Quando conheci o trabalho do regueiro Solano Jacob, ele não fazia mais parte da banda Leões de Israel. O que me chamou atenção a primeira vista eram o seu discurso intelectualizado e a sua imagem: Uma mistura de profeta, teólogo e regueiro.
Assisti atentamente uma entrevista de vídeo que ele fez para propagar a sua visão sobre o reggae, rastafári e sociedade. Uma síntese em vídeo do conteúdo do seu livro A Fé e a Razão. Que eu li. Fui o ouvir o som. E ai saltou os olhos e ouvidos o amadurecimento musical e profissional. Um disco bem resolvido em letras, melodia e arranjos. Puro reggae, ragga e jamaicano até o osso, tutano e medula, feito por um brasileiro. O CD e o livro foram lançados simultaneamente em 2008. O que me chamou atenção nas 12 músicas do disco, e que seis são em inglês. O Solano é fluente no inglês. E os temas das letras em português dão uma pista da sua formação em biologia. Estes elementos foram me motivando a entrevistá-lo. Seu típico físico e postura no palco é um show a parte. Reforça a postura do Profeta – Teólogo.
Quando o conheci pessoalmente no seu estúdio no centro de São Paulo. Depois de duas horas de papo e de ler o seu livro fui compreendendo o arquétipo do Profeta – Teólogo – Regueiro. Ele tem convicção do que faz, pensa e age. Isso já foi o suficiente para ganhar o meu respeito. As suas convicções biológicas e de controle social me agradam mais que a concepção religiosa. A sua visão religiosa rastafári é mais ponderada que o conservadorismo dos rastafáris puritanos. Os puritanos saem da babilônia (cidade) para morar no campo. Vivem como um hippie religioso, mas não deixam de visitar a cidade para atender as suas necessidades e interesses. O Solano cultiva sua fé rastafári dentro da própria babilônia. Acho uma postura mais coerente. Ele tem uma visão realista do mercado reggae. Segundo ele, para o reggae feito no Brasil ser respeitado dentro e fora do país, tem que mostrar profissionalismo na criação, gravação, execução e distribuição. Esta visão, óbvia, arrepia os dreadlock (cabelos) dos rastafáris puritanos e regueiros relaxados. Música é Arte. E como tal obedece aos ditames da estética de uma obra de arte. O CD, o show são produtos e como tal obedecem aos ditames do mercado. Que não é o mesmo mercado da música descartável que não se sustentam como arte, mas só como fugaz entretenimento. Somando todas estas informações sobre a pessoa, o músico, o artista, o escritor e intelectual compreendi que Solano Jacob almeja ser uma referência no reggae nacional e sem modesta internacional. Eu aposto neste êxito. A saída da banda Leões de Israel fez muito bem pra ele.
O seu livro eu indico como leitura inicial para os jovens e adultos que ainda não tiveram contato com o pensamento de Marx, Nietzsche, Sartre, Machado de Assis, Michel Foucault, Pablo Neruda, Jorge Amado e Che Guevara. E não indico jamais para quem só leu a Bíblia. Os motivos vocês entenderão lendo a entrevista exclusiva com Solano Jacob para a www.ritmomelodia.mus.br , entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 01.07.2010:
01) Ritmo Melodia: Qual o seu nome de batismo, a sua data nascimento e a sua cidade natal?
Solano Jacob: Meu nome é Tiago Solano, nasci no dia 03 de abril de 1980 em São Bernardo do Campo – SP.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Solano Jacob: Minhas lembranças mais antigas se remetem à minha infância na cidade natal de meu pai e avós :Cássia dos Coqueiros – SP. Eu passava horas com o meu pai que também cantava e tocava, não profissionalmente, mas sempre com muito êxito, belas canções de moda de viola e cânticos religiosos. Minha mãe também é uma grande violonista e recordo-me dela cantando Chico Buarque, Geraldo Azevedo, Roberto Carlos, Beatles e muitos outros.
03) RM: Qual a sua formação musical? E sua formação acadêmica dentro ou fora da área musical?
