More Thales Martinez »"/>More Thales Martinez »" /> Thales Martinez - Revista Ritmo Melodia
Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.

Thales Martinez

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O mineiro Thales Martinez, letrista com quase duas décadas de atuação, iniciou ainda na infância seu vínculo com a linguagem. Brincava de formar palavras com letras de plástico e dedicava horas a consultar dicionários, movido pela curiosidade diante do desconhecido. Esse interesse precoce pelas palavras viria a moldar seu caminho na escrita.

Ao longo dos anos, estabeleceu parcerias com diversos compositores e intérpretes da música brasileira, entre eles Felipe Bedetti, Chico Lobo, Simone Guimarães, Zebeto Corrêa e Irineu de Palmira. Letras de sua autoria foram apresentadas em discos, shows e festivais.

Geógrafo de formação e residente em Belo Horizonte – MG, Thales tem um processo criativo que não parte de temas definidos, mas do que observa, lê, sente e acredita. Seu trabalho busca uma escrita que seja precisa e significativa, guiada pela escuta do mundo e pela necessidade interna de dar forma ao que o move.

Segue abaixo entrevista exclusiva com para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 28/07/2025:

01) RM: Qual a sua data de nascimento e sua cidade natal?

Thales Martinez: Nasci no dia 20 de outubro — o dia do poeta — no já longínquo ano de 1986, em Belo Horizonte – MG.

02) RM: Quais as suas preferências musicais? Quais deixaram de ter importância?

Thales Martinez: Minha escuta sempre girou em torno da canção brasileira. Cresci ouvindo artistas como Chico Buarque, Maria Bethânia, Gal Costa, Dori Caymmi, Ivan Lins, Caetano Veloso, Edu Lobo, Nana Caymmi, Boca Livre, Geraldo Azevedo e muitos outros que, de alguma forma, moldaram minha sensibilidade.

Alguns nomes já não me seduzem como em outros tempos, mas prefiro enaltecer aqueles que continuam presentes na minha relação com a música, sustentando ao longo do tempo a mesma relevância e encantamento.

03) RM: Qual a sua formação acadêmica?

Thales Martinez: Sou professor de Geografia, formado pela UFMG.

04) RM: Como e quando você começou a sua atividade de letrista em parceria com compositores? Quais são os seus parceiros musicais?

Thales Martinez: Quando concluí o Ensino Médio, não fazia ideia do que faria da vida, então me matriculei num curso pré-vestibular. Foi lá que tive aulas com Caio Junqueira Maciel, poeta que por vezes mencionava sua parceria com Zebeto Corrêa.

Certa vez, numa ocasião absolutamente aleatória, conheci Zebeto e me atrevi a escrever-lhe um e-mail, no qual mostrei um poema ainda muito pueril que havia escrito. Assim tornei-me letrista — num gesto quase ingênuo, mas que impactou minha vida de forma definitiva. Inclusive, quase vinte anos após nossa primeira parceria, fiz questão de agradecê-lo por sua generosidade comigo quando eu ainda dava os primeiros passos no ofício.

Hoje tenho parcerias com algumas dezenas de compositores, como Zebeto Corrêa (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/zebeto-correa), Felipe Bedetti (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/felipe-bedetti), Simone Guimarães (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/simone-guimaraes),  Irineu de Palmira (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/irineu-de-palmira), Lula Barbosa (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/lula-barbosa), Sonekka (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/sonekka), Lucina (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/lucina), Marcos Catarina (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/marcos-catarina), Tavinho Limma (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/tavinho-limma), Rodrigo Delage (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/rodrigo-delage), Wilson Dias (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/wilson-dias), Marília Abduani (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/marilia-abduani),  Nelson Angelo (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/nelson-angelo),  Zé Luiz Rodovalho (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/ze-rodovalho), Zé Alexanddre (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/ze-alexanddre), Lu Toledo (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/lu-toledo), Cecília Barreto, Gereba (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/gereba), Marcelo Melo (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/marcelo-melo), Juçara Freire (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/jucara-freire), Marinho San, Artur Araújo, André Fernandes, Marcelo Kamargo, Marcos Assumpção, Ladston do Nascimento, Toninho Camargos, Ronaldo Barcellos, Eudes Fraga, Pedro Hoisel, Luiz Bira, Zé Miguel, Chico Lobo, Nosly Marinho, Patrick Monnerat, Telma Tavares, Pedro Mafra, entre outros. Atualmente, tenho conversado com Tavinho Moura a respeito da criação de canções.

