Zé Brown é embolador, rapper e compositor. Nascido no bairro de Casa Amarela quando esse era considerado o mais populoso de Recife.
Ele apresenta um trabalho que faz referencia a diversas experiências que teve no decorrer da sua vida: sons, ritmos, tradições que o influenciaram, amizades que cultivou, parcerias que desenvolveu. Isso desde a década de 90 quando começou a se apresentar como MC. De lá pra cá, Zé Brown se faz conhecer em todo país participando de grandes festivais como o Recbeat, a Virada Cultural de São Paulo, o Red Bull Funk-se Tour, o Festival de Inverno de Garanhuns e se apresentando nas periferias dos grandes centros urbanos, berço do Hip-Hop no Brasil.
O seu trabalho é uma síntese das tradições regionais como o repente, a embolada, o aboio permeados por formas de expressão mais recentes, mas nem por isso menos enraizada no panorama musical contemporâneo, como rap, beat, break, soul, funk, rock…
O CD – Repente, Rap, Repente, é o fruto dessa trajetória inusitada, baseado num conceito totalmente aberto, com a produção musical visionária de Skowa e Janja Gomes e com participações especiais de Castanha, Rappin Hood, Swami Jr e Zeca Baleiro.
No palco o trabalho de Zé Brown ganhou mais parceiros: Skowa na direção musical e no palco com o SKW Trio para segurar o ritmo, Janja Gomes no violão e samples pela turma paulista. Conta também com a histórica turma do Recife: DJ Beto nos scratches, Samuel Negão nos couros e percussão,
Zé Brown, além desse trabalho artístico, montou um projeto social na sua própria “quebrada”, no Alto José do Pinho (bairro criado a partir do desmembramento do Casa Amarela). Ali ele oferece através da arte que meninos e meninas a oportunidade de ter no RAP, na música, uma alternativa ao crime e às drogas.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Zé Brown para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 01.08.2011:
01) RitmoMelodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Zé Brown: Nasci dia 18.10.1974 em Recife – PE.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Zé Brown: O contato com a música começou dançando o break. E depois com a cultura hip-hop. Mas sempre ouvi música, principalmente nordestina. Envolvi-me com o RAP em 1988 quando ouvi a coletânea Cultura de Rua.
03) RM: Qual a sua formação musical e acadêmica fora música?
Zé Brown: Minha formação musical é dentro da vivência com o RAP e o Repente. E acadêmica foi com as capacitações que realizei como arte-educador nas instituições: Instituto Vida e o Grupo de Apoio Mútuo Pé no Chão. E com muito esforço conclui o segundo grau (nunca tive incentivo em casa para estudar).
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente? quais deixaram de ter importância?
Zé Brown: No passado foram o Forró, Coco de Embolada, Repente de Viola, Brega Antigo, Maracatú de Baque Virado, Maracatú de Baque Solto, Aboio, Frevo. No presente são: RAP, Reggae, Manguebeat, Jazz, Break beat. Graças a meu bom gosto nenhuma delas deixou de ter importância, meu laboratório são minhas influências.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musica?
Zé Brown: Em 1991 na minha comunidade: Alto José do Pinho (zona norte de Recife). Ali foi o início de tudo. Através do Break e do Hip-Hop conheci e entendi a musicalidade.
06) RM: Fale dos seus CDs (quais os músicos que participaram nas gravações)? Qual o perfil musical de cada CD? E quais as músicas que se destacaram em cada CD?
Zé Brown: Com minha banda Faces do Subúrbio foram 4 álbuns: Faces do Subúrbio (independente). Faces do Subúrbio (mza-polygram). Faces do Subúrbio – É triste de olhar (mza-universal). Esse teve a indicação ao Grammy Latino na categoria rap-hip-hop. Faces do Subúrbio – Perito em Rima (independente). E estou lançando meu primeiro CD – Repente Rap Repente, esse vem com a produção musical de Skowa (Skowa e a Máfia) e Janja Gomes. E com a participação de Luana minha filha, João Parahyba, Castanha, Zeca Baleiro, Swami JR, Rappin Hood, meus alunos de rima e de break: Marcos Mathias e Gilmar Bola 08 (Nação Zumbi). O perfil dos CDs do Faces do Subúrbio é o Rap com banda e influência da musicalidade nordestina. Em cada CD as músicas são de protesto contra os problemas sociais e com o peso da guitarra e mais dançante também. Já o CD – Repente Rap Repente o perfil é o próprio Zé Brown que é a mistura do Rap com a Embolada seguindo e cumprindo as modalidades que a embolada tem, exemplo: a cabeçalho, carreirão e o coco trava língua, numa musicalidade mais orgânica.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Zé Brown: Rap e Repente (Rap do nordeste).