Solano Jacob: Como músico, eu estudei teoria e violão na adolescência, mas houve uma ruptura por alguns anos. Mais tarde retomei um curso ministrado pela OMB (Ordem dos Músicos do Brasil). Trabalhei dois anos com Marcos Barbosa, pianista e professor da antiga Rastafári Mix e também tive aulas de canto por três anos, ministradas por Vera Novack, professora e regente do Coral da USP. Fora da área musical eu tenho o Bacharelado e Licenciatura em Biologia pela USP – Universidade de São Paulo. E trabalhei durante três anos no Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, onde desenvolvi um estudo sobre a ação do veneno de Bothrops jararaca sobre proteínas específicas do sistema complemento humano.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Solano Jacob: As influências foram muitas, incontáveis. Aliás, algumas delas eu já citei na questão anterior. Mas concebo minha formação musical como um conjunto de diversas fontes e expressões musicais, sem limites e fronteiras. Contanto que toque o espírito, lhe faça ficar comovido, chorar. Há de ser, sem dúvida, criativo e original. Entre alguns nomes dos que me inspiraram a cantar eu posso citar: Dennis Brown, Garnett Silk, Bob Marley, Barrington Levy, I Wayne, Ras Shiloh, Don Carlos, Joseph Hill, Michael Rose e Desmond Dekker.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Solano Jacob: Iniciei profissionalmente quando começamos eu e Sattajah, os trabalhos musicais como os Leões de Israel em 1999.
06) RM: Fale como foi a sua trajetória na banda Leões de Israel.
Solano Jacob: Uma grande experiência que muito me auxiliou no crescimento como músico e como pessoa. Transformações quase que diárias. E oportunidades para viajar e conhecer outros ares. Não posso deixar de mencionar momentos inesquecíveis como a turnê com Gregory Isaacs e o show no Rebel Salute. Realmente Deus abençoou a todos nós.
07) RM: Quantos CDs você gravou com Leões de Israel e quais os anos de lançamento?
Solano Jacob: Juntos nós lançamos dois álbuns. O primeiro em 2002, chamado “Pilares da Justiça” foi uma gravação ao vivo num teatro em São Paulo. A receptividade do público foi surpreendente. O segundo, “Palavra Viva”. Já mais amadurecido, foi o primeiro disco em estúdio, gravado em 2005.
08) RM: Qual foi ano e o que lhe motivou a sair dos Leões de Israel?
Solano Jacob: As palavras carregam significados bem específicos, por isto não gosto muito de “motivos para sair”. Acredito que eu cumpri, finalizei uma contribuição para com aquelas pessoas e não vejo como algo negativo. Criação e destruição fazem parte das leis do mundo material, até estrelas, como as “Gigantes Vermelhas” tem uma “vida útil” e depois colapsam em si para formar outras estruturas. Átomos têm uma meia-vida quando se trata de material radioativo, por exemplo. Assim, vemos hoje em dia que ambos (eu e a Leões de Israel) apesar da distancia, estão se desenvolvendo, expandindo, o que é mais importante.
09) RM: Quando você iniciou a sua carreira solo e lançou seu primeiro CD? Quais as vertentes do reggae têm no seu CD?
Solano Jacob: A carreira solo, na verdade não foi uma decisão planejada, premeditada. Ela foi consequência do que é natural, o fato de eu não poder negar a vontade de cantar e compor. No meu trabalho atual, busco um pouco de várias vertentes, mas reggae é singular e por isto ele estará sempre presente. Contudo, não posso deixar de dizer que penso ser essencial nos situarmos no tempo e espaço. E por isto vejo que o público aguarda algo novo, atual, não podemos mais tocar reggae com características de 40 anos atrás, vivamos o presente, enquanto é hoje.
10) RM: Como você define o seu estilo musical (ska, Reggae, Ragga, Dub e Dancehall) dentro da cena reggae?
Solano Jacob: Estilo é uma palavra que gera racismo. Eu abordo este tema no meu livro A FÉ E A RAZÃO. Estilo coloca os sujeitos dentro de um grupo. E geralmente, quem está de fora, acaba sendo diferenciado, tratado de forma desumana somente porque é diferente. Não acredito que os estilos sejam entidades verdadeiras, as pessoas os inventam e os fazem reais, para serem sujeitos. Por favor, deixemos isto de lado, vivamos uma vida nova, se é que me entendem?
