O instrumentista e compositor Fabio Bergamini lança seu primeiro álbum solo, Nandri (selo Belic Music), que estará disponível em todas as plataformas de música a partir de 8 de dezembro de 2022.
O evento de lançamento acontece na E7P Urbana (Escola dos 7 Portões), também no dia 8/12, a partir das 19 horas, com a primeira audição das faixas (exibição de videoclipes), pocket show do artista e jam session aberta aos músicos presentes.
Nandri é formado por oito composições instrumentais – “Rasikapriya”, “Swarnabhoomi”, “Camelo”, “Timbila”, “Nandri”, “Guerra Sem Batalha”, “Omni” e “Bel” – que primam pela sonoridade e por arranjos que conduzem o ouvinte a paisagens sonoras e visuais, amparadas pela sonoridade da world music em plena harmonia com a complexidade dos improvisos do jazz. Com 30 anos de carreira, tocando e viajando o mundo com o grupo Madredeus e acompanhando artistas de renome, Fabio Bergamini se apresenta como criador nesse álbum jazzístico norteado pela música étnica e pela inserção de instrumentos ‘exóticos’ dos mais diversos cantos do mundo. E chega com um trabalho original brasileiro, universal, sem fronteiras.
Com características de “trilhas sonoras”, as composições foram inspiradas em paisagens, viagens ou histórias vividas pelo músico, que assina quase a totalidade das composições. A fusão de linguagens é evidente na diversidade de timbres, ritmos, cores e sonoridades, trazidos pela música de outros cantos em conversa com o jazz europeu. Todas essas possibilidades foram catalisadas pelo encontro de músicos internacionais presentes no disco.
Os arranjos foram construídos ao longo dos últimos anos, a partir de performances, experimentações e práticas de estudos feitas pelo grupo Fabio Bergamini Ensemble, formado por Bergamini nas percussões e bateria, Rui Barossi no contrabaixo (que também assina a produção musical e os arranjos do álbum, junto com Fabio Bergamini), Rubinho Antunes no trompete, André Bordinhon na guitarra, Paula Mirhan na voz, Fábio Oliva no trombone e Sidney Ferraz no piano. O disco ainda conta com convidados internacionais e de diversas regiões do Brasil: a cantora espanhola Mili Vizcaíno, os músicos indianos Ghatam Karthick e Sarvesh Karthick, a cantora suíça-brasileira Taïs Reganelli (radicada em Portugal), o saxofonista Guto Lucena (radicado na Suécia), o pianista carioca Pedro Carneiro Silva e os paulistanos Gabriel Levy (acordeon) e Emilio Martins (percussão).
A universalidade presente no trabalho de Bergamini não exclui a brasilidade. Suas raízes culturais estão em São Paulo e no solo fértil da tradição da música brasileira – representada no disco pelo uso criativo de alguns ritmos e instrumentos peculiares (pandeirões de bumba meu boi do Maranhão, bombo leguero gaúcho, alfaias de maracatu) e nas interpretações mais livres inspiradas, quase que como reverência, na música instrumental brasileira de Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos e Hermeto Pascoal. Nandri cria um espaço comum entre ocidente e oriente, entre a música instrumental ocidental, sobretudo o jazz e a música brasileira, e algumas das chamadas “músicas do mundo”, com destaque para a indiana, a africana e a árabe. Timbres “exóticos”, harmonias modais, ragas indianas, escalas árabes (maqams), paisagens sonoras brasileiras, instrumentos tradicionais de diversas culturas, diferentes atmosferas e improvisações garantem uma sonoridade peculiar ao trabalho.
Fabio Bergamini é um músico que sempre buscou novas sonoridades, instrumentos não convencionais, manifestações musicais e novas expressões artísticas, sendo esse álbum resultado dessa inquietude criativa e da busca incansável por novas conexões sonoras. Como acadêmico, além de seu mestrado em performance pela Unicamp (Campinas/SP), cujo objeto de estudo foi a “música universal de Hermeto Pascoal”, Bergamini estudou etnomusicologia na Universidade Nova de Lisboa (PT), quando seu interesse pelas músicas do mundo se expandiu. Esteve em Moçambique e África do Sul por três meses, tocando e pesquisando. Ficou por um semestre na Índia, lecionando e estudando música carnática. Estudou com John Bergamo, na Califórnia (USA), em curso de World Percussion. Escreveu o livro didático de bateria do Projeto Guri (SP/SP). Desenvolve pesquisa sobre as músicas tradicionais de cada região brasileira, que resultou em um curso para mais de três mil professores da rede municipal de São Paulo (Mapa Musical do Brasil), além da vivência internacional como músico tocando com o grupo Madredeus. E Nandri traduz essa busca pelas idiossincrasias das manifestações musicais ao redor do mundo, feito de forma livre, espontânea e criativa, sem a intenção explícita de representar determinado grupo ou manifestação.