05) RM: Você escolhe sistematicamente quem será o seu parceiro musical ou deixa acontecer espontaneamente?

Thales Martinez: Muitos dos artistas que mencionei tornaram-se parceiros por iniciativa minha — fui ao encontro deles movido pela admiração e pelo desejo sincero de criar algo em conjunto. Tenho imenso carinho e gratidão por todos. No entanto, a continuidade da parceria acontece de forma muito espontânea. Cada um tem seu tempo, seu ciclo criativo, sua travessia pessoal. Não gosto de forçar situações; prefiro que a canção surja quando houver motivo real, quando o encontro se justificar pela amizade ou por algum sentimento compartilhado.

06) RM: No processo da parceria na criação da canção, você envia a letra/poema para o compositor para ele colocar a melodia? Você coloca letra em melodia que o compositor envia para você?

Thales Martinez: Em geral, escrevo primeiro a letra e a entrego ao parceiro, que então se encarrega de vesti-la com a melodia. Mas o processo inverso também ocorre com alguma frequência: recebo a música pronta e, a partir dela, construo o texto. Gosto de transitar entre essas duas formas.

07) RM: Você permite o compositor alterar a sua letra?

Thales Martinez: A parceria nasce do diálogo. Como não canto, a música necessariamente ganhará vida na voz do parceiro — é ele quem vai interpretar, sentir e dar corpo à canção. Por isso, tem total liberdade para ajustar aquilo que julgar pertinente. Confio no encontro e na escuta mútua como parte essencial do processo criativo.

Além disso, também tenho o hábito de trabalhar com outros letristas. Simone Guimarães, Marília Abduani, Zé Luiz Rodovalho, Patrick Monnerat e Lucia Carvalho são autores com quem compartilho a escrita, especialmente quando não consigo dar sequência a alguma ideia. Esse trabalho a quatro mãos me ajuda a reencontrar caminhos e ampliar o olhar poético.

08) RM: Cite as principais canções que você é o autor da letra e quem já gravou?

Thales Martinez: “Mais um entre tantos” – parceria com Rodrigo Delage, gravada por ele em dueto com João Araújo. “O que está por vir” – parceria com Marcos Assumpção, gravada por ele. “Parceria” – parceria com Zebeto Corrêa, gravada por ele. “Ciranda de amar” – parceria com Patrick Monnerat e Zebeto Corrêa, gravada por Zebeto. “Rosa soberana” – parceria com Marcos Catarina, gravada por ele. “Elegia” – parceria com Cecília Barreto, gravada por Felipe Bedetti.

“Ofertório” – parceria com Lu Toledo, gravada por ela em dueto com Felipe Bedetti. “Reflexo” – parceria com Lu Toledo, gravada por ela. “Sina de poeta” – parceria com Felipe Bedetti, gravada por ele. “Seixo de luz” – parceria com Felipe Bedetti, gravada por ele. “Além do infinito” – parceria com Felipe Bedetti, gravada por ele com participação de Toninho Horta. “Em sonho” – parceria com Felipe Bedetti, gravada por ele. “Choro de Carnaval” – parceria com Felipe Bedetti, gravada por ele em dueto com Bárbara Barcellos.

“Barranqueira” – parceria com Adriano Diniz e Artur Araújo, gravada por Artur Araújo. “Em tom agreste” – parceria com Gereba, gravada por ele. “Certa toada” – parceria com Patrick Monnerat e Lula Barbosa, gravada por Carmen Queiroz. “Maria do manto” – parceria com Wilson Dias, gravada por ele em dueto com Mariah Carneiro. “Faca de talho” – parceria com Chico Lobo, gravada por ele. “Alma barroca” – parceria com Chico Lobo, gravada por ele em dueto com Renato Teixeira. “Seis fitas” – parceria com Chico Lobo, gravada por ele com participação do Trio Parada Dura.

09) RM: Alguns compositores já declaram o fim da canção. Qual a sua opinião sobre essa afirmação?