11) RM: Como é o seu processo de compor?
Solano Jacob: No começo eu escrevia a letra e tentava encaixá-la em alguma linha vocal criada posteriormente. Pode até funcionar, mas hoje em dia, basta ouvir o instrumental, ter um bom assunto a desenvolver e sai tudo espontaneamente.
12) RM: Quais são seus principais parceiros musicais?
Solano Jacob: Eu não posso deixar de mencionar meu grande irmão de muitos anos, grande cantor e produtor musical, Kuky Lughon. Ele toca comigo até hoje nos shows e trabalhamos diariamente no nosso estúdio gravando bandas de todos os estilos e desenvolvendo novas musicalidades. Douglas Earl, também é outro musico exemplar. É sem duvida um dos maiores contrabaixistas do Brasil. E foi o produtor e engenheiro de som do meu álbum. Wagner Bagão, conhecido também como Dubalizer é também uma peça chave na minha carreira. Produziu o primeiro álbum dos Leões de Israel. Trabalhou muito anos com a Tribo de Jah. E já prestou serviços a quase todos os cantores jamaicanos que pisaram no Brasil. Paulo de Castro é uma figura indispensável. Grande violonista, arranjador e cantor. Trabalha comigo diariamente e esta sempre contribuindo para enriquecermos nossas músicas. Dada Yute, é um grande irmão e muitos dos projetos atuais, incluindo um grande documentário sobre a Jamaica que será lançado em breve, acontecerão devido ao nosso trabalho em conjunto.
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Solano Jacob: Na verdade, para nenhum artista o trabalho é independente. Precisamos sempre de inúmeros colaboradores e prestadores de serviços. A diferença básica é que não somos mais empregados sujeitos às decisões de pessoas que veem o seu trabalho como um simples produto. Somos pessoas que tem o poder de decisão sobre os rumos da carreira, nas suas minúcias, mas por outro lado ter muita responsabilidade e tem o seu preço.
14) RM: Como você analisa a cena reggae nacional e internacional?
Solano Jacob: O reggae no Brasil precisa tornar-se profissional desde a formação dos músicos indo até os produtores e empresários. Isto praticamente não existe aqui. Não estou criticando ninguém, mas fazendo apenas uma afirmação comparada à realidade que existe no exterior. Vejam por exemplo, no exterior existem artistas de reggae fazendo apresentações em festivais de Jazz, cantando com estrelas como Steve Wonder e Rolling Stones. Porque nós não podemos fazer o mesmo? Façamos com a musicalidade do reggae brasileiro!
15) RM: Você cantar em inglês é um facilitador em uma carreira internacional? Seu CD tem 50% das músicas em inglês é uma estratégia para ganhar o mundo?
Solano Jacob: Sem dúvida cantar em inglês é uma estratégia para atingir novos patamares. A parte harmônica das músicas é de suma importância, porém o significado e o entendimento das letras devem ser tão quanto atingidos.
16) RM: O que você achou da cultura e dos costumes jamaicanos?
Solano Jacob: A Jamaica é um país Cristão por natureza e lá podemos encontrar toda a diversidade do mundo Cristão africano e toda sua beleza. Estive em janeiro de 2006 e de janeiro de 2010 no país. A receptividade do povo jamaicano é única. São muito gentis e amistosos e quando se fala que é brasileiro ficam fascinados e sempre associam com a fama do futebol do nosso país. Na Jamaica praticamente todos nascem cantando. O falar deles já é melódico por natureza. Na Jamaica ao contrário que se pensam é proibido o uso da maconha.
17) RM: Fale sobre o uso e mau uso do Riddim (designar bases sonoras de uma música famosa que ganhar novas melodias e letras) dentro e fora da Jamaica?
Solano Jacob: O uso de riddims é uma expressão da cultura jamaicana e isto já ocorre há décadas. Eu acho importante este tipo de movimento porque eu mesmo gosto de ouvir diferentes cantores no mesmo instrumental. Podemos saborear um pouco da criatividade de cada um. E muitas vezes dois ou mais cantores decidem cantar sua parte no mesmo instrumental e assim surge o que chamam de “combination”. Penso que fortalece os laços entre diferentes artistas.