08) RM: Como você se define como cantor/intérprete?
Zé Brown: Rimador e intérprete.
09) RM: Você estudou técnica vocal?
Zé Brown: Eu não tive oportunidade, se tivesse estudaria, gosto de desafios.
10) RM: Como você une e mistura o Repente ao RAP?
Zé Brown: Com naturalidade, pois quando comecei a rimar o RAP já desenvolvia a Embolada decorando as estrofes dos repentistas. Já estava no sangue a técnica da rima; Em cima de uma base de RAP faço Embolada e em cima da Embolada faço um RAP.
11) RM: Na sua opinião qual a diferença da rima entre o Repente e o RAP?
Zé Brown: O Repente segue uma regra que é a do desafio de acertar a rima de acordo com as palavras: o ritmo e melodia, meio de comunicação interessante, entretenimento, informação importante ou em cada instante ou adiante, no final de cada palavra dita vai combinar com a palavra interessante. Acertou a rima. O RAP não tem obrigação de acertar os términos das palavras. Tem rapper que rima assim: “o ritmo e melodia meio de comunicação interessante e assim sucessivamente se expande”. O final, ante não rima com ande, então na regra do Repente quebrou a rima se fosse numa peleja do RAP com o Repente. O RAP seria desclassificado.
12) RM: Como você une a Embolada de Coco com o Repetente?
Zé Brown: O Repente é tudo que feito de repente, mas aqui no nordeste é muito utilizado o improviso. O Repente se transformou em um ritmo como o Repente de Viola feito pelos os violeiros. A Embolada é uma espécie de Coco, como Coco de Roda, Coco de Sala, Coco de Praia. A Embolada é feita nos versos em compasso binário, sempre com duas pessoas. Eu uno estes dois ritmos (Coco e Embolada) no meu Rap por praticar muito a rima destes dois ritmos.
13) RM: Na sua opinião qual a diferença da Rima entre a Embolada de Coco e o Repente?
Zé Brown: Primeira diferença são os instrumentos. O Repente de Viola utiliza a viola e a Coco de Embolada utiliza o pandeiro. O Repente de Viola na sua interpretação segue a regra métrica na rima com mais freqüências da sextilha, decassílaba, o galope a beira mar. E os emboladores também seguem, mas não como os repentistas de viola. Os emboladores as rimas são mais em versos livres, principalmente no improviso.
14) RM: Você se considera mais um Embolador que um Repentista que toca pandeiro?
Zé Brown: Eu me formei embolador de coco. Faço shows com outros emboladores.
15) RM: Quais as suas referências no Pandeiro?
Zé Brown: Primeiramente o paraibano Jackson do Pandeiro, Marcos Suzano, e os emboladores daqui do nordeste que são muitos para citar aqui.
16) RM: Como você vê a repetição da temática nas letras do RAP?
Zé Brown: Acho que o RAP no Brasil tem que mudar a temática nas letras. Escuto vários CDs do RAP Nacional e por incrível que pareça só muda a batida, mas os assuntos são os mesmos. Torna-se cansativo ouvir os mesmos assuntos em suas estrofes. Respeito o RAP Nacional como respeito minha nação, mas sou muito sincero. Nas minhas pesquisas, alguns MC’s têm que se informar sobre seu próprio país.
17) RM: Quais os cantores e cantoras que você admira?
Zé Brown: Leci brandão, Mônica Feijó, Isaar, Elis Regina, Sandra de Sá, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Dona Selma do Coco, Aurinha do Coco, Dona Sila. E os cantores: Bezerra da Silva, Chico Buarque, Caetano Veloso, Lenine, Lula Queiroga, Marrom Brasileiro, Moreira da Silva, Arlindo Cruz, Marcelo Santana, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Josildo Sá, entre outros…
18) RM: Quem são seus parceiros musicais?
Zé Brown: Não tenho parceiros fixos nas letras e nas músicas. Mas quando há tempo e inspiração componho com Maggo MC, Josildo Sá.
19) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Zé Brown: Meu véi, a carreira independente é muito difícil na questão financeira, e muito importante na formação artística e de produção. Pois proporciona um aprendizado produtivo. Você pela a luta aprende ser empreendedor, produtor, um autodidata de verdade. Mas é muito dura a caminhada, se consegue pelo menos o respeito merecido. Estar sendo assim comigo e muitos que conheço que não “Cabrera” com a situação e não dar mole pra luta.
