O potiguar Urbano Medeiros foi um menino prodígio, aos sete anos de idade já tocava saxofone soprano na Filarmônica de sua cidade.
Teve as primeiras lições de solfejo e prática instrumental com o seu pai maestro Bill Medeiros. Nesta idade já chamava a atenção do povo nas apresentações, por executar com perfeição choros difíceis como “Espinha de Bacalhau” e outros. Quando criança o que lhe marcou musicalmente pelo resto da vida foi uma apresentação do sanfoneiro Sivuca na sua cidade. Aos 17 anos foi considerado pelo Ministério da Cultura como o “maestro mais jovem do Brasil”, como regente da Filarmônica do Colégio estadual de Caicó – RN.
Aos 18 era primeiro saxofonista – solista da Filarmônica do BEC – Batalhão de Engenharia e Construção, em Caicó. E em São Gabriel da Cachoeira – AM. Ele morou por muitos anos em São Paulo onde trabalhou como músico, radialista, comunicador e arte-educador. Já passou por mais 4.800 cidades do Brasil e do mundo divulgando a cultura brasileira e aplicando a música com finalidades terapêuticas para pessoas com Câncer, H.I.V, doentes mentais, pessoas com depressão, jovens usuários de drogas.
Tem experiência com concertos, palestras, cursos e vivências com os índios Yanomamis e outros povos esquecidos e marginalizados. Já se apresento na Argentina, Itália, França, Suíça, Portugal, Sardenha, Lituânia, Ucrânia, Iraque, Afeganistão, Rússia, Egito, Israel, Líbano, Síria.
Gravou ao longo da carreira 18 discos, 4 vídeos, 3 DVDs e lançou dois livros. E cada nota que sai do meu instrumento tem uma missão: levar cultura e melhoria ao planeta terra, confessa Urbano.
Segue abaixo a entrevista exclusiva com Urbano Medeiros para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em julho de 2007:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua cidade de origem e data de nascimento?
Urbano Medeiros: Nasci no dia 31 de outubro de 1956 na cidade de São João do Sabugi, no Rio Grande do Norte.
02) RM: Como foi o seu primeiro contato com a música.
Urbano Medeiros: Foi em casa, pois sou de família de músicos. Papai (Bill Medeiros) era um ótimo músico (saxofonista). Sou judeu de tradição marrana. E em nossa família a arte é nossa respiração. Mamãe também cantava muito. Meus irmãos são todos ótimos músicos!
03) RM: Quais foram as suas primeiras influências musicais? Quais permaneceram e quais são as atuais?
Urbano Medeiros: Sem dúvida foi o som da banda de música de minha querida cidade. Tinha uma difusora na Praça que tocava muita música instrumental: Saraiva do sax-soprano, Noca do Acordeon, Dilermano Reis. Quando eu era pequeno me lembro de ter assistido um concerto de Sivuca no coreto da praça. Choro de emoção quando me lembro. Papai me colocou na cacunda (nas costas) durante todo o tempo. Aquilo me marcou pro resto da vida. Quero ser músico! Pensei.
04) RM: Qual a sua formação musical (teórica e prática)?
Urbano Medeiros: Estudei música quando era músico do Exército Nacional. Lá foi o meu contato com a música erudita. Mas toquei muito rock, blues, jazz. Toquei acompanhando cantores na noite. Orquestras e conjuntos de baile. Viajei muito. E sofri também. Ralei muito.
05) RM: Quando você iniciou a sua carreira musical?
Urbano Medeiros: Desde os oito anos de idade que eu vivo de música. Tocava muito em Circos. Era uma atração enorme. Aquele menino pobre se apresentando durante o espetáculo. O músico criava naquela época, ao vivo, os climas para o mágico, para o trapezista, para a bailarina, para as peças de teatro que encerravam toda noite a programação.
06) RM: Quais foram os primeiros obstáculos no início da carreira musical?
Urbano Medeiros: Penso que por causa de uma certa verdade e coerência que sempre busquei como músico. Eu sempre estive na contramão. Desde pequeno sempre estive contra a maré (risos). Mas sou muito feliz de não ser capitalista e mercenário! Um homem precisa ter atitude.
07) RM: Quais os fatos inusitados aconteceram no seu show?
Urbano Medeiros: Eu presenciei muitos casos de violência, tiros, facadas em bailes e comícios de políticos. Certa vez o nosso grupo estava tocando num sítio (zona rural) e tinha gente jogando merda de vaca nos músicos. A vida do músico é uma vida de muita luta. Muita gente não se toca nisso. Muitos pensam que uma carreira musical é sombra, água fresca e gozo.
