Por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa
Geraldo Pedrosa de Araújo Dias nasceu no dia 12 de setembro 1935 em João Pessoa – Paraíba, em 2024 fez 89 anos e seu sobrenome artístico é uma abreviação do sobrenome de seu pai, José Vandregíselo.
Em 1964, Geraldo Vandré tinha 29 anos quando gravou seu primeiro álbum: O Menino das Laranjas (Theo de Barros), Berimbau (Baden Powell e Vinicius de Moraes), Ninguém Pode Mais Sofrer, Canção Nordestina, Depois É Só Chorar, Samba em Preludio (Baden Powell e Vinicius de Moraes) que Vandré faz dueto com Ana Lúcia, Fica Mal Com Deus, Quem é Homem Não Chora, Tristeza De Amar, Só por Amor (Baden Powell e Vinicius de Moraes), Pequeno Concerto Que Ficou Canção, Você Que Não Vem.
Os arranjos do álbum são de autoria de Baden Powell (1937 – 2000), Erlon Chaves (1933 – 1974), J.T. Meirelles (1940 – 2008), Moacir Santos (1926 – 2006) e Walter Wanderley (1932 – 1986). Os outros álbuns de estúdio foram: Hora de Lutar (1965); 5 Anos de Canção (1966); Canto Geral (1968); Das Terras de Benvirá – No Chile (1973).
Em 1965, no Festival Brasileiro da Música Popular defendeu Sonho de um Carnaval (Chico Buarque) que ficou em segundo lugar, perdeu para Arrastão (Vinicius de Moraes e Edu Lobo) defendida por Elis Regina.
Em 1966, Vandré chegou à final do Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com Disparada (Geraldo Vandré / Theo de Barros – https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/theo-de-barros), interpretada magnificamente por Jair Rodrigues. A canção ganhou o primeiro lugar junto com A Banda, de Chico Buarque.
Em 29 de setembro de 1968, Vandré participou do III Festival Internacional da Canção da TV Globo com Pra não Dizer que não Falei das Flores. A música ficou em segundo lugar, perdendo para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim e foi interpretada pelas irmãs Cynara de Sá Leite Faria e Cybele Ribeiro de Sá Leite Freire, ambas integrantes do Quarteto em Cy. Elas ficaram revoltadas com as vaias que tomaram injustamente.
A música Sabiá foi vaiada pelo público presente no festival, que exigia que o prêmio fosse dado para Pra não Dizer que não Falei de Flores de Geraldo Vandré. O público politicamente e socialmente engajado, inconformado com o resultado começou a vaiar o júri imaginando que seus membros estavam seguindo ordem dos censores. E Vandré tentou acalmar o público falando ao microfone: “… Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem nosso respeito… E pra vocês que continuam pensando que me apoiam os vaiando…. A vida não se resume em festivais”.
Em 13 de dezembro de 1968 ao ser promulgado o Ato Institucional número 5 pela Ditadura Militar durante o governo de Artur da Costa e Silva. E no dia 14 de dezembro de 1968, Vandré após um show em Anápolis – GO não viajou para outro show em Brasília – DF, pois existia a possibilidade de ser preso por causa da repercussão da música Pra não Dizer que não Falei das Flores.
Em janeiro de 1969, Vandré partiu para o autoexílio cruzando a fronteira do Brasil para Uruguai em direção ao Chile que estava sob o governo de esquerda de Salvador Allende e morou por alguns anos no Chile em um pequeno apartamento e nesse período visitou países da Europa. Vandré fez sucesso no rádio e na TV de 1964 a 1968.
A repercussão da música Pra não dizer que não falei das flores causou também a demissão de Vandré na SUNAB e após a lei da Anistia em 28 de agosto de 1979, ele foi readmitido se aposentando como servidor público federal. Ele tem residências em São Paulo, Teresópolis – RJ e João Pessoa – PB. Ele contestou ser anistiado já que não cometeu nenhum crime, sua readmissão não podia ser relacionada com a volta dos exilados ao Brasil em detrimento do perdão dos militares e policiais que cometeram atos torturas e assassinatos de presos políticos.
Geraldo Vandré a partir do seu autoexílio em 1969 gerou muitas suposições dos fãs, familiares, amigos e colegas de profissão sobre a possibilidade de o mesmo ter sido preso, torturado por policiais do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), um órgão de inteligência e repressão subordinado ao Exército Brasileiro no período da Ditadura Militar que durou de 1964 a 1985. Vandré se tornou um mártir e uma lenda.
Vandré voltou ao Brasil no dia 17 de julho de 1973 declarando que só faria “canções de amor” e que nunca teve problemas com os militares nem foi torturado, e para o espanto dos seus fãs fez uma música em homenagem à FAB – Força Aérea Brasileira (Fabiana – https://www.youtube.com/watch?v=GuT-AgvnQvw).