18) RM: Em sua opinião o que falta pro reggae nacional ter o mesmo valor que tem fora do Brasil?
Solano Jacob: Enquanto o reggae for visto pela mídia como um movimento de drogados, doidões e rebeldes sem causa ou de fanáticos religiosos que adoram um ditador etíope, nada muda. A questão não é mascarar o que não existe e sim mostrar o que de fato acontece. Primeiramente, o reggae é uma música do povo Rastafári. E ser Rastafári é seguir Emmanuel que é Cristo Jesus (Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel” – Livro: Isaías Capitulo 7:14
e “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco) – Livro: Matheus 1: versículo 23). Assim, seus trabalhos e ministérios sempre estão à frente de tudo. Quem é que vai negar seu governo? Redenção e Amor sem fim, este é o objetivo. Mas se disserem que os Rastafáris lutam por isto, ainda vão dizer que não somos do tipo socialmente aceitáveis? É meu querido, a verdade é tão dura que muitos preferem a sombra para não se ofuscarem com tanta luz. Mas Jahoviah tem abençoado a todos nós porque os servidores de Emmanuel não param de crescer pelo mundo. Quanto à questão externa especificamente, o que necessitamos é de grandes investidores da indústria musical, para colocar nossos artistas frentes aos grandes de fora. Nós temos potencial, isto é indiscutível.
19) RM: Fale de sua turnê na Europa? E qual a importância para o reggae nacional da sua exposição fora do Brasil?
Solano Jacob: Foi uma experiência única. Tive a oportunidade de levar minha música para vários países, incluindo Polônia, Alemanha, Eslovênia, Republica Tcheca. Foram 12 shows em várias cidades europeias como Berlin, Munique, Varsóvia, Wroclaw, Posnan, Liubliana e Ostroda onde ocorre um dos maiores festivais de reggae da Europa. A receptividade do público foi além das minhas expectativas e não raro já sabiam até algumas de minhas canções. Vejo claramente que a exposição de artistas brasileiros no exterior abrirá as portas para que novos talentos do nosso Brasil possam também mostrar seus trabalhos por lá.
20) RM: Quais os músicos famosos no reggae nacional ou internacional você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Solano Jacob: Quem sou eu para fazer este tipo de julgamento? Meu papel é compor e cantar, não sou crítico musical. Mas com certeza, Jahoviah nosso Deus, que vigia os verdadeiros intuitos do coração, está sempre olhando por aqueles que se esforçam para apresentar um trabalho com qualidade e profissionalismo.
21) RM: O que o motivou a escrever o livro a Fé e a Razão?
Solano Jacob: A necessidade de uma abordagem literária deste tema de fundamental importância para a vida de qualquer ser humano. A fé e a razão são ferramentas fundamentais para nos aprofundarmos na relação entre o homem e Deus. Está escrito que devemos amar Deus sobre todas as coisas, porém com todo o nosso entendimento, compreensão e esforço mental, ou seja, com a razão.
22) RM: Você acredita que a Fé e a Razão podem andar de mãos dadas? Quando e porque você entrou na religião Rastafári? Apresente a doutrina rastafári para os leitores?
Solano Jacob: A Fé e a Razão não “podem” andar juntas, elas de fato necessitam uma da outra. Como podemos acreditar em algo que não compreendemos? Quando primeiro se afirmou que a Terra era redonda, a igreja quis matar seu autor. Não dispunham de conhecimentos científicos e também não dominavam os instrumentos que permitiram o descobrimento de tal afirmação. Portanto, a única fé que devemos propagar é a fé racionalizada, compreendida. Vejam os extremistas religiosos do oriente, muitos acoplam em seus corpos, bombas poderosas e cometem suicídio acreditando que matando a si mesmos e também outras pessoas inocentes conseguirão um lugar no céu. Eles fazem isto por causa da fé que possuem, mas é preciso somente um mínimo de inteligência para nós compreendermos que um Deus amoroso e misericordioso como é o nosso Deus, jamais consentiria tal ato insano. Rastafári não é religião. Rastafári é mais pura e simples vida de seres humanos que vivem como servos de Jesus Cristo, o Emmanuel. Ele não criou religiões. Ele apresentou ao mundo uma nova proposta de vida, para aqueles que almejam a única e verdadeira vida possível. Aquela embasada no amor incondicional ao próximo, mesmo que tenhamos prejuízo sobre o nosso incipiente conceito de felicidade terrestre. Quem quiser saber mais, deve lê, meditar e praticar a sua palavra.
