppy, Aaron Parks, Lyle Mays, e com o soul de Erykah Badu e Robert Glasper. Hoje em dia os bateras que cultuo são Matt Garstka, Jojo Mayer, Benny Greb, Dave Weckl, entre tantos outros, e ouço músicas de estilos muito variados graças também ao advento do streaming.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), difícil precisar. Com três anos de idade (1995) subi pela primeira vez no palco Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo com a Teca Oficina de Música, numa apresentação dos alunos para suas famílias; alguns anos depois foi a vez das apresentações no TonTon Jazz Bar com a galera da Clam/Zimbo Trio e por aí foi.
Quando morei em Boston – USA (2011), acompanhei apresentações de muitos colegas, tocando em bares e nas famosas house parties. Depois de formado voltei para o Brasil e passei a fazer trabalhos de produção musical na Sound Lab estúdio musical, no bairro di Itaim, e montei uma banda de Heavy Metal; dali minha identidade musical foi amadurecendo até chegar no groove sofisticado.
A banda Catarse, formada por mim e pelo guitarrista Renato George, ainda com os excepcionais Pê Lopes, vocalista do The Voice, e com o Márcio Furtado, que é um baixista e produtor musical de carreira extensa. A gente vem se apresentando em eventos de rua e festivais de São Paulo desde o pós-pandemia (2022).
06) RM: Quantos CDs foram lançados?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), estamos trabalhando no nosso primeiro disco, com músicas consagradas e repertório autoral, e a previsão é que saia do forno antes do fim deste ano.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), com a banda Catarse, temos revisitado algumas das propostas musicais que chamam a atenção do público de hoje em dia, reformulando-as no embalo do groove, que é uma característica rítmica significativa da música popular. Passamos pelo soul, funk, rock, embalando nossa proposta de um jeito que chame a atenção dos nossos ouvintes, que faça com que as pessoas não consigam ficar paradas no lugar.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), inclusive graças à proposta da Catarse tenho me aproximado cada vez mais desta vontade antiga de desenvolver o canto!
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), mesmo para um baterista como eu o cuidado com a voz é essencial e no momento faço também aulas de canto. Na Catarse nosso vocalista é o Pê Lopes, um monstro, super fera que veio do The Voice Brasil e ele toma cuidados que para um leigo, chega a ser exagero; nos dias de show, por exemplo, o Pê toma muito cuidado com as bebidas e alimentos que consome, e descansa muito mais do que em um dia normal. Sua excelência o fez referência inclusive no ensino do canto e hoje ele também dá aulas no Studio B Escola de Música, localizada no bairro de Pinheiros, SP.
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), Elis Regina, Amy Winehouse, Ella Fitzgerald, Erykah Badu, Amber Navran… são muitas!
11) RM: Como é seu processo de compor?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), não há um processo fixo. Muitas vezes uma composição ou ideia de arranjo acontece a partir de ideias que surgem no meio de improvisos, seja sozinho ou com a banda. Depois trabalhamos juntos desenvolvendo a ideia. Às vezes a música sai pronta por si só, num momento de inspiração – um acorde ou uma pequena melodia num improviso continuam sozinhos, vão se seguindo de outros acordes e continuações para aquela melodia que quando você vai ver, tem um verso e um refrão inteiros prontos. Mas isso é bem mais raro!
Para mim, existe uma dimensão interna nossa, que cada um tem a sua própria, e que não é tão diretamente acessível pelo “Eu” que parece ditar cada um dos nossos movimentos no dia a dia. É uma vida profunda, uma inteligência intuitiva; que é individual, mas que não carrega o nosso próprio nome ou imagem; e que mesmo tendo um caráter individual, não deixa também de ser intimamente conectada com o mundo ao redor, às outras inteligências que existem por aí, nas outras pessoas.
Eu acredito que a arte é uma expressão desta interioridade. Fazer música também passa pelo filtro do “Eu”, das minhas experiências de vida e gostos musicais próprios.
