O músico, escritor, poeta, e professor potiguar, Reynaldo Bessa nasceu em Mossoró, Rio Grande do Norte – Brasil e radicado em São Paulo desde 04 de outubro de 1987.
O trabalho de estreia foi “Outros Sóis” (1994). Em 1996, lançou “O Beco das Frutas” (Selo – Alpha Music); em 2000, lançou o elogiado “Angico” (relançado em 2004 pelo selo Devil discos); e em 2007, veio com “O Som da Cabeça do Elefante” (Selo – Devil Discos). Estes dois últimos selecionados para importantes prêmios de música. Em 2008 lançou seu quinto trabalho, “Com os Dentes”. Diferentemente dos anteriores, em seu primeiro registro ao vivo, Bessa dá voz e ritmo a poemas de autores clássicos como Alphonsus de Guimarães (Hão de Chorar por Ela os Cinamomos”) e contemporâneos como Fabrício Carpinejar (Cartas de Amor) passando por Carlos Drummond, Leminski, Bukowski, Alice Ruiz e outros nomes das letras. Lançou ainda os discos “Ainda Sobre Aquilo” (2017), “O Futuro que me Alcance” (2019), “Retrato cantado” (2020), “Ensinar por Ensinar” (2021), “Cura” (2022).
Reynaldo Bessa tem parcerias com grandes nomes da música brasileira. Entre elas, a música “Por Amor”, dele e Zé Rodrix, foi gravada pelo grupo IRA! No acústico MTV do grupo. Depois, em carreira solo, Nasi, (vocalista do grupo Ira!) regrava “Por amor” agora dividindo a voz com Vanessa Krongold. (Cd e DVD). Bessa teve também sua música “Devastador” gravada pela cantora Rita Ribeiro. Em 2008 o artista viajou pela Europa onde tocou em diversos países, como: Portugal, Itália, França, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Holanda. Em 2009 tocou em Cochabamba e Sucre, na Bolívia. O artista já tocou ao lado de grandes nomes da MPB. Participou de diversos festivais de música pelo Brasil onde foi premiado diversas vezes.
No início de 2009 o artista também lançou seu primeiro livro de poemas (Outros Barulhos – Poemas) Prêmio Jabuti 2009 (Poesia). O livro traz a orelha do poeta Fabrício Carpinejar. Em 2011 lançou seu livro de contos “Algarobas Urbanas” (Finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2010), pela editora Patuá e em 2012 lançou mais um de poesia: “Não tenho pena do poema” (Rubra Cartoneira Editorial – Londrina-PR). Além disso, o escritor-músico ministra oficinas de escrita criativa em diversas bibliotecas públicas de São Paulo e outras cidades. O artista lançou em 22 de junho de 2013 o seu quarto livro de poemas: “Cisco no olho da memória” (Terracota Editora/Selo Musa Rara) – 2013 (Prêmio Internacional da UBE – RJ 2014). Em 2014 lançou seu romance de estreia: Na última lona (Editora Penalux).
Em 2018, participou de inúmeros shows pelo interior de são Paulo e capital com a banda Os psicodélicos da tia Lalinha no CCP – Circuito Cultural Paulista (APAA). O autor já foi júri de grandes prêmios literários, entre eles o Prêmio Portugal Telecom de Literatura. Também escreve para sites, blogues, jornais sobre literatura, música e poesia. Tem contos, crônicas, poemas publicados em revistas, jornais, suplementos literários pelo Brasil e exterior.
O artista está em campanha de divulgação do seu livro mais recente: Esta vida ou outra invenção, pela editora Penalux, como também do seu novo álbum O Futuro que me Alcance (Play it Again) – disco e clipe, e o seu single: Cura (Play it Again) nas plataformas digitais.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Reynaldo Bessa para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 25.01.2023:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Reynaldo Bessa: Nasci no dia 18 de maio de 1970 em Mossoró, Rio Grande do Norte. Registrado como Reynaldo Rocha Bessa. Mossoró, já viveu do sal e depois do petróleo e hoje vive de um pouco desses dois, além da fruticultura, principalmente o melão e a acerola. Fica a quatro horas de Fortaleza – CE; para onde minha família se transferiu, quando eu tinha apenas dois anos de idade (1972) e a cinco horas de Natal – RN. O Rio Grande do Norte é o solo de um dos meus maiores ícones “O mestre Luís da Câmara Cascudo”.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Reynaldo Bessa: Meu irmão mais velho (Ronaldo Rocha Bessa) foi o meu grande mentor de leitura e música. O que sou hoje, devo, pelo menos, metade disso a ele. Foi ele quem me mostrou alguns livros, e alguns discos. Muitos. As minhas primeiras influências vieram dele; o movimento Massafeira, O Romance do Pavão Mysteriozo (Ednardo), o disco Objeto Direto (Belchior). Todos os discos dos Beatles. O Fagner, veio só muito depois. Fiquei fascinado com o Manera Fru Fru, manera. Depois vieram o Quinteto Violado, o Quinteto Agreste, Zé Ramalho (Avohai), Alceu Valença (O espelho cristalino). E muitos outros.