“Nandri quer dizer ‘obrigado’ na língua Tamil (sul da Índia), e esse é um álbum feito em agradecimento aos tantos caminhos a que a música pode nos levar e que nos faz mergulhar tanto internamente, na busca de nossa essência, como no mundo exterior, dando-nos a oportunidade de conhecer lugares, culturas e pessoas incríveis ao longo da jornada”, comenta o artista. “Esse álbum é uma celebração à música sem fronteiras, à diversidade musical encontrada na cidade de São Paulo e nos possíveis encontros e intersecções onde a música pode ser essa linguagem universal dos sons. É o resultado do que vivi até então, do tanto que estudei, desenvolvi e de como vejo, expresso e entendo o mundo”, finaliza Fabio Bergamini.
Fabio Bergamini conta que a maioria das músicas são baseadas nas ragas indianas (escalas) e no konnakol – linguagem rítmica utilizada sobretudo no sul da Índia onde ele lecionou e se aprofundou na música carnática indiana.
Momentos em Nandri lembram trilhas ou paisagens sonoras ancestrais que interligam culturas e povos, como é percebido na faixa 3, “Camelo” (Fabio Bergamini e Pedro Carneiro Silva), que nos remete aos longínquos desertos árabes, mas ao mesmo tempo nos aproxima do sertão brasileiro ou de uma mesquita paulistana. Isso é percebido também na faixa-título (5), “Nandri” (Fabio Bergamini e Pablo Lapidusas), que nos leva aos templos sagrados da Índia e, ao mesmo tempo, retrata a tensão e agitação da vida nas metrópoles, trazendo o contraste entre a paz e o caos do trânsito, seja na Índia ou em São Paulo. Esta música tem delicada participação especial da cantora Taïs Reganelli.
A composição que abre o disco, “Rasikapriya” (Ghatam Karthick), deu início ao processo de gravação do álbum. “Como Lord Ganesh, que abre os caminhos e ajuda a fluir, esta música abriu as portas à série de encontros de diferentes sonoridades”, revela. Na faixa, a voz da cantora espanhola Mili Vizcaíno se sobrepõe ao timbre dos sopros, Gabriel Levy harmoniza com seu acordeon e André Bordinhon, com sua guitarra cósmica. E Ghatam Karthick e seu filho Sarvesh tocam percussões indianas. O álbum segue com “Swarnabhoomi” (Fabio Bergamini e Pablo Lapidusas), que significa ‘terra do ouro’, é sinônimo de abundância, mas também diz respeito aos movimentos e fluxos da vida. “Foi composta numa madrugada em que, junto com meu amigo Lapidusas, estava encantado com as aulas de ragas e de konnakol. Sem pretensões de criar algo tradicional, surgiu a composição em que o contrabaixo se mantém em 5/4, enquanto a melodia sobrevoa esse padrão em ciclos de 3” (e na gravação ganhou brilho na voz Paula Mirhan), explica Bergamini.
A quarta faixa, “Timbila” (Fabio Bergamini) é um encontro de sons e ritmos. O autor comenta que esta música “é uma singela homenagem às nossas raízes africanas. Timbilas de moçambique é uma celebração na floresta”. Segundo o compositor, “Guerra Sem Batalha” (Rui Barossi) – faixa 6 – “retrata-nos como engrenagens de uma mesma máquina. Apesar da individualidade e do ritmo particular, estamos conectados no grande universo”. A próxima composição, “Omni” (Fabio Bergamini), traz arranjo com diversos instrumentos não muito usuais como botijão de gás, uma concha do mar com bocal de trompete, berimbau, morsing (harp mouth) talking drum, didjeridoo australiano, tablas indianas, flautas étnicas. A música é um convite ao novo, ao inesperado. Uma agradável aventura. E “Bel” (Pedro Carneiro Silva) tem uma sonoridade que parte de ‘águas calmas’, de um ‘mar tranquilo’ que aos poucos se torna revolto e caótico. “Esta música é inspirada nas fases da vida, mais calmas ou conturbadas, que sempre nos levam ao ponto de origem, ao útero, à terra”, diz Fabio Bergamini sobre a faixa que fecha o álbum Nandri.