Mas no profundo, o ato musical em si é um jeito de permitir que aquela vida interior inominável se expresse o mais puramente possível, no momento mesmo em que a música emerge e ressoa. Assim como tal indivíduo diz com sua voz, “meu nome é tal”, o ato musical é esta própria vida interna se apresentando, se mostrando, atribuindo a si mesma um nome que só existe enquanto aquele gesto dura. Fazer uma composição ou um arranjo é uma maneira tanto de capturar aquele momento único, quanto de poder vê-lo reapresentar-se de outras formas posteriormente, de modos diferentes, através da performance, capturando novos momentos daquela vida interna.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), os virtuoses Renato Ross (@renatogerogeroscani) e Vinícius Cavalieri (@viníciuscavalierisa).
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), não ter fontes de financiamento do circuito comercial é o grande fator de entrave; há muitas “panelas”, é difícil conseguir uma entrada nos locais consagrados e cultuados à música. Mesmo em espaços públicos como a Avenida Paulista você não pode simplesmente ir se apresentar, tem que ver com outra pessoa que toma conta daquele espaço se “é tudo bem”.
Mas sem insistir numa trajetória independente, não teria topado com a possibilidade de desenvolver junto aos outros integrantes da Catarse uma proposta nova voltada ao soul e groove, tidos como pouco aceitáveis comercialmente e de uma maneira errônea. Hoje nós vemos na nossa própria experiência como esse som tem uma alta adesão e resposta da plateia nos locais onde nos apresentamos.
O público que vê shows na rua, em circuitos culturais e em praças públicas é bem capaz de aderir a uma música popular executada dentro de ritmos e propostas menos convencionais. Principalmente após a pandemia e com a explosão da cultura digital e as rápidas mudanças sociais e culturais que ela impõe, há sempre uma grande sede pelo novo, pela descoberta de algo que outras pessoas ainda não pensaram; e isso se expressa também no gosto musical, dado, é claro, que a música não perca contato com os elementos que a tornam desde sempre acessível – o ritmo e a harmonia consistentes, o embalo de uma voz maravilhosa, o espírito vivo do artista que se arrisca no palco.
14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), Dentro do palco é aprofundar cada vez mais no groove e na sonoridade, aprofundar a sinergia com o time, ensaiar diariamente e ficar atento para todas as oportunidades de apresentação que aparecem, principalmente em áreas públicas.
Fora é aprimorar ainda mais minhas habilidades com aulas de canto, continuar compondo e mostrar meu trabalho também com outros grupos ou solo; isso é algo que nos une também enquanto banda Catarse, todos são livres para buscar outras propostas e experiências, ter sua carreira solo; essa amplitude e troca de experiência nos permite interagir com várias possibilidades e nos aprimorar enquanto grupo.
15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), eu e o Renato George estamos à frente de empreender e empresariar a própria banda, buscando coaching com profissionais mais experientes da área, interagindo com gestores e produtores musicais, providenciando infra para nos apresentarmos, cuidando também da parte burocrática. Venho de uma família de empreendedores e o Renato é sócio de uma escola de música, então essa particularidade nossa é algo que nos ajuda muito a sermos também empreendedores da Catarse e de nossas carreiras, dentro e fora dos palcos.
16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), A parte positiva é que a internet permite ao artista ter possibilidades que não tinha antes, de autopromoção e mesmo de se descobrir como artista. As redes sociais agem como instrumento poderoso de fidelizar seu público e divulgar o seu trabalho; elas trouxeram uma “customização” e variedades de opções sem precedente na história da música. Ferramentas como os EPs e streamings como o Spotify, Apple e Amazon Music, Youtube e outros permitem que você seja o seu próprio publisher, a utilização correta desses instrumentos abre portas fantásticas para artistas minimamente estruturados.
Por outro lado, creio que a cultura digital impactou enormemente a apreciação estética. A obsessão com filtros, com a perfeição, com o aparente e com as aparências tomou conta. Nos preocupamos muito com isso pois a tecnologia de bolso torna permanentes momentos que até quinze anos atrás eram passageiros e inócuos: hoje em dia qualquer gesto pode ser gravado e eternizado numa postagem, pode ser re-assistido, avaliado milhares de vezes. Não é à toa que a base eletrônica colonizou quase totalmente a música popular.