08) RM: Quantos CDs lançados?
Urbano Medeiros: São vários. O primeiro chama-se “Orando com Efrém da Síria” – trabalho de pesquisa sobre este músico fantástico que viveu no Oriente Médio no ano 370 depois de Cristo. Aí vem “Sacro-Free”, “Da Palestina ao Seridó”, “Da Serra do Mulungú”, “Tocata para Thomas Merton”, “Theotókos”, “7 Improvisos” (com um músico genial, violonista mineiro chamado Caxi Rajão que tocou com Sivuca e tanta gente boa). O meu trabalho é de pesquisa. Eu tento fazer a “ponte” entre a região do Seridó, onde nasci e a Palestina onde estão minhas raízes que são fortíssimas. Também lancei “Solos para Inayat Khan”, “Sopro Bizantino”, “Yussef”, “Experimentar Deus através da Música”, “Sepharad”, “Sounds of Peace”, “Choros e Valsas”, e tantos outros que nem me lembro.
09) RM: Porque você optou pela música instrumental?
Urbano Medeiros: Optei por sentir que esta é a linguagem universal. Isso fortaleceu muito quando eu passei em vários países do mundo com problema de idioma, etc. Mas quando eu tocava o sax, a clarineta todo mundo me entendia. Fantástico, não é mesmo?
10) RM: E quando você começou a direcionar o seu trabalho para musicoterapia?
Urbano Medeiros: A coisa foi brotando naturalmente. Até mesmo pelo fato de eu sempre ter problemas de saúde, desde pequeno. Comecei aplicá-la em mim. Depois as pessoas foram solicitando que eu tocasse para aidéticos, cancerosos, pessoas com depressão. Faço isso de uma forma muito livre, voluntária. É sempre bom levar a paz para as pessoas, é o que penso e faço.
11) RM: Quais os benefícios e a importância da musicoterapia?
Urbano Medeiros: Os melhores possíveis. A coisa vem de longe. Veja, a Bíblia conta que David tocava para Saul que tinha problemas mentais e este se acalmava. Muitos povos na antiguidade já usavam a artes dos sons como tratamento para saúde.
12) RM: Qual a resistência, desconhecimento e descrença das pessoas com a eficácia no tratamento de males da saúde através do uso da musicoterapia?
Urbano Medeiros: Existe uma ignorância enorme. As pessoas em geral não gostam de ler coisas profundas e sérias. A maioria das pessoas vive imersa na mediocridade. Perde-se muito tempo com programas de TV que não acrescentam nada de útil a nossa vida. E isso ocorre até mesmo, infelizmente, no nosso meio musical. Tem muito músico sem boa formação cultural.
13) RM: Qual a resistência, desconhecimento e descrença do mercado musical para a produção musical focada na musicoterapia?
Urbano Medeiros: Somos marginalizados. Uma ou outra gravadora – raras! – que se interessam. No capitalismo, meu amigo, o que vale é o retorno financeiro fácil e rápido. A mídia Joga porcaria (obra de artista descartável) nos ouvidos do povo que com pouca formação educacional, cultural e musical digere essa arte duvidosa. Isso é muito triste, cara!
14) RM: Existe musicoterapia desvinculada da crença espiritual?
Urbano Medeiros: Existe sim. Somente científica. E tem o seu valor, é claro!
15) RM: Relate casos em que seu trabalho em que a musicoterapia curou ou trouxe paz e melhora efetiva para enfermo?
Urbano Medeiros: Na minha vida são muitos os testemunhos. Lembro-me que estava na Europa e fui tocar numa casa que havia uma moça que tinha tentado suicídio várias vezes. Ela não saia do quarto. Eu toquei para ela, “manipulando cada nota” para que ela melhorasse e foi uma bênção. Na terceira música ela espontaneamente saiu do quarto e veio toda feliz para sala. Todo mundo chorava de emoção. A música tem um poder grandíssimo. Claro que aquilo foi só um empurrão. Depois ela fez um tratamento e hoje está ótima, graças a Deus!
16) RM: Fale sobre sua atuação como agitador cultural na sua cidade?