Thales Martinez: As canções refletem as percepções e os anseios de um povo em um determinado tempo histórico. São uma forma de expressão profundamente poderosa — e, por isso, seguem se reinventando. É evidente que a sociedade muda, o que transforma também os modos de produção, difusão e escuta da música. Mas a canção, como linguagem afetiva e artística, não tem fim. Enquanto houver alguém disposto a cantar, haverá canção.

10) RM: Hoje ainda existe espaço e ouvinte para música com letra que se sustenta como um poema/poesia?

Thales Martinez: Evidentemente que sim. Sempre que posso, assisto aos shows dos artistas que admiro e vejo que existe uma demanda muito grande por parte do público. No entanto, sou obrigado a concordar que os artistas que sempre estiveram afastados da mídia têm maior dificuldade. Nosso cancioneiro é muito rico, então uma parcela da população prefere recorrer às canções com as quais já desenvolveu uma memória afetiva.

11) RM: Na Rádio e na TV o autor da música quase não é informado. Quem canta passa a ser “o autor” da canção. Esse fato te incomoda?

Thales Martinez: Pessoalmente, não me incomoda que meu nome não seja citado, pois sou de natureza discreta e prefiro que a obra apareça mais do que eu. No entanto, entendo que os créditos precisam ser dados a quem de direito, sim. Sempre busquei saber quem eram os autores das canções que me tocavam, e essa busca foi essencial para que eu encontrasse um referencial criativo.

12) RM: Você tem músicas que tocaram e tocam em Rádio, TV e em casa de show? O direito autoral é pago corretamente?

Thales Martinez: Canções com letras de minha autoria já foram executadas em rádios e programas de televisão, ainda que pontualmente. Também sinto-me profundamente lisonjeado por saber que meus parceiros as levam ao palco em seus shows. No entanto, até hoje não me filiei a nenhuma instituição responsável pela gestão de direitos autorais, razão pela qual qualquer queixa de minha parte seria, no mínimo, leviana. Já conversei com parceiros como Irineu de Palmira, Simone Guimarães, Chico Lobo e Felipe Bedetti sobre o assunto e pretendo, em breve, providenciar minha filiação para fazer jus ao que me cabe.

13) RM: É possível sobreviver exclusivamente de direito autoral de suas músicas?

Thales Martinez: Para autores como Michael Sullivan e Paulo Massadas, que tiveram grande influência e emplacaram inúmeras canções de sucesso, certamente sim. Mas essa está longe de ser a realidade da imensa maioria dos autores. Sabemos que a distribuição de direitos autorais sempre foi precária, e a situação se agravou com o advento das plataformas digitais. No meu caso, tiro o sustento do meu trabalho como professor na rede estadual de Minas Gerais.

14) RM: Depois que você teve letras de canções que se tornaram conhecidas, aumentou a procura de compositores em busca de parceria?

Thales Martinez: Sim, meu nome já circula por alguns meios, o que naturalmente ampliou a procura por parcerias. Há alguns meses, Felipe Bedetti me convidou para assistir a uma apresentação de André Fernandes, que estava de passagem por Belo Horizonte. Após o show, trocamos contatos e combinamos iniciar uma parceria. Recentemente, ele me contou que já havia ouvido falar de mim pelas minhas composições com Zebeto Corrêa e com o próprio Felipe, e que inclusive tentou me encontrar pelas redes sociais, mas não conseguiu, já que não as utilizo. Aproveitando a vinda a BH, sugeriu ao Felipe que me chamasse para o show. Assim nos conhecemos e logo descobrimos afinidades muito interessantes.

15) RM: O que te deixa mais feliz e mais triste na função de letrista?

Thales Martinez: A criação de letras tem função terapêutica para mim. É extremamente prazeroso traduzir em palavras aquilo que sinto, que percebo. Melhor ainda é ter um retorno de alguém que conheceu uma determinada letra e que diz que se identificou com algo a que dei vida por meio da escrita.

A palavra, num sentido mais amplo, tem o poder de construir e destruir. É instrumento sagrado — e, por isso mesmo, perigoso. Com ela se abençoa e se fere, se funda e se corrompe. Tenho cada vez mais consciência dessa força e, por isso, escrevo com o cuidado de quem sabe que toda palavra deixa marca.