A saída de Vandré do cenário musical após a promulgação do AI-5 preservou sua integridade física no período mais violento da repressão no governo linha dura de Arthur da Costa e Silva (de 1967 a 1969) e reforçou sua imagem como o principal “cantor de música de protesto” no imaginário popular.
Mas se a sua saída de cena foi uma “ação de marketing” para vender mais discos do Vandré, “o tiro saiu pela culatra”, pois sua imagem combativa ao regime ditatorial passou paulatinamente ao personagem difuso e confuso. Era visto pelos colegas como um artista vaidoso excêntrico com dificuldade de se relacionar profissionalmente.
Em 1992, quando eu (Antonio Carlos) escutei seu primeiro álbum foi “um tiro certeiro” na minha mente e combustível para a minha ideologia social em formação. E as suas músicas que se tornaram as minhas preferidas são: Pra não dizer que não falei das flores; Disparada; Réquiem para Matraga; Porta Estandarte; Ninguém pode mais sofrer; Fica mal com Deus; Menino das Laranjas; Quem quiser encontrar o amor; Pequeno concerto que virou canção; Rosa Flor; Canção do breve amor; Depois é só chorar, Berimbau, Samba em prelúdio, Menino das laranjas, Canção da Despedida (Geraldo Vandré / Geraldo Azevedo), Homenagem a Che Guevara.
Nos anos 90, Geraldo Vandré era para uns um mártir e para outros um “louco”, Vandré cantando com uma voz suave, quase sussurrada de barítono. A tonalidade grave e média agrada a minha emoção. O Violão atua nas suas músicas como um estandarte pulsando nos ritmos do Samba, da Bossa Nova e no dedilhado da MPB conduzindo os outros instrumentos e arranjos.
Suas músicas com poucos acordes passaram a ser um parâmetro na forma de cantar e os dedilhados são os ritmos que gosto de tocar no violão. Eu assinaria a maioria das suas letras que eu escutava como poemas superadas somente pelas letras das obras Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gonzaguinha, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho.
Em 2002, o jornalista paraibano Assis Ângelo me passou o contato de Geraldo Vandré para eu fazer uma entrevista para a RitmoMelodia. Falei com Vandré por telefone, ele me perguntou quanto eu pagaria de cachê pela sua entrevista para publicar na revista (nos anos 60, 70, 80 alguns programas de TV pagavam cachê para os artistas). Ele acreditava que a publicação de sua entrevista renderia financeiramente para a revista. Percebi que estava desconectado com o século XXI.
Eu expliquei que nem cobrava nem pagava cachê para entrevistar artista. Mas que eu estaria à sua disposição para entrevistá-lo. Mas o jornalista paraibano Ricardo Anísio me cedeu uma entrevista que fez com Vandré publicada no jornal que trabalhava e eu republiquei em primeiro de fevereiro de 2004 a entrevista RitmoMelodia (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/geraldo-vandre).
Em 2009, alunos de jornalismo da PUC – SP produziram o documentário “O que sou nunca escondi” sem fins lucrativos com depoimentos sobre Vandré. Em 23 de março de 2014, Geraldo Vandré voltou a subir ao palco depois de 40 anos, com a cantora norte-americana Joan Baez, que em 1981 foi proibida de cantar no Brasil pela ditadura militar. Baez insistiu para que Vandré cantasse, mas este não cedeu: “Eu vou convidar para subir ao palco um mito. Ele não gosta disso, prefere ser somente um homem. Ele virá aqui, mas não vai cantar, vai ficar do meu lado”, disse Joan Baez.
Em 2015, em homenagem aos 80 anos do compositor, foram lançadas as biografias “Geraldo Vandré – Uma canção interrompida” (do jornalista Vitor Nuzzi) e “Vandré: o homem que disse não” (do jornalista Jorge Fernando dos Santos). No mesmo ano, Vandré foi homenageado no Festival Aruanda, em João Pessoa, por seu trabalho na trilha sonora do filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965), baseado na obra de Guimarães Rosa. Esta foi a primeira vez, após 20 anos, que ele retornou à terra natal.
Em 22 e 23 de março de 2018, Vandré se apresentou em João Pessoa, depois de 50 anos sem cantar em palcos brasileiros; acompanhado da Orquestra Sinfônica da Paraíba (OSPB), cantou Pra não dizer que não falei das flores. No mês seguinte, Vandré publicou o livro de poemas Poética, produzido durante seu autoexílio no Chile (de 1969 a 1973). A obra, originalmente intitulada Cantos Intermediários de Benvirá, foi lançada na Academia Paraibana de Letras.
Geraldo Vandré nas suas entrevistas “explica” os motivos que o levou a deixar em 1969 a profissão de artista voltando a ser exclusivamente funcionário público federal para não servir “de bandeira” de causa partidária, estudantil, sindical ou revolucionária. Mas também não voltou a fazer somente canção de amor.