Ao mesmo tempo, o constante fluxo de informações nos deixa anestesiados. É tanta informação, que já não separamos tão bem o joio do trigo. Também somos constantemente demandados em todas as esferas – trabalho, escola, família, carreira. Há um cansaço, uma indisposição em pensar ou se esforçar demais para obter um prazer estético. Esses fatores não necessariamente trabalham a favor de quem deseja ou se propõe a fazer um trabalho bem pensado e genuíno a si mesmo, a não ser que dê a sorte de sua própria verdade ser muito condizente com o que mais chama atenção. Mas também tem que haver uma adaptação do artista à sua época e ao seu público.
17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), é absolutamente fantástico, não dá nem para pensar em desvantagens. O acesso está cada vez mais democratizado, e as pessoas têm mais ferramentas para se explorar e se descobrir artisticamente. Owl City estourou mundialmente fazendo músicas no porão de sua casa, Skrillex redefiniu a música eletrônica do século 21 apenas com um laptop.
A concorrência aumentou, mas é preferível isso ao monopólio absurdo das grandes gravadoras. Também me parece que o advento do home estúdio foi muito importante para os movimentos de quebrada e de periferias, para que se desenvolvessem e conquistassem cada vez mais espaço, se transformando nos fenômenos que são hoje o funk e o rap/hip hop nacionais, com toda a importância que carregam para os artistas, trabalhadores, e para o público destas formas de arte.
18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), nós trazemos uma proposta diferenciada dentro do que temos visto, tanto em bandas com som voltado a eventos e festas particulares, quanto aos artistas que tomam os palcos do circuito cultural. Na instrumentação, a Catarse adota o formato de power trio – baixo, guitarra e bateria. Mas nossa escolha de repertório não se limita ao que geralmente se ouviria com uma formação assim. Imagine fazer Harry Styles, Dua Lipa, The Weekend, sem efeitos ou elementos eletrônicos. Reapresentamos músicas muito conhecidas, removendo a maquiagem e as trazendo de volta aos seus componentes essenciais: ritmo, melodia, groove.
O resultado é uma experiência sonora bem pensada, estruturada, porém real, crua, hard. Trazemos elementos da harmonia do jazz, do ritmo do r&b e funk, da voz do soul, encarnada pelo Pe Lopes, com uma energia e uma pegada que remetem aos grupos de rock e grunge dos anos 90. Tudo isso é muito natural pois partiu da mistura do que cada membro trouxe e traz individualmente para a banda, em termos de suas referências artísticas e sua história de vida. Isso é palpável no som, e chama muito a atenção de quem está passando na rua ou curtindo uma festa.
19) RM: Como você analisa o cenário do Rock brasileiro. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), não me considero um conhecedor profundo dessa cena. Mas olhando de fora, vejo coisas interessantes e bem variadas acontecendo hoje em dia. Tem o Escalene, que traz uma pegada intensa, uma mistura interessantíssima e super musical de diferentes estilos dentro do rock deles.
Tem o Jovelina, que também traz misturas interessantes, mas ocupando uma outra faixa do espectro, e com uma formação de músicos altamente qualificados. Vejo que o retrô também voltou com força, em propostas como as do Terno Rei e Boogarins.
A única coisa que não aceito é quando ouço que o rock morreu. Quem diz isso não está prestando atenção. Acho que a grande dor do rock nacional deve ser perceber que certos artistas de renome do passado hoje em dia apoiam um governo fascista, ultraconservador, comprometido com a manutenção da elite do atraso.
20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), vixe, coisas que todo músico já passou. Já viajei 200 km para um show pelo qual acabei não recebendo um centavo. Já tive que tocar com falta de equipamento essencial, como um pedal de bumbo, com banda que não teve tempo de fazer um ensaio, em palco que não tinha caixa de retorno. Já toquei para público fantasma, de aproximadamente 5 pessoas, em bar que comportava 100, devido à falta de ação dos promotores do evento. A lista é extensa.
21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), o que me deixa feliz é a possibilidade de expressão, de viver uma vida construída na própria ação e iniciativa. A tristeza é viver um mundo em que esse acesso é negado ou dificultado a muitos por questões de ordem socioeconômica.