Acredito que a palavra, quando nasce de um impulso sincero, pode ser ponte entre mundos, consolo para quem escuta, abrigo para quem sente. Mas também pode ser ruído, veneno, ruína — se movida por ira, envaidecimento ou descuido. Tento, então, manter uma escuta aberta não apenas aos sons de fora, mas ao que pulsa no silêncio de dentro. É desse silêncio que emergem as palavras que, acredito, merecem existir. E é essa escuta que me ajuda a discernir o que vale ser dito e o que precisa ser calado.

Mais triste é saber que, apesar de ser parte fundamental da canção, a letra muitas vezes é tratada como acessório. Há uma certa banalização da palavra, como se ela não exigisse tempo, escuta e elaboração. Isso pode desestimular, sobretudo quem está começando.

16) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira profissional?

Thales Martinez: Sou movido muito mais pela paixão do que por estratégias propriamente ditas. Escrevo porque preciso, porque é da ordem do afeto, da respiração. No entanto, tenho buscado organizar melhor meu trabalho: manter contato frequente com parceiros e intérpretes que admiro. Tento equilibrar o impulso criativo com uma certa disciplina, para que a escrita continue pulsando com intensidade e constância.

17) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira?

Thales Martinez: Confesso que muito poucas. Meu foco sempre esteve mais voltado para o processo criativo do que para a estruturação de uma carreira. Escrevo porque preciso escrever, e as parcerias e gravações aconteceram, em sua maioria, de forma espontânea, pelo encontro com pessoas afins. Procuro ler muito e ouvir canções de autores diversos, buscando sempre ampliar meu repertório e minha compreensão da arte da escrita. Reconheço, no entanto, que cuidar dos aspectos práticos também é importante, e tenho buscado aprender mais sobre isso com os próprios parceiros.

18) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira?

Thales Martinez: A internet amplia o acesso a músicas, autores e estilos variados, o que enriquece meu repertório e inspira minha criação. Facilita também o contato com parceiros e a circulação do trabalho, ainda que eu não seja tão presente nesse meio. Por outro lado, pode favorecer um consumo rápido e superficial, dificultando que as canções sejam realmente apreciadas em sua profundidade e emoção.

19) RM: Como você analisa o cenário musical brasileiro? Em sua opinião, quem foram as revelações musicais nas duas últimas décadas, quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?

Thales Martinez: Apesar das mudanças nos modos de escuta e no mercado, muitos artistas mantêm viva a tradição da canção com profundidade e autenticidade. Nomes como Renato Braz e Mônica Salmaso se consolidaram definitivamente nesse período, aprofundando uma obra coerente e refinada. Chico Lobo também alcançou um patamar de reconhecimento que faz jus à sua trajetória — carismático, constante e fiel à sua linguagem, construiu um repertório expressivo e muito verdadeiro. Além deles, há artistas mais antigos que, embora produzam menos, permanecem como referências importantes no cenário musical.

Entre os artistas mais jovens, vejo com entusiasmo o trabalho de Felipe Bedetti, Artur Araújo, Breno Ruiz, Bárbara Barcellos e Luísa Lacerda, que enfrentam as dificuldades do meio com sensibilidade, integridade e apuro estético, construindo uma produção sólida e honesta.

Não me sinto à vontade para afirmar que determinado artista regrediu. A criação obedece a ciclos muito íntimos, ligados à vivência, ao tempo interno e às escolhas de cada um. Mais do que julgar caminhos, procuro respeitar o percurso de cada um, mesmo que em determinado momento eu perca a identificação com sua obra.

20) RM: Você acredita que as suas músicas tocarão nas rádios sem pagar o jabá?

Thales Martinez: Acredito que é possível, mas bastante improvável. O espaço nas rádios comerciais costuma ser restrito e, muitas vezes, condicionado a interesses que não contemplam canções com perfil mais artístico ou poético. Ainda assim, existem radialistas e emissoras comprometidos com a diversidade musical, que abrem espaço para esse tipo de produção. É nesses espaços mais ligados à curadoria do que ao mercado que vejo chance real de minhas músicas circularem.

21) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?

Thales Martinez: Não sou músico, mas, por razões óbvias, convivo com muitos. Penso ser necessária a disposição para ouvir o máximo possível dentro de um universo coerente, para criar referências sólidas, mas sem abrir mão da autenticidade. É importante estar atento ao que se faz, ao que já foi feito e, sobretudo, ao que se quer dizer. Além disso, o estudo e a prática constantes são fundamentais para que o artista se diferencie dos demais.