20) RM: Como você analisa o cenário musical brasileiro? Em sua opinião quem foram as revelações musicais nas duas últimas décadas? E quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Zé Brown: O cenário musical brasileiro é vasto. Tem trabalho que está no anonimato e que é muito bom. Mas nas últimas duas décadas tivemos muitas coisas boas e muitas ruins. Mas nos anos 90 o de melhor foi o surgimento do manguebeat (Chico Science e Nação Zumbi, Cascabulho, Mestre Ambrósio) em Recife – PE, o Planet Hemp, Racionais MC’s, Faces do Subúrbio, Rappin Hood e outros. Mas falar do cenário nacional é complicado. Eu queria que muito som de qualidade tivesse seu lugar merecido, mas na maioria das vezes não acontece. E o som sem qualidade está na grande mídia. Tem muitos trabalhos bons na cena independente que merecem “um lugar ao sol”.
21) RM: Quais os músicos já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Zé Brown: Skowa nos anos 80, Chico Science, Lenine, o Rapper Gog, X Câmbio Negro, Zeca Baleiro, Arnaldo Antunes.
22) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical?
Zé Brown: Várias vezes tocar com o equipamento de som sem qualidade (é de lascar). Mas uma situação me marcou. Foi um show em João Pessoa – PB, só teve um ingresso vendido, essa ficou na memória e de jeito maneira não sai ( Risos).
23) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Zé Brown: Mais feliz é ter saúde pra encarar o dia-dia “do trampo”. Ver o público ir aos shows e comprar o CD. E os produtores serem profissionais. O que me deixa mais triste são as fofocas, intrigas e invejas de outros músicos que não aguentam ver um subir de degrau. Já basta o sistema que a gente enfrenta. É só não baixar a cabeça e prosseguir, mais que fico triste, fico.
24) RM: Nos apresente a cena musical do Rap e outros gêneros musicais na cidade que você mora?
Zé Brown: No Hip-Hop em Recife-PE tem Sistema X, Dias Soul, MC Júnior, Júnior MC, Kbssa, Rota Black, Fator Zulu, Abestensão, Donas, Aliados CP, Raciocínio Suburbano, Banda Vírus, Loucos Rimadores, Extremistas MC’s, A Corja, Êxito de Rua, Banzay, Yabas, Guerreiros da Rua, MC Pooblay, B.bambo, Tiger, tem muitos… Da música tem Baião Polinário, Nzambi, Mônica Feijó, Josildo Sá, Eletric Orgânic, Maracatus, Banda Bongar, Os Maletas, Matalanamão, Devotos, Faces do Subúrbio, Pácua e Via Sat, A Roda, Orquestra Contemporânea de Olinda, Academia da Berlinda, Rabecado, Tonami Dub, Adiel Luna, Favela Reggae, Marcelo Santana, Nanica Papaya, B.u,gildo Brasafrica, JR Black, Auzonio e a Camada, Suburbanos.
25) RM: Quais os músicos ou/e bandas que você recomenda ouvir?
Zé Brown: Tem muitos, mas escutem Paulo Diniz, Racionais MC’s, Bob Marley, Devotos, Cajú e Castanha, Marcelo D2, B.Negão, Max B.O, Marechal, Dom Negrone, Nitro Di, Renegado, Tribo de Jah, Sambajah, Ponto de Equilíbrio, Natiruts, Lenine, Chico Buarque, Maria Rita, Vanessa da Mata, Céu e outros…
26) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Zé Brown: Pelo menos já toca em Recife em algumas FMs. E em muitas comunitárias pelo Brasil e nas bicicletas sonoras nas praias, feiras, ruas já toca sem jabá.
27) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Zé Brown: Que não é fácil, mas se acredita no seu talento procure estudar e se aprimorar. E procure parceiros de verdade se quer lançar uma música de qualidade, pois os obstáculos são vários e de várias formas, mas quando o respeito chega é a maior conquista.
28) RM: Quais os seus projetos futuros?
Zé Brown: Realizar um ponto de cultura com meu projeto “Zé Brown apresenta Talentos” que já tem 15 anos de atividades. Dar continuidade aos meus estudos com o RAP, a Embolada e o Repente. E colaborar com meu som e as minhas mensagens com o desenvolvimento da cultura Hip-Hop pra instruir e educar a população jovem do Brasil. E tirar da vista de muitos o maldito crack.
29) RM: Quais os seus contatos?
Zé Brown: (81) 98637 – 1149 – Recife-PE | (71) 3013 – 4783 – Salvador – BA | [email protected] | www.myspace.com/repentistazebrown