Fabio Bergamini é bacharel e Mestre em música pela Unicamp (Campinas/SP), complementou seus estudos nos Estados Unidos (Berklee e Calarts). Cursou a especialização em etnomusicologia na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, onde foi por dois anos integrante do Grupo Madredeus. Tem atuado como professor universitário no Souza Lima, Instituto Vera Cruz, Unimep, Unisant’Anna e IBFE. Já trabalhou em escolas e projetos sociais como Bate Lata, Projeto Guri, EMT, Colégio Notre Dame e Escola de Música de Cascais em Portugal. Trabalhou por dois anos no projeto Brincadeiras Musicais da Palavra Cantada. É autor dos livros didáticos de bateria do Projeto Guri.
Tem tocado como músico convidado das orquestras Sinfônica de Campinas (OSMC), da Unicamp (OSU) e Orquestra Rock, tocando com Ivan Lins, Frejat, Zeca Baleiro, Skank, Banda Blitz, Melim e Jota Quest. Já tocou com artistas como Flávia Bittencourt, Luiz Melodia, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Nando Cordel, Ivan Lins, Sofia Vitória e grupos instrumentais – Magnífica Orquestra Paulistana de Músicas do Mundo, Mondjaz, Choro Pro Santo, Banda Urbana, Comboio, Michel Freidenson Trio, Albano Sales, Marcelo Onofri, Rubinho Antunes e outros.
Em 2016, foi convidado para ser professor da Swarnabhoomi Academy of Music em Chennai – Índia. Atualmente, é professor da St. Nicholas School, do Instituto Vera Cruz, do IBFE, e da pós em Música Popular na Faculdade Souza Lima. Também desenvolve seu próprio trabalho como compositor e instrumentista, além de atuar como terapeuta do som na Escola dos 7 Portões, onde também é curador de eventos culturais e artísticos. É organizador e maestro da Orquestra Viramundo, em Carapicuíba (projeto social com crianças de abrigo que, para o ano de 2022, tem o apoio do ProAC Editais 2021.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Fabio Bergamini para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 19.12.2022:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Fabio Bergamini: Nascido no dia 24/05/1975 em Campinas – SP.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Fabio Bergamini: Desde criança, sempre me interessei não só pela música, mas também pelo som das coisas, dos materiais e objetos que eu podia manipular. Uma das principais brincadeiras que eu fazia era construir instrumentos com sucatas e materiais recicláveis. A partir daí surge meu primeiro “set” de bateria, com uma placa da rua que servia de prato, e duas latas de tinta que eu fazia de bumbo e caixa. Só depois de muita insistência, ganhei minha primeira bateria, aos 11 anos de idade.
Meu irmão já tocava violão e então fizemos, junto com amigos, nossa primeira banda de rock, Cabo Canaveral. A partir daí começamos a tocar em festas, clubes e boates. Quando fiz 15 anos, fui convidado a tocar em uma banda de baile que viajava pelo interior de São Paulo e sul de Minas. Aos 17 anos, tive que decidir qual faculdade faria e, contra a vontade de minha família, entrei em Música Popular na Unicamp. A partir de então, comecei a tocar com artistas de vários estilos e passei a me interessar por outros gêneros como o jazz, a música brasileira desde suas origens, a música erudita e as mais diversas músicas do mundo.
03) RM: Qual a sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Fabio Bergamini: Sou formado em Música Popular pela Unicamp. Quando terminei o curso recebi um convite para ficar três meses em Moçambique, tocando e pesquisando a música africana. Isso me abriu muito a cabeça por entender que há inúmeras formas de expressão musical que eu não tinha ideia de que existia. Com isso, fui estudar “world percussion” com o professor John Bergamo no Calarts (Instituto de Artes da Califórnia), onde entrei em contato pela primeira vez com o Konnakol – a linguagem rítmica indiana. Continuando por essa linha, fiz então um ano do mestrado em etnomusicologia na Universidade Nova de Lisboa, quando morei em Portugal tocando com o grupo Madredeus.