22) RM: Quais os prós e contras de Festival de Música?

Thales Martinez: Apesar de já ter tido diversas canções com letras minhas apresentadas em festivais, estive poucas vezes nesse tipo de evento, de modo que minha percepção talvez não seja totalmente fiel à realidade.

Percebo que os festivais movimentam bastante as cidades de porte menor, o que é ótimo, e dão vazão à produção de artistas com menor projeção. No entanto, noto que há, muitas vezes, uma valorização excessiva da teatralidade em detrimento da qualidade musical.

Além disso, entendo que os valores das ajudas de custo nem sempre cobrem as despesas com deslocamento, estadia e contratação de músicos de apoio. E, por fim, mesmo as premiações raramente oferecem uma projeção real para o artista, nem mesmo em nível local.

23) RM: Festivais de Música ainda têm a importância de revelar talentos?

Thales Martinez: Os festivais de música permitem que os artistas recebam um retorno do público e dos jurados sobre suas canções, o que lhes confere maior segurança para prosseguir em suas carreiras. Porém, como mencionei anteriormente, esses eventos dificilmente oferecem visibilidade real aos artistas.

24) RM: Como você analisa a cobertura feita pela mídia da cena musical brasileira?

Thales Martinez: A grande mídia concentra sua atenção em poucos nomes, o que dificulta que outros artistas tenham o destaque merecido. Há muitos que produzem canções que teriam capacidade de se tornar sucessos perenes, mas que ficam restritos às suas poucas audições no YouTube ou no Spotify.

25) RM: Bob Dylan ganhou o prêmio Nobel de Literatura em outubro de 2016. Será que este fato anima outros letristas a “sonharem” com prêmios na área de Literatura ou é um fato isolado?

Thales Martinez: A premiação de Bob Dylan teve um grande peso simbólico e abriu espaço para a valorização das letras de música como produto literário. Ainda assim, acredito que tenha sido um caso isolado, já que a trajetória do artista em questão é muito singular e repercute há muitas décadas em quase todo o globo.

26) RM: Os músicos americanos são conhecidos como grandes cantores, melodistas e arranjadores. Qual a sua opinião sobre a qualidade deles como letrista?

Thales Martinez: Os Estados Unidos são o terceiro país mais populoso do mundo, com uma formação étnica e cultural muito diversa, o que se reflete numa produção musical de altíssimo nível, naturalmente. Há grandes letristas por lá, sem dúvida. Mas admito que tenho uma imensa predileção pelos brasileiros. Sempre me encantei mais com as línguas neolatinas, especialmente o português, que oferece uma riqueza rítmica e poética incomparável.

27) RM: Nos apresente os livros que você já lançou?

Thales Martinez: Nenhum. E tampouco tenho planos de lançar. Primeiro, porque minha produção é voltada quase que inteiramente à canção. Segundo, porque tenho plena consciência de que um eventual livro meu não teria outro destino senão o esquecimento doméstico ou o exílio em alguma prateleira de livraria. Como disse Hilda Hilst, com extrema lucidez: “As pessoas cagam para os poetas”. E quem sou eu pra discordar?

28) RM: Qual a sua opinião sobre a função positiva do crítico musical?

Thales Martinez: A crítica musical, quando bem fundamentada, exerce funções importantes, como a de ampliar as escutas, contextualizar as obras e valorizar aspectos que passariam despercebidos de grande parte do público.

Para tanto, é essencial que o crítico se comprometa com a obra e não com seu próprio ego, ciente de que sua análise é também subjetiva e não pode ser encarada como uma sentença definitiva. Considero problemático quando a crítica se transforma num espetáculo de erudição vazia e passa a estabelecer hierarquias.

29) RM: Qual sua opinião sobre os livros ou sobre a análise do Luiz Tatit sobre a função da letra na música?

Thales Martinez: Apesar de ser um admirador profundo da obra musical do Luiz Tatit, reconheço que, por ironia, ainda não li nenhum de seus livros. Assisti a algumas de suas entrevistas e o achei muito lúcido em suas as colocações. Mas, por não ser um profundo conhecedor de seu trabalho acadêmico, prefiro não emitir comentários a esse respeito.