Vandré não seguiu outra vertente musical para apagar a de “cantor de música de protesto”. É visível sua postura desconfortável nas entrevistas mostrando uma instabilidade psicológica mesmo tendo um discurso racional de advogado. O poeta “matou o artista” se tornando um artista fantasma que não volta nem sai de cena.
Vandré teve músicas com cunho social que ganharam popularidade em festival como Disparada, Pra não dizer que não falei das flores. O seu primeiro álbum tem mais canções românticas, mas gravou na sequência três álbuns com músicas de cunho social. A música de protesto no período Ditatorial era o grito da liberdade contra o sistema opressor e quanto maior a fama do artista menor a chance de ser preso e torturado. A guerrilha urbana e rural, a organização sindical e a música de protesto combatiam a Ditadura Militar.
Nos decepcionamos com atitudes incoerentes de alguns artistas, mas ficam eternas algumas das suas canções: “…Vem, vamos embora, que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, não espera acontecer / Vem, vamos embora, que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, não espera acontecer…” – Pra não dizer que não falei das flores
“Vim aqui só pra dizer / Ninguém há de me calar / Se alguém tem que morrer / Que seja pra melhorar. Tanta vida pra viver / Tanta vida a se acabar / Com tanto pra se fazer / Com tanto pra se salvar / Você que não me entendeu / Não perde por esperar” – Réquiem para Matraga
“…Eu quis ficar aqui, mas não podia / O meu caminho a ti não conduzia / Um rei mal coroado / Não queria o amor em seu reinado / Pois sabia não ia ser amado /
Amor, não chora, eu volto um dia / O rei velho e cansado já morria / Perdido em seu reinado sem Maria / Quando eu me despedia, no meu canto lhe dizia…” – Canção da Despedida
Sucessos de Geraldo Vandré: https://www.youtube.com/watch?v=t_yGGGd8GoY&list=PLUHPt54xYw0uJAnCG0AZ_oTllKkKHp_4k
Discografia de Geraldo Vandré: https://www.letras.mus.br/geraldo-vandre/discografia
Geraldo Vandré – Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores (aula de violão): https://www.youtube.com/watch?v=GfwYiLs65ok
Geraldo Vandré e Orquestra Sinfônica da Paraíba: https://www.youtube.com/watch?v=-HMfwDQQab4&list=PL_50QDmvT4kz_QSzqLVO9R9RbJtQqPeJ2
O que sou nunca escondi (2009) – Um filme sobre Geraldo Vandré: https://www.youtube.com/watch?v=S8vHfwoofu4
Filme Nordestino a Hora e a Vez de Augusto Matraga de 2011: https://www.youtube.com/watch?v=ZtVTUVe2roo
GERALDO VANDRÉ I CANAL LIVRE – Band em 23 julho 2023: https://www.youtube.com/watch?v=4gy8z5OMjVs
Geraldo Vandré quebra o silêncio – GloboNews (1/4): https://www.youtube.com/watch?v=FByQWCMZY2s
Geraldo Vandré quebra o silêncio – GloboNews (2/4): https://www.youtube.com/watch?v=p7wD7dGx5h0
Geraldo Vandré quebra o silêncio – GloboNews (3/4): https://www.youtube.com/watch?v=C-5o2janCmg
Geraldo Vandré quebra o silêncio – GloboNews (4/4): https://www.youtube.com/watch?v=48b9UBGu1XU
Geraldo Vandré – TV Alemã 1970 (Completo): https://www.youtube.com/watch?v=kuFsY5BvGe8
Segundo Caderno = GERALDO VANDRÉ: https://www.youtube.com/watch?v=x1fTUc8HeBw
POLÊMICA ENTREVISTA: O cantor e compositor Geraldo Vandré: https://www.youtube.com/watch?v=jI8y8wLFgBo
Entrevista no Programa Diversidade: https://www.youtube.com/watch?v=uIb-QqS29ik
Muito bom o texto. Aponta história e traz reflexão sobre.
O artigo de Antonio Carlos da Fonseca Barbosa sobre Geraldo Vandré, na Revista RitmoMelodia, é uma verdadeira aula sobre a história e importância desse grande artista. Antonio Carlos conseguiu, com maestria, trazer a trajetória de Vandré à tona, mostrando não só o impacto de suas músicas no cenário político da ditadura militar, mas também a complexidade de sua personalidade. Vandré, que se autoexilou para escapar da repressão, nunca se assumiu como um revolucionário, mas, como Antonio Carlos bem destaca, sua arte falava por si. Ele desafiou o sistema com suas letras e, mesmo sem buscar esse rótulo, se tornou uma voz de resistência. Um texto indispensável para quem quer entender a fundo a relevância de Vandré para a música e a história do Brasil!
Querida Daniela Bontempi, gratidão pelas palavras e contextualização do artigo. Juntos somos mais fortes.
Excelente! Muita riqueza cultural para nós! Grata.
Excelente entrevista! Expôs com sensibilidade e respeito um contexto tão delicado. Todo meu respeito ao artista entrevistado e minha admiração à competência do Antônio Carlos.