Voltando ao Brasil, terminei o mestrado em performance voltado para a cultura brasileira, estudando os ritmos da percussão das várias regiões do Brasil, e como eles podem ser adaptados para a bateria. A partir desse mestrado, comecei a lecionar em diversos lugares, dedicando bastante tempo e estudos para a carreira acadêmica como professor. Senti então a necessidade de entrar um pouco mais no campo da musicoterapia, e fiz uma pós-graduação no assunto, mas me interessei por um campo específico chamado de Sound Healing ou terapia do som. Desde então, venho me aprofundando no assunto.
Há 4 (2018) anos, fui para a Índia lecionar em uma universidade, também aproveitei para me aprofundar nos estudos da música Carnática indiana. Agora lanço um álbum (Nandri) inspirado nesses estudos, já que a maioria das músicas foram compostas durante essa viagem.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Fabio Bergamini: Se for fazer uma retrospectiva desde quando comecei a tocar, o início foi o rock, bandas como Led Zeppelin, Yes, Rush, Queen, entre outras do rock progressivo. A partir da adolescência, comecei a me interessar pela música brasileira, não só o rock, mas sobretudo Djavan, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil.
Entretanto, quando ouvi o Clube da Esquina pela primeira vez, aquilo mudou minha visão da música. Isso até hoje permanece, acho que Milton Nascimento, Toninho Horta, Lô Borges e toda aquela turma fazem as músicas mais belas do planeta. Quando entrei na faculdade, entrei em contato com o jazz e os grandes músicos improvisadores; foi uma escola muito importante, mas nunca foi minha grande paixão.
Agora, quando falamos de Egberto Gismonti, Nana Vasconcelos, Hermeto Pascoal e tantos grandes músicos brasileiros que se expressam pela arte improvisativa e que trazem essa linguagem que vem do coração do que da mente, eu amo. Depois que me formei, tive a oportunidade de fazer algumas viagens tocando, como por exemplo para Moçambique. Isso me abriu a mente para “as músicas do mundo”, e então comecei a ouvir grupos e artistas africanos como Salif Keitha ou a banda Ultramarine.
Em 2008, fiz então um mestrado em Portugal em etnomusicologia, o que me fez pesquisar e conhecer diversas manifestações musicais ao redor do planeta. Concluindo então, vejo a música como manifestação do ser humano em determinado espaço, tempo, grupo social, jeito de pensar etc, então não deixo de ver a importância em cada gênero que existe, entendendo-o como expressão de alguma ideia que vem de determinado contexto.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Fabio Bergamini: Comecei desde criança explorando os sons de casa e construindo instrumentos. Quando fiz minha primeira bateria com latas de tinta e uma placa de rua como prato, meus pais perceberam que não teria muito jeito, então ganhei minha primeira bateria aos 11 anos de idade. Já na mesma semana fui tocar numa festa da escola com amigos mais velhos que já tocavam, principalmente rock nacional. Só depois de alguns meses fui estudar com Jayme Pladeval, em Campinas – SP, e logo comecei a acompanhar artistas e tocar em vários grupos de MPB e música instrumental. Vale ressaltar aqui meus grandes professores de bateria: Jayme Pladeval, Betinho Gonçalves, Pepa D’Elia, Lilian Carmona e Zé Eduardo Nazário.
06) RM: Quantos álbuns autorais lançados? O conceito de cada álbum? Cite alguns álbuns que participou tocando bateria ou percussões?
Fabio Bergamini: Nandri é meu primeiro álbum solo autoral. FICHA TÉCNICA: Nandri – Produção musical e arranjos: Fabio Bergamini e Rui Barossi. Músicos: Fabio Bergamini (percussões e bateria), Rui Barossi (contrabaixo), Rubinho Antunes (trompete), André Bordinhon (guitarra), Paula Mirhan (voz), Fábio Oliva (trombone) e Sidney Ferraz (piano). Músicos convidados: Mili Vizcaíno (voz), Ghatam Karthick e Sarvesh Karthick (percussões indianas), Taïs Reganelli (voz), Guto Lucena (saxofone), Pedro Carneiro Silva (piano), Gabriel Levy (acordeon) e Emilio Martins (percussão). Gravação, mixagem e masterização: Estúdio Rui Barossi. Arte/capa: João Mello. Fotos/divulgação: Dani Sandrini. Comunicação e mídias sociais: Luiza Bergamini. Assessoria de imprensa: Verbena Comunicação. Distribuição: Believe. Selo: Belic Music.