30) RM: Nietzsche comenta que a melodia (música) sem letra perturba a alma. O que você acha dessa afirmação?

Thales Martinez: Acho uma provocação interessante, como tudo — ou quase tudo — que vem de Nietzsche. Penso, no entanto, que depende muito da alma em questão. Há melodias que se sustentam sozinhas justamente por dizerem aquilo que as palavras seriam incapazes de exprimir. Ainda assim, confesso minha preferência pelas músicas com letra, afinal, meu ofício é a palavra.

31) RM: No tempo da Ditadura Militar no Brasil as letras que tinham engajamento político fizeram sucesso. Qual a importância de letras que não tratem só do tema Amor?

Thales Martinez: A canção é muito poderosa por ser consumida de forma passiva e por dialogar com os anseios de um povo. O Brasil viveu um período trevoso quando governado pelos militares, e as canções de protesto traziam à tona justamente o desejo pela liberdade subtraída.

O amor inevitavelmente será sempre abordado nas letras das canções, mas questões sociais, políticas, espirituais e existenciais também merecem espaço, pois fazem parte da vivência humana. A canção não precisa se restringir a um único tema; pode, com liberdade, transitar por todos os aspectos da vida.

32) RM: Qual a sua opinião sobre “as letras pra acasalamento” que tocam no rádio (FUNK, Sertanejo, Pagode, Forró, etc)?

Thales Martinez: O sexo é algo sublime, mas que só faz sentido para mim quando envolve entrega, respeito e cumplicidade. Há músicas que retratam a mulher como um objeto, um troféu, utilizando termos pejorativos. O homem, por sua vez, aparece como um ser animalesco, movido unicamente pelo instinto — o que reforça estereótipos empobrecidos e desumanizantes.

Tenho letras que abordam a sensualidade, mas com o cuidado de preservar o mistério, o afeto e a beleza do encontro. Com todo respeito às bundas — pelas quais tenho imenso apreço — o que mais me fascina é despir a alma de uma mulher: descobrir o que há por trás do olhar, do silêncio, da palavra. Acredito na beleza e na sacralidade do feminino, e vejo o corpo não como vitrine, mas como templo. A canção pode celebrar o prazer sem recorrer à vulgaridade.

33) RM: Renato Russo comentou que as letras que falam de amor sempre estarão na moda. Qual sua opinião a respeito dessa afirmação?

Thales Martinez: As pessoas procuram por canções que dialoguem com aquilo que elas sentem. Todos nós buscamos — cada um à sua maneira — alguma forma de afeto que nos ancore em meio ao vazio. Vivemos uma era de vínculos frágeis, em que os relacionamentos são frequentemente mediados por aplicativos que nos apresentam cardápios humanos, nos quais se escolhe, se experimenta e logo se descarta. Dentro dessa lógica perversa, a função do outro é reduzida à de preencher carências.

É justamente por isso que o amor se torna um ato de resistência. Resistência ao individualismo que nos isola, à pressa que nos impede de aprofundar laços, à lógica de consumo que transforma o afeto em produto. O amor exige tempo, escuta, presença e, sobretudo, respeito pela subjetividade do outro, o que contrasta com esse desejo de controle disfarçado de afeto.

Falo disso também com base no que vivi. Tenho minhas muitas falhas e faltas, mas busco estar inteiro onde escolho permanecer. Acredito no amor como presença que se constrói no cotidiano — com paciência, acolhimento e entrega. Entendo o amor como um processo de amadurecimento contínuo em que o tempo depura o afeto e revela o essencial. E é desse espaço repleto de encontros, rupturas e tentativas que nasce parte do que escrevo. O amor permeia a minha criação porque também permeia a minha vida, como acontece com praticamente todos os autores.

34) RM: Você acha que as pessoas no geral estão mais para aceitar as letras que buscam o entretenimento ou a divagação lírica do que proporcionar reflexões humanas e sociais profundas?

Thales Martinez: De uma forma geral, penso que o cotidiano é muito árido. Trabalhar, equilibrar as finanças, lidar com problemas práticos, enfrentar questões existenciais… Há momentos em que prefiro algo simples, como ler um gibi do Pato Donald, a encarar obras que exigem mais do meu intelecto. O mesmo acontece com a música, às vezes, tudo o que queremos é algo que nos distraia e alivie o peso do dia a dia — e isso é legítimo.