22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), sim e não. Na psicologia vemos como o debate entre “natureza” e “cultura” se estende, como não há resposta fixa para a questão de se nós nascemos tal coisa ou se nos tornamos tal coisa. Existem bases biológicas, de nascença, e existem fatores culturais. Acho que as experiências individuais influenciam muito, e desde os primeiros anos, o caminho musical da pessoa, sua aptidão. Mas é também algo aprendido e que pode ser ensinado.
23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), não sei se tenho base profunda para responder algo assim. Toco bateria desde criancinha, e quando comecei a fazer aula de bateria aos 8 anos eu já era capaz de fazer levadas e viradas por conta própria. Isso já era improviso. Até a faculdade, meu aprendizado da música foi intuitivo, muito por conta própria e de ouvido, porque nunca tive muita paciência para aula ou exercícios.
Acho que improvisação e música não se distinguem até que se fale em composição e arranjo. Quem tem a essência do ser músico não é copista – toda vez que toca música de alguém coloca algo de si, faz um pouco diferente, imprime sua marca. A questão é se o seu improviso cabe nos palcos e se será algo que os outros querem parar para ouvir. Como baterista, sempre quero que meu groove seja inimigo da lei da inércia dos corpos. Mas aqui, mesmo um groove que se repete é também improviso: como é a dinâmica? Se está swingado, qual é o feel do swing? Como distribuo o bumbo? Tudo isso pode mudar, numa mesma música, de uma apresentação para outra, dependendo do local, das condições, e principalmente da energia do público.
24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), creio que são as duas coisas juntas. Assim como uma conversa com um amigo é um improviso, já que você não sabe de antemão para onde vai, mas para poder acontecer você teve antes que aprender uma língua, com palavras, frases e orações. Todo improviso que faça sentido e agrade requer antes uma estrutura que o sustente.
25) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), não os conheço. Mas me lembro de Pat Metheny dizendo que se entediava quando ouvia grupos em que seus solistas não tinham investido os anos necessários para adquirir uma base sólida na linguagem do bebop. Metheny é um músico do mais alto nível e que tem que ser respeitado, mas deve ser incrível, e ao mesmo tempo um saco, conhecer e avaliar a música com esse nível de rigor.
Houve uma época em que a instrução acadêmica na faculdade era tão intensa, que anestesiou para mim a conexão com o real da música. Precisei de uns anos afastado daquele ambiente para me reconectar, redescobrir que o importante é a verdade que expressa o artista no seu som. É por isso que para mim Ringo Starr e Chad Smith podem ser incluídos ao lado de caras como Dennis Chambers e Vinnie Colaiuta na lista dos maiores bateras.
Não é sobre a técnica, nem sobre o número de estilos que o cara tem na manga, apesar de isso também ser muito importante. Mas no final sinto que isso não significa nada se não há criatividade, sensibilidade no toque, preocupação com sonoridade. A capacidade de fazer isso em alto nível depende de dedicação, mas também de um certo tipo de envolvimento e de consideração com a música.
26) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), não posso falar sobre todos os métodos que existem. Mas creio que podem ser engessantes. Há entre alguns músicos a percepção, por exemplo, de que na Berklee se fabricam músicos iguais: mesmo vocabulário, mesmo som. Acho que isso é mais uma função do próprio músico do que de quem ensina.
A Berklee tem um método próprio, é uma instituição de ensino superior, não tem como ensinar cada um de acordo com a própria individualidade. E ninguém pode dar isso para um músico de qualquer jeito, ele tem de lutar por isso. É fato que existe um “som Berklee” que qualquer um que já estudou lá imediatamente reconhece, e que talvez muitos dos que passam por lá se contentem em achar esse lugar e permanecer nele. Mas é igualmente óbvia a diferença que existe entre John Mayer, Esperanza Spalding, Steve Vai, Hiromi Uehara – para mencionar apenas alguns dos músicos de renome que se formaram lá.
27) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), a princípio, a Catarse não tem proposta radiofônica, obviamente que não está descartada, mas não é algo pelo qual vamos “nos matar” ou algo assim; não sou conhecedor profundo desse universo, mas sei que sim, sabemos de gravadoras que, para emplacarem seus artistas, pagam “jabá” mas por outro lado conheço músicos que não adotam a prática e são tocados também; cada rádio pertence a um grupo diferente, tem suas normas empresariais então acho difícil generalizar essa ou aquela prática.
28) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), digo para não se afobar, trilhar o caminho sem pressa. Foco no instrumento, na técnica, na musicalidade. Essas coisas levam tempo para se desenvolver, não há corta caminhos. Isso no início, geralmente quando o futuro músico é ainda criança ou adolescente. Essa base inicial é muito importante para quando o músico profissional tiver de lidar com o ritmo de vida imposto pela profissão. Na vida adulta, já não há mais tanto tempo para se dedicar ao instrumento. É hora de pôr os pés no chão, ser eficiente, compor, se apresentar, saber lidar com o público e com toda a estrutura de bastidores que permite viabilizar um projeto musical.
29) RM: Festival de Música revela novos talentos?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), Sim com certeza, haja vista os festivais da década de 60 que nos trouxeram talentos incríveis como Chico Buarque, Edú Lobo, Jair Rodrigues e ajudaram a consolidar outros nomes hoje amplamente consagrados da MPB como Roberto Carlos e Caetano Veloso. Com o advento da internet os festivais estão mais regionalizados e “diluídos”, ou foram substituídos por eventos de grande audiência e espetacularização como o “The Voice Brasil” e similares e, sim, no meu entender continuam tendo uma contribuição importante para a revelação de novos talentos. O próprio Pê Lopes, nosso vocalista, com seu talento, presença de palco e técnica literalmente dos deuses, foi revelado pelo The Voice Brasil.
30) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), A grande mídia se interessa pelo que mais vende, isso não é segredo para ninguém. Não acho justa a crítica musicalmente e, a meu ver, socialmente elitista que se faz dos movimentos e artistas com proposta ultra popular, já que a arte é um fenômeno cultural, coletivo, e se há demanda para propostas mais “rasas” (com muitas aspas), é necessário se perguntar antes qual é o panorama social – e político – que torna o empobrecimento da estética algo economicamente viável e politicamente interessante.
Também há o fato de que, uma vez eleitos os “medalhões”, raro os vemos sair de circulação, há pouco espaço para inclusão para artistas muito bons e movimentos de vanguarda. Tem um aspecto de ser uma indústria de “panelas” e de preferidos, de monopólios, de favoritismo. É possível furar esse bloqueio? Sim, mas isso é exceção, e não regra. Acho que seria incrível viver num mundo onde a Nômade Orquestra aparecesse no Jornal Nacional, mas infelizmente, não é o mundo em que vivemos. Temos que analisar a realidade material e social tal qual ela se dá, e agir nas bases para que algo mude concretamente.
31) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), acho maravilhoso e deveriam ser seguidos por outros nomes de peso do mundo corporativo e de entidades representativas empresariais. Infelizmente no Brasil ainda são poucas as iniciativas como essas e as que você citou considero referência e inspiração para os demais. Na área pública citaria como referência o Centro Cultural São Paulo e a Secretaria Municipal de São Caetano do Sul que têm aberto espaços para propostas inovadoras de gente muito talentosa. No Brasil há uma quantidade enorme de músicos talentosíssimos, de propostas musicais interessantes. É preciso que cada vez mais instituições e atores sociais empreendam, invistam na arte.
32) RM: Quais os seus projetos futuros?
Banda Catarse: Sergio Mafei (baterista), pretendo seguir adiante com a banda Catarse, popularizar o groove e o swing como ritmos e expressões artísticas de alta qualidade e potencial de aceitação. E continuar trabalhando com os meus parceiros @peelopes, @renatogeorgeroscani e @marciofurtadonass e ainda encontrar tempo para a prática de outros tipos de propostas musicais com as quais me identifico e para assistir a todos os shows da maravilhosa música que se faz hoje nesse país fora dos grandes circuitos comerciais.
33) RM: Quais seus contatos para shows e para os fãs?
Banda Catarse: (11) 98214 – 6512 (Sergio Mafei )| (11) 97717 – 0082
| https://www.instagram.com/bandacatarseoficial
| https://www.instagram.com/sergiomafei
| https://www.instagram.com/pelopees
| https://www.instagram.com/marciofurtadobass
| https://www.instagram.com/renatogeorgeroscani
Canal: https://www.youtube.com/user/xXSTFDXx