Antes disso, gravei com diversos artistas e grupos, entre eles os Madredeus, em Portugal, Flavia Bittencourt, no Maranhão, Taïs Reganelli, que hoje vive em Portugal, o pianista Marcelo Onofri, diversos CDs infantis e o concerto de Radamés Gnatalli com a sinfônica de Campinas – SP, entre outros. Um álbum que gosto muito, apesar de ser pouco conhecido, é do grupo Angu de Caroço, formado por grandes músicos com os quais estudei na Unicamp – SP.
07) RM: Você toca outro instrumento musical?
Fabio Bergamini: O universo da percussão é muito rico, em que a gente acaba experimentando uma infinidade de instrumentos, desde tambores de vários tipos, com várias técnicas, até instrumentos melódicos como o vibrafone e o hand pan. Toco também um pouco de violão, sobretudo nas aulas para crianças e um pouco de piano, que uso mais para compor e escrever músicas.
08) RM: Quais as principais técnicas que o Baterista deve se dedicar?
Fabio Bergamini: Acho que o ensino de bateria tem mudado nos últimos anos, ou ao menos, deveria. É claro que a técnica é importante, mas a música é muito mais, ou seja, uma visão muito focada nos estudos da técnica apenas, forma bateristas pouco musicais e muito técnicos, que as vezes ouvem pouco e querem aplicar esses estudos de forma mecânica e pouco musical. Entretanto, vejo muitos professores mudando e questionando esse tipo de metodologia, partindo da escuta e do estudo de um repertório diversificado, em que o instrumentista esteja à serviço da música e não do seu próprio ego. Portanto, um estudo equilibrado entre: os rudimentos, a percepção musical, a leitura, o fraseado, a improvisação, a criação musical, e sobretudo a cultura musical, conhecendo, transcrevendo e aprendendo com os grandes mestres da bateria mundial dentro dos mais diversos gêneros musicais, torna o músico mais completo, eficiente e musical.
09) RM: Quais os principais vícios técnicos ou falta de técnicas têm bateristas alunos e alguns profissionais?
Fabio Bergamini: Acho que o pior defeito que o músico pode ter (e podemos expandir isso ao ser humano de forma geral) é não escutar. Querer falar demais ou mostrar sua virtuosidade, sem ouvir o próximo, sem estar interagindo adequadamente com o grupo gera maus frutos. Às vezes é até uma insegurança, disfarçada pelo ego e pela vaidade, mas que atropela princípios básicos do ser humano, como o respeito, o acolhimento, a interação de forma equilibrada, a troca justa. E todos ganham.
10) RM: Quais são os Bateristas que você admira?
Fabio Bergamini: Sempre brinco que o “melhor do mundo” para mim é meu amigo Cleber Almeida (digo “brinco” porque não existe melhor do mundo). É o baterista mais musical que já vi, sempre me emociono com ele tocando. Mas, claro, há uma infinidade de nomes que poderia citar. No Brasil: Márcio Bahia (que foi tema de meu mestrado), Nenê, Airto Moreira, Edison Machado, Luciano Perrone, Milton Banana, Robertinho Silva, Paulo Braga, Edu Ribeiro, Rodrigo Banha, Ramon Montagner, Celso Almeida, Zé Nazário, Carlos Bala, Lincoln Cheib, Guilherme Marques, Douglas Alonso e tantos outros nomes que certamente estou esquecendo aqui. E tem uma nova geração que vem quebrando tudo por aí, como Cainã Mendonça ou Tommy Coelho. Gosto muito também de ouvir os bateristas de jazz mais atuais como Jack De Johnette, Brian Blade, Bill Stwart, Eric Harland, Ari Hoenig, Mark Giuliana, entre muitos outros.
11) RM: Existe uma indicação correta para escolher uma Bateria?
Fabio Bergamini: Hoje em dia, a qualidade das baterias em geral é muito boa. Acho que o critério principal pode ser o estilo de música que você mais toca, mas depende muito de seu gosto e sua sensibilidade, inclusive para escolher as medidas do instrumento, a pele que vai usar, o tipo de prato, de baqueta etc. Mas as marcas consagradas como Pearl, Yamaha, Gretsch, Ludwig, entre outras, são maravilhosas, assim como a Odery, que é nacional e tem um som lindo.