23) RM: Quais os dogmas que você concorda e discorda nas instituições religiosas: Católica, Protestante, Islâmica, Judaica, Budista e Rastafári?
Solano Jacob: Todo dogma é uma verdade pré-estabelecida e geralmente com fins políticos e de controle social. A igreja católica, por exemplo, durante séculos, tratou do sexo como algo sujo e pecaminoso. Também plantou o dogma da virgindade de Maria mãe de Cristo para criar um arquétipo de uma mulher inexistente na nossa realidade. O resultado nós já sabemos. Vejam que até o Papa ultimamente está precisando desculpar-se pelos abusos sexuais realizados por padres e bispos do Vaticano. O que precisamos sempre. É da fé que duvida, que lapida as informações até chegarmos ao verdadeiro valor moral que queremos para nossa sociedade.
24) RM: O Bob Marley não amputou pé que contraiu a gangrena por conta do dogma do rastafári que não permite amputação e a doença evoluiu para um câncer no cérebro que o matou no auge da fama e ainda jovem. O que você acha dos dogmas religiosos que negam a evolução da medicina e de outras ciências?
Solano Jacob: Bob Marley tomou esta decisão, não por causa de um dogma Rastafári. Mas devido as suas próprias convicções pessoais. Negar a ciência é negar a razão. É negar a inteligência que temos e é uma benção do Altíssimo. Resultados destas práticas fundamentalistas são sempre os mais horríveis e muitas vezes acabam em tragédia. Viver nos extremos nunca é um sinal de maturidade.
25) RM: Segundo a sua fé rastafári e seu livro, Haile Selassie I (Tafari Makonnen) e posteriormente Ras Tafari, imperador da Etiópia, à reencarnação de Jesus Cristo. Quais as semelhanças deste líder político com Jesus para chegar a tal conclusão? E como explicar a repressão a diversas rebeliões entre as raças que compõem a Etiópia no seu governo?
Solano Jacob: O entendimento quanto à pessoa de Selassie I é muito diverso até mesmo entre as diferentes Ordens do movimento Rastafári. Para alguns ele é o Cristo Reencarnado, para outros ele é o próprio Deus em carne. Eu particularmente não afirmo em meu livro que Haile Selassie I fora reencarnação de Cristo na Terra. Talvez eu não seja tão lúcido o suficiente para afirmar que sim ou que não. Mas isto não tem importância, porque o que realmente vale não é definir a figura humana de Jesus aos olhos do mundo. Mas viver a vida que Ele nos ofereceu, enquanto ainda é hoje, assim afirmava Paulo, um dos apóstolos, o apóstolo dos gentios. Cristo se manifesta de diversas formas, principalmente nas ações daqueles que cumprem a Sua vontade de justiça. Seu conceito de justiça era muito diferente dos homens. Nós quando injustiçados, buscamos a compensação sempre na punição daquele que nos prejudica. Cristo por outro lado era um ser misericordioso, amoroso ao extremo.
Quando Mussolini estava com todo o seu exército prestes a invadir a Etiópia. Haile Selassie foi avisado e então realizou um pronunciamento para toda a nação para que a partir daquele momento praticassem o jejum e a oração em favor dos inimigos italianos. Mussolini por sua vez, ao ouvir sobre a atitude do Imperador, ordenou em seguida que o massacre começasse, ou seja, tamanha misericórdia soara para ele como o maior dos insultos. Assim, são pelas atitudes que reconhecemos os verdadeiros operários de Cristo. Selassie foi certamente um enviado de Cristo na Terra para uma missão muito importante e crucial nestes tempos.