A canção tem, sem dúvida, a função de entreter e proporcionar um instante de esquecimento, um alívio para as tensões acumuladas. Mas ela não pode e nem deve se limitar a isso. Assim como a literatura, o cinema e o teatro, a música tem o poder de provocar, denunciar, consolar e iluminar zonas obscuras da experiência humana. A diferença é que a canção, por ser mais direta e acessível, pode alcançar até mesmo aqueles que, em outras linguagens, talvez não se deixassem envolver com tanta facilidade.

Vejo com bons olhos a coexistência dessas propostas. Há espaço para a canção que busca a leveza e o entretenimento, assim como para aquela que se dedica à divagação lírica ou à reflexão social profunda. O problema surge quando o raso se torna hegemônico — quando tudo é reduzido ao que é fácil, rápido e superficial. Nesse cenário, a reflexão se torna artigo raro, e o público, pouco a pouco, perde a sensibilidade para acolher o que exige maior atenção.

35) RM: Quais os seus projetos futuros?

Thales Martinez: Quero ampliar meu horizonte poético, estabelecer novas parcerias e, na medida do possível, fazer com que minhas palavras cheguem àqueles que estão dispostos a assimilá-las. Antes disso, tenho buscado me lapidar, rever crenças, escutar com mais atenção e cultivar outras formas de perceber o mundo e a mim mesmo. Acredito que esse processo de refinamento interior repercute diretamente no que escrevo. Nunca tive a pretensão de alcançar multidões; desejo exercer alguma boa influência sobre quem se depara com a minha obra — mesmo que esse público seja pequeno.

Tenho motivos para crer que minha relação com a palavra e com a música é de ordem espiritual. Há nisso algo que me ultrapassa, que me chama, que se entranha em mim com força. Escrever é uma forma de escuta interior, de conexão com o que me habita e com o que me transcende. Por isso me entristece ver tanta visibilidade sendo tratada com descuido. Há quem fale para milhões sem se importar com o que transmite. Eu prefiro oferecer o que tenho de mais verdadeiro a simplesmente ocupar espaços maiores sem agregar nada.

Também alimento alguns desejos concretos. Gostaria muito de realizar um projeto ao lado da Simone Guimarães, artista completa — que canta lindamente, cria melodias de rara beleza e escreve muito melhor do que eu — além de ser uma pessoa generosa e sensível. Já conversamos sobre essa possibilidade, mas, no momento, ela esbarra em questões financeiras. E, claro, sonho em ouvir minhas palavras na voz de intérpretes cujos trabalhos ajudaram a moldar meu senso estético. Sei das muitas dificuldades, mas sigo escrevendo com absoluto esmero e de forma condizente com o que sou e o que vislumbro, atento e aberto às possibilidades.

36) RM: Quais os seus contatos com o público?

Thales Martinez: (31) 97167 – 6799 | [email protected]

MARES DE MINAS (Irineu de Palmira e Thales Martinez): https://www.youtube.com/watch?v=p5aW41mlf9s

Ronaldo Barcellos – Lua Peregrina (Áudio Oficial): https://www.youtube.com/watch?v=Nf9to75fcOc

Felipe Bedetti e Zebeto Correa – ”Quatro Elementos”: https://www.youtube.com/watch?v=MJQBLS8W52Y

Além do Infinito – Felipe Bedetti: https://www.youtube.com/watch?v=2sTTsNpRh1M

Choro de Carnaval – Felipe Bedetti: https://www.youtube.com/watch?v=VAHM2DB_OsY

Alma Barroca – Chico Lobo: https://www.youtube.com/watch?v=XsPNoRZ6wEE

Seis Fitas – Chico Lobo: https://www.youtube.com/watch?v=BfIYZSe7XlU

Maria do Manto – Wilson Dias (part. Mariah Carneiro): https://www.youtube.com/watch?v=QSTY7KX8xcI

PORTA ENTREABERTA – Thales Martinez – Juçara Freire: https://www.youtube.com/watch?v=A-aOTBHyhGs


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  1. Entrevista muito boa e gostei da ponderação do artista ao mencionar que alguns nomes já não atraem como antes e sobre enaltecer aqueles que continuam presentes na relação dele com a música.

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