12) RM: Quais gêneros musicais que necessitam de uma bateria especifica?
Fabio Bergamini: Há alguns padrões que foram sendo construídos ao longo da história. Por exemplo, quando se toca jazz e música instrumental brasileira, a bateria geralmente tem algumas medidas especificas, como o bumbo de 18 polegadas, por exemplo, que foram consagradas ao longo do tempo, assim como peles porosas e pratos mais “moles”. Já a linguagem tradicional do rock, usa geralmente peles mais grossas, pratos mais “duros” e baquetas mais pesadas.
Entretanto, não acho que você deva sempre permanecer seguindo uma tradição. Acho importante conhecer a sonoridade de cada estilo, mas acho também importante você dialogar com a tradição, criando o seu jeito de tocar, com o set up que mais lhe agrada, explorando sonoridades, afinidades e técnicas que dão identidade à sua forma de tocar.
13) RM: Qual a marca de Bateria da sua preferência?
Fabio Bergamini: Eu uso Gretsch nos últimos anos, porque quando morei em Portugal e toquei com o grupo Madredeus tínhamos o patrocínio da distribuidora da marca lá em Lisboa. Mas acho que cada marca traz suas qualidades e características e varia muito de acordo com seu gosto. Já tive kits de praticamente todas as principais marcas e gosto muito da Pearl, Yamaha e da Odery por exemplo.
14) RM: Existe marca ideal para cada gênero musical ou é preferência pessoal?
Fabio Bergamini: Há características principais de cada marca e de cada instrumento. Depende mais do som que o músico quer extrair do instrumento do que da marca em si. Acredito que trabalhando sua sonoridade como instrumentista, você consiga extrair bom som da maioria dos instrumentos, claro, se estiver com boas peles e boa afinação. Ou seja, o som está mais no instrumentista do que no instrumento.
15) RM: Quais os prós e contras de ser professor de Bateria?
Fabio Bergamini: Ensinar é maravilhoso. Quando você dá aulas, você aprende cada vez mais, e você tem a oportunidade de compartilhar com o outro tudo que conseguiu desenvolver ao longo de sua trajetória. É um momento de doação, mas que traz muitos ganhos em diversos aspectos, desde se manter estudando e pesquisando até aspectos humanos em poder contribuir com o mundo, compartilhando o que você tem de melhor.
16) RM: Existe o Dom musical? Qual seu conceito de Dom?
Fabio Bergamini: A música é uma das atividades mais complexas que o ser humano faz. Existem múltiplas inteligências envolvidas no fazer musical, portanto todos temos facilidades e dificuldades. Por exemplo, algumas pessoas têm facilidade motora, mas tem dificuldade com percepção; outros cantam bem, mas não têm facilidade com ritmo; alguns conseguem entender, analisar, ler, mas não sabem dançar, e assim por diante.
Portanto, não acredito nessa separação entre quem tem talento e quem não tem. Quando fui à Moçambique, o que mais me chamou atenção na comunidade Xop, na zona da mata de Maputo, foi que todos que estavam lá tocavam, cantavam, dançavam e se expressavam através da música. Essa separação entre músico e plateia não existia, isso é uma construção que se deu com a música erudita europeia, e essa divisão entre talentosos e não-talentosos é muito prejudicial. Acredito que todos os seres humanos possam fazer música, com os aparatos que temos em mãos, usando de nossas facilidades e desenvolvendo a área que temos mais dificuldades.
17) RM: Quais os prós e contras de ser baterista freelancer acompanhando artista ou grupo?
Fabio Bergamini: Acho que a maior dificuldade é a instabilidade financeira. Entretanto, se você consegue um número suficiente de trabalhos, você consegue equilibrar essa questão. Acho interessante tocar com artistas e bandas, mas acho igualmente importante você criar seu grupo e um trabalho artístico que te represente da melhor maneira. Mas claro, isso depende muito do seu perfil como músico.
18) RM: Quais os prós e contras de ser músico de estúdio de gravação?