Quanto aos conflitos etíopes, seria o bastante culpar o imperador por lutas civis entre pessoas que viviam em extrema? Selassie construiu universidades na Etiópia e podemos assistir a vídeos na internet nos quais o vemos muitas vezes se pronunciando aos maiores líderes europeus e pedindo por abertura econômica e investimentos na Etiópia. A África, décadas antes de Selassie passou por um processo que conhecemos por neocolonialismo, praticamente todo o continente foi dominado por países que exterminaram cultura e riquezas naturais. A miséria etíope, inclusive atualmente é de responsabilidade global e não só nacional.
26) RM: No seu livro a visão do educador/professor é óbvia. Como você vê a postura do professor omisso, sem crítica na formação de um aluno?
Solano Jacob: Esta questão é um dos pilares da enorme crise educacional vivemos no Brasil. A escola esta perdendo seus muros. Isto significa que seus limites e a sua função social estão escorrendo pelo ralo. Antigamente o professor era visto como uma autoridade em sala de aula. Não para punir somente, mas porque os pais ensinavam a seus filhos que o professor era uma pessoa com a competência para mudar-lhes seus destinos, com a educação. Hoje em dia, ir a escola é optativo, vai quem quer e todos sabem que o ensino público é de péssima qualidade. O Banco Mundial e outras instituições internacionais controlam os investimentos em educação no Brasil. E há anos já determinaram que a formação docente deveria ser reduzida para no máximo 02 anos. O resultado é claro, os professores têm péssima qualificação profissional. Na sua maioria não estudaram para enfrentar os problemas em sala de aula de forma racional. O professor omisso em sua maioria é aquele que já não aguenta mais o tranco da realidade do professor brasileiro. Um salário muito baixo em troca de até 10 ou 12 horas em salas de aula com até quarenta alunos. O professor omisso chega a ser uma estratégia política para o que chamo de genocídio intelectual. Em verdade, estes alunos que saem do ensino médio aos 17 anos e semianalfabetos, já estão condenados a sofrer as consequências da ignorância pelo resto de suas vidas.
27) RM: No seu livro você alerta sobre o controle imposto pelo sistema social. Como ser um cidadão consciente e com uma visão crítica com uma educação deficitária?
Solano Jacob: A melhor consciência é a percepção de que nunca estamos abandonados. E é neste campo que entra a fé de cada um. Num sistema como este, é muito fácil se decidir em pisarmos-nos outros a qualquer custo para atingir o mínimo de felicidade pessoal. Mas ninguém acha justo doar um pouco de si ao próximo. Talvez esta seja a estratégia mais funcional. Doar, servir, ajudar, este é o caminho para juntar esforços, para tocar as pessoas na necessidade de nos unirmos em tempos difíceis, em tempos de provações, em tempos de tentações. Não precisamos ter medo do que pode nos faltar devido à doação. Vejam os pássaros do céu, semeiam, voam procriam, nada também faltará a nós, homens de pouca fé.
28) RM: No seu livro você fala sobre o perigo de uma má alimentação. Como se alimentar bem sem gastar muito e livre do consumismo?
Solano Jacob: A melhor alimentação é aquela que vem da terra. Raízes, cereais, verduras, legumes e frutas. Nestas partes dos vegetais podemos encontrar todos os nutrientes que precisamos: proteínas, carboidratos, lipídios, vitaminas e coenzimas. O alimento que não provem da terra é processado quimicamente e nosso organismo não foi feito para assimilá-los. Por isto, é muito importante perceber este perigo e realizar um esforço para mudar de vez os hábitos alimentares de forma mais racional, respeitando as leis biológicas da nutrição e o bom relacionamento com o meio ambiente.
29) RM: O que você acha das pessoas que usam os cabelos dreadlook e já se acham rastafári?
Solano Jacob: O Reino de Deus não está nas aparências, mas sim nos sentimentos que sondam o coração de seus filhos. Somente a pureza do coração e o esforço para nos tornarmos seres melhores a cada dia podem promover este conceito. Mas para ser sincero, até hoje esta pergunta “Você é Rasta?” me causa certo azedume nos ouvidos. Porque eu penso sobre o que me faz diferente das pessoas por ser rasta. Com certeza eu nem preciso disto. Prefiro está mais próximo de todos, sinto-me mais feliz.
30) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para o show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosto, cantar e não receber, ser cantado e etc)?
Solano Jacob: Com certeza, todos estes exemplos que você citou já aconteceram comigo, mas fazem parte das adversidades que temos que passar para continuar executando nosso trabalho sem pausas e com profissionalismo.
31) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Solano Jacob: A tristeza é o primeiro passo para uma mais elevada felicidade. Esta carreira que estou construindo há mais de 12 anos é um presente maravilhoso que a vida me concedeu. E assim sendo, somente a sua existência já me traz um enorme sentimento de realização plena.
32) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Solano Jacob: Isto já está acontecendo em diversas rádios do país. Muitas delas são rádios que transmitem seus sinais pela internet. Também existem muitos profissionais da área que estão abrindo as suas portas de forma mais flexível e realmente dando oportunidade para difundirmos nosso trabalho.
33) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Solano Jacob: Uma carreira musical é um caminho profissional. E, portanto é necessário preparo. É importante uma boa formação para exercer a função. Por outro lado, vejo as pessoas que lidam com arte como mais do que simples profissionais do entretenimento. A arte é uma aspiração a planos elevados. Arte bem feita significa criação. É como se Deus estivesse nos chamando para darmos a nossa contribuição nos tijolos do mundo em que vivemos. Realmente é uma prova de imenso amor por parte do Pai. Seguir uma carreira musical não é fácil. A competitividade é muito grande e os obstáculos são imensos. É necessário muito empenho, confiança e determinação para não nos sufocarmos com as vicissitudes.
34) RM: Você usa roupa e cajado que lhe dá a imagem de um profeta moderno. Qual a imagens que você quer passar pro seu público com a forma que se veste e comporta no palco?
Solano Jacob: Um profeta não precisa de imagens. Normalmente estes são os falsos profetas. A palavra “profeta” tem a mesma origem etimológica da palavra “professor”. Portanto o verdadeiro profeta ensina de verdade, resgata as pessoas de seus mais profundos sonos e ilusões. Esta condição não tem origem humana, mas é uma manifestação da misericórdia de Deus que através de homens de bem. Eu não posso jamais dizer que sou profeta, ou que tenha a pretensão de ser. E em verdade não tenho intenção de passar para o público nenhum tipo de imagem. Um artista no palco deve apresentar-se como tal, sempre respeitando o público que o assiste. Não podemos subir ao palco de chinelos e bermuda como se não fizesse diferença alguma. Existe sim uma semelhança entre a função do Rasta no palco e sacerdotes nos templos. Nós quando estamos no palco, estamos desempenhando uma função ministerial, exortando palavras de redenção, de compreensão e de cura. Sendo assim, a forma como se apresenta tem muito valor. Um médico jamais vai atender um paciente de qualquer jeito ou de mini blusa ou regata. Um padre quando reza a missa, tem sua própria vestimenta, da mesma forma necessitamos nós quando em serviço no palco. Não posso deixar de ressaltar que meu papel principal é cantar e o que primeiro chega até eles são Palavras, em forma de cânticos e louvores. A imagem que tenho simplesmente faz parte do que sou. Um servo de Cristo segundo os céus da Etiópia, mãe da cristandade e berço orgânico da humanidade.
35) RM: Quais os projetos futuros depois da turnê da Europa?
Solano Jacob: A turnê pela Europa foi muito produtiva em termos de contatos com outros profissionais da área e como consequência algumas músicas surgirão em parcerias com músicos da Polônia e Alemanha. Na primeira quinzena de junho 2010 estarei retornando à Jamaica para solidificar alguns projetos e finalizar as últimas gravações em parcerias para meu novo álbum. O plano é retornar desta viagem e trabalhar intensamente para terminar até o final de 2010 o próximo álbum e livro que já estão em andamento.
35) RM: Quais os seus contatos?
Solano Jacob: www.solanojacob.com.br / [email protected]