Urbano Medeiros: Acontece tudo dentro do limite de se viver no interior em Pará de Minas – MG. Eu dou palestras, concertos em escolas tentando criar este gosto pela música boa. Música de verdade. Incrível como o brasileiro não conhece a riqueza musical que nós temos. Também tenho um programa na Rádio Espacial FM, aos domingos. Só toco o que merece ser tocado. E você não imagina quantos jovens que já se tornaram músicos por causa deste programa. Faz um bem muito legal! Agora é tudo na base de muito suor, de muita luta e até de lágrimas, muitas vezes!
17) RM: Fale da sua experiência em tocar nas feiras livres no nordeste.
Urbano Medeiros: Toquei muito nas feiras de São João do Sabugi, Caicó, Ipueira e em tantos lugares também em cidades da Paraíba. Eu era e ainda sou (risos) muito pobre e tinha que ajudar aos meus pais na criação dos outros irmãos. Somos sete filhos. Eu sou o mais velho. Mas eu fazia também com uma consciência de estar levando cultura e arte para o povo. Já pensou, rapaz, eu criança já tinha isso na cabeça? Cultura, cultura, cultura… Arte, arte, arte…
18) RM: Sua música traz paz, tranqüilidade e harmonia. E quais as sensações que ela passa para você na hora da criação e quando se apresenta?
Urbano Medeiros: Eu sempre componho, toco e gravo em estado de meditação e prece. Eu me sinto muito bem. Claro que é uma coisa muito dolorida às vezes. Já gravei com filho enfermo em casa. Mas Deus sabe de tudo.
19) RM: Quais os prós e contras de desenvolver a sua carreira na cena musical independente?
Urbano Medeiros: Difícil, irmão! Pra você ter uma ideia. Não estou na tal grande mídia. Dia desses pedi a editora de uma revista de São Paulo (Sax e Metais) uma “colher de chá”, coisinha pequena, simples, um “tijolinho”. Ela não teve nem a educação de me responder: “Cachorro, aqui só tem lugar para outros”. Também não compro mais esta revista! A gente precisa de dignidade e consciência. Como dizia meu amado pai: “vergonha na cara, semancol e desconfiômetro não fazem mal a ninguém!”. Mestre Bill, grande sábio!
20) RM: O que mais lhe deixa feliz e triste na carreira musical?
Urbano Medeiros: Incomoda a falta de valorização, principalmente aqui no Brasil. Rapaz, o músico é um sacerdote! Não se esqueça disso nunca. A satisfação: levar a felicidade e a paz para os outros. São Francisco de Assis dizia: ´”É dando que se recebe”.
21) RM: Você já pensou em fazer canções (música com letra)?
Urbano Medeiros: Já fiz várias, mas penso que minha praia mesmo é ser instrumentista. Nasci para tocar, tocar, improvisar, arranjar. Cada um tem o seu chamado, a sua vocação e a gente precisam respeitar o limite que todos nós temos. Repito: todos!
22) RM: O que você faria de benefício para o mercado musical se você fosse ministro da cultura?
Urbano Medeiros: Valorizar mais e mais a arte popular. Exemplo: os músicos das Filarmônicas do interior sofrem muito, viu? Instrumentos péssimos, colados com chicletes, falta de espaço até mesmo para ensaiar. Em Caicó – RN a banda Municipal não tem uma sede. Isso é uma verrrrrrrrrrrrgonha, moço! Andando pelo Brasil conheci sedes de bandas que não tinha nem um sanitário. Isso é doloroso para nossa cultura musical.
23) RM: Como você analisa a falta de união entre os músicos, um fato comum na maioria dos gêneros musicais e gerações?
Urbano Medeiros: Falta muito este respeito mútuo. São uns comendo os outros. No sentido de derrubar, de pisar no pescoço para subir a qualquer preço. Sinceramente, eu não faço parte disso. Estou em outra, meu compadre! Com muito orgulho: em outra.
24) RM: Que atitude você mais condena na profissão de músico?
Urbano Medeiros: Os músicos têm que trabalhar o ego. A humildade, sinceridade e despojamento nunca fizeram mal a ninguém.
25) RM: Quais os projetos futuros?
Urbano Medeiros: Quero continuar lutando pela boa música. Quero ser um canal do Bem e do Belo por meio dos meus sons. Eu não trabalho para mim. A Causa é bem maior… Continuo com minhas pesquisas vinte a e quatro horas sem cessar. Agradeço de coração a você, Antonio, pelo mar- de- chá que você está dando a Música. Parabéns. Muitas bênçãos para você e seus trabalhos!
26) RM: Urbano Medeiros, Quais os seus contatos?
Urbano Medeiros: www.urbanomedeiros.com | [email protected]