Fabio Bergamini: A produção musical é uma das principais áreas de atuação na música, assim como os shows e a área da educação. Gravar é fundamental, mesmo que não seja sua principal atividade. Entretanto, há músicos que se especializam em gravar com artistas mais comerciais ou música para propaganda, que é uma área bem remunerada. Contudo, no Brasil, com raras exceções, acabamos atuando em diversas áreas. Penso que a maioria dos músicos que conheço atuam profissionalmente dando aulas, fazendo shows e gravando com pessoas diversas.
19) RM: Quais grupos você que já participou?
Fabio Bergamini: Participei de muitos grupos, mas talvez a experiência mais marcante tenha sido tocar por dois anos com o Madredeus, em Portugal. A estrutura e o profissionalismo que vivenciei por lá foi incrível, fora a experiência musical de tocar com músicos de várias partes do mundo.
20) RM: Quais principais dificuldades de relacionamento que enfrentou em grupos?
Fabio Bergamini: Acho que a principal dificuldade seja lidar com o ego e a vaidade. Quando a pessoa quer impor sua vontade à força, sem ouvir o outro. Acho que os grupos musicais são um reflexo da sociedade, tanto em seus aspectos negativos, com os atritos e tensões, como em seus aspectos positivos, sendo um ideal de convivência quando conseguimos colocar a nossa voz e ao mesmo ouvir ao grupo soando de forma equilibrada. Uma orquestra ou um grupo tocando é sim um símbolo, um modelo ideal de sociedade, em que a diversidade de vozes pode conviver em harmonia.
21) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira?
Fabio Bergamini: Acho que vivemos um momento muito especial que facilitou imensamente a carreira do músico. Hoje você pode gravar seu disco em casa e divulgar seu trabalho do seu quarto através do Instagram, Spotify ou Youtube. Acho uma maravilha essa transformação que temos vivenciado no mercado musical. Mas claro, há muita coisa a ser ajustada, como a questão da remuneração, dos direitos autorais, entre outros.
22) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Fabio Bergamini: Não vejo desvantagens, acho que foi um dos maiores ganhos para os músicos nos últimos tempos. Eu, por exemplo, iniciei a gravação do meu álbum, produzindo tudo da minha casa, mandei para meus amigos, em vários países, eles me devolviam com suas gravações. Daí, só mixamos e masterizamos em São Paulo no estúdio do querido Rui Barossi, que esteve comigo na produção musical. Fui para o estúdio também para gravar a bateria com mais qualidade, mas aproveitei essa grande oportunidade das novas tecnologias para produzir de dentro de casa.
23) RM: Como você analisa o cenário da música instrumental no Brasil. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Fabio Bergamini: O Brasil em geral é um celeiro de grandes músicos. Tenho muita esperança nessa nova geração. Meu filho está estudando na EMESP – Escola de Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim e tenho visto muitos jovens tocando muito bem, por isso acredito que a música instrumental brasileira se renova e tem belo futuro pela frente. A música instrumental não está nas principais grandes mídias, porém se mantém viva através de seus grandes músicos. Um dos projetos mais bonitos que vi ultimamente é a Orquestra Mundana Refugi, que reúne músicos de vários países que moram em São Paulo. Tenho participado também da Magnifica Orquestra de Músicas do Mundo do maestro Gabriel Levy, que é outro projeto lindo que retrata a diversidade musical presente em São Paulo.
24) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical?
Fabio Bergamini: Acho que as histórias mais inusitadas ocorreram no período em que estive na Índia. Lá, até atravessar a rua é uma aventura. Várias vezes estava dando aulas na Universidade e de repente entrava uma vaca na sala de aula. Pelo menos, foi o único lugar na vida em que eu era bom de futebol. Os alunos queriam jogar todo dia após as aulas, mas as partidas mais pareciam um filme d’Os Trapalhões. Uma vez fomos tocar num café e, para começar, tínhamos que desviar de um elefante que ficava na calçada para passar com as coisas. Fiz o show com a caixa da bateria apoiada numa espécie de engradado de cerveja e o prato pendurado num pedestal de microfone. Saindo de lá, já de madrugada, vimos um homem muito forte, sem camisa, pulando corda em cima de uma bicicleta no meio da estrada. Enfim, todo dia parecia um filme, passado numa realidade paralela. Dizem até que o secretário da faculdade pôs o nome do filho dele em minha homenagem, mas em vez de Fabio, o menino chama Fibio.
25) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Fabio Bergamini: Acho que os encontros com amigos e grandes músicos é o que me deixa mais feliz. Quando conseguimos criar e fazer som juntos. Outra coisa, é que gosto muito de estudar, pesquisar, conhecer novos instrumentos, conhecer novas músicas, novos ritmos. É um universo infinito de descobertas, e isso me deixa muito feliz e animado para continuar me desenvolvendo.
Fico triste quando vejo que isso não é valorizado, ou quando as pessoas ficam presas apenas ao que está na moda ou na mídia atual achando que é tudo que existe. Acho uma relação muito superficial e pobre com a música quando a pessoa a usa apenas para o entretenimento, e acho uma pena jovens e crianças não terem oportunidade de expandir sua visão de mundo pelo contato com as diversas músicas do Brasil e do mundo. Por isso temos também uma missão na educação das pessoas que não têm essa consciência. Sou um defensor ferrenho da inclusão da música no currículo escolar desde a primeira infância.
26) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Fabio Bergamini: Pratique muito, ouça muito e interaja com músicos de diversas idades e perfis.
27) RM: Quais os erros na metodologia do ensino musical?
Fabio Bergamini: Penso que é não entender a música em toda sua complexidade, não a compreender como esse tesouro que reflete o que somos, não a enxergar como essa belíssima expressão do ser humano nas mais diversas culturas do mundo. É não focar na beleza que há nas diversas formas de manifestação. O ensino estritamente técnico ou teórico não traz amplitude e profundidade que o universo musical pode trazer, assim como seus inúmeros benefícios emocionais, cognitivos, sociais, culturais. Não entender as diferentes linguagens musicais e não ver a beleza na diversidade de formas de expressão musical, limita o músico a ser um mero executante, sem uma maior consciência dos caminhos e benefícios que a música pode nos trazer para nossas vidas.
28) RM: Apresente seu método para o ensino de Bateria?
Fabio Bergamini: Não tenho um método fixo, pois acredito que temos que ter um olhar particular às necessidades, vontades e habilidades de cada estudante. Gosto da educação construtivista, entendendo também a realidade e a peculiaridade de cada aluno, dando suporte para que ele construa seu próprio caminho. Quando escrevi o livro didático do Projeto Guri, segui alguns pilares do educador inglês Keith Swanwick, que considero fundamentais na formação musical de qualquer pessoa: apreciação musical/percepção, música no corpo através do canto e do movimento, técnica, leitura, fraseado, criação, e cultura musical, pesquisando os diversos gêneros, artistas e instrumentistas do Brasil e do mundo. A partir disso, construir um caminho que o aluno queira seguir, seguindo sua essência e sua personalidade.
29) RM: Como surgiu o conceito que Bateria e o Baixo trabalham juntos? Já caiu em desuso esse conceito?
Fabio Bergamini: Em algumas linguagens existe essa interação mais delineada, como o FUNK, o rock, o pop ou até mesmo o Jazz. Entretanto é uma visão muito limitada dentro das possibilidades que ambos os instrumentos podem alcançar. Outra coisa importante é que a bateria não interage apenas com o baixo, mas sim com todos os instrumentos e, sobretudo, com a melodia da música em questão. As interações durante as improvisações fazem com que o instrumento ganhe uma dimensão não apenas de segurar um ritmo de base, mas de uma relação dinâmica e viva que dialoga de forma ativa com os outros instrumentos.
30) RM: Quais os seus projetos futuros?
Fabio Bergamini: Estou lançando em 2022 o álbum Nandri e pretendo, em 2023, fazer concertos no Brasil e, quem sabe, mundo afora. Também estou com o projeto da Escola dos 7 Portões em que criamos eventos culturais e terapêuticos em um espaço magnífico que fica na Castello Branco, km 54b. https://www.instagram.com/escolados7portoes
31) RM: Quais os seus contatos para os fãs?
Fabio Bergamini: https://www.escolados7portoes.com.br | https://www.instagram.com/escolados7portoes
| https://www.instagram.com/fabiobergaminimusic
Canal: https://www.youtube.com/@FabioBergaminiMusic
Rasikapriya, com Fabio Bergamini Ensemble: https://www.youtube.com/watch?v=16JTlRdon5A
Playlist de participações: https://www.youtube.com/watch?v=vXQEkrvxd2Y&list=PLeUSXiNjAwOhAiwguUsa7LtKSpdOEuJ3b