Ouvia muito também Odair José, Fernando Mendes, Nelson Ned, Bartô Galeno, entre muitos outros. Adoro esse pessoal todo, até hoje. Meu pai (José Silveira Bessa) já ouvia no rádio, quando eu tinha ainda uns três anos, ou até menos, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, entre outros. Sempre fui cercado de boas influências, ou más, né? Depende do ângulo de quem ouve.
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Reynaldo Bessa: Sou da área de Humanas: Língua Portuguesa / Literatura com Licenciatura. Fiz especializações: mestrado, doutorado nessa área. Atualmente, também leciono.
Minha formação musical é quase toda intuitiva. Leio música muito precariamente, apesar de ter feito o Conservatório Musical, Alberto Nepomuceno, em Fortaleza – CE. Mas as professoras eram muito rígidas, e o curso tinha duração de sete anos. Não tive paciência, fiquei lá ainda alguns anos. Mas o que eu queria mesmo era cair na estrada e depois voltar em videoteipes e revistas supercoloridas para menina meio distraída repetir a minha voz e que deus guarde todos nós.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Reynaldo Bessa: As influências nunca deixaram/deixam de ter importância. Todas elas foram/são importantes de alguma forma na minha carreira. Algumas mais, outras menos. O que acontece é que elas passam para o andar de baixo quando o artista encontra a sua própria voz – a grande maioria não a encontra – assim como aprendemos a amarrar os nossos cadarços. Agora é com você e só você. Sou o resultado de várias influências. Nada vem do nada (quer dizer, o Universo vem). Bom, sou um pouco do Ednardo, do Fagner, do Belchior, do Fernando Mendes, do Odair José. Sou, principalmente, Bartô Galeno, do qual gosto horrores. Eu só ouvia o que gostava. Até hoje escuto essa rapaziada. Alguns nem estão mais nesta dimensão.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Reynaldo Bessa: A carreira musical mesmo, de forma profissional, comecei quando cheguei em 04 de outubro de 1987 em São Paulo. Antes disso era só para ouvir discos, tocar violão com os amigos, rabiscar algumas letras, arriscar alguns acordes mais consistentes. É o que eu chamo da minha fase heroica, inicial. A minha fase de consolidação foi quando eu, já em São Paulo, comecei a fazer obras mais coerentes, mais sólidas, mais verdadeiras. O que eu queria mesmo era a verdade dos artistas bregas da minha adolescência com a ludicidade, o lirismo, e o exercício da forma com os artistas, na época, chamados de cults – não gosto nada desse termo -. Queria uma fórmula dessa mistura. Aqueles caras que sofriam demais por algum amor, e todo aquele lirismo do Belchior, o colorido do Ednardo e de muitos outros. Desde que fosse a minha história mesmo.
Penso que descobri que eu estava no caminho certo – se é que existe isso – quando em 1988 burlei a portaria, sempre rígida, da antiga gravadora Chantecler, e ligeiro, divaguei por aqueles corredores frios, e então, me deparei com um rapaz que, ao me abordar, acabou ouvindo uma fita cassete que eu trazia comigo. Para meu espanto, ele ficou fascinado com minhas canções. Ali, penso começou a minha carreira de artista. Antes disso, já disse, era só laboratório, estudo. Para não dizer vadiagem mesmo.
06) RM: Quantos CDs lançados?
Reynaldo Bessa: São oito álbuns no formato físico e dois no formato digital. O que acho disco demais. Um disco independente deve ser lançado, na minha concepção, de 4 em 4 anos. Caso contrário, um trabalho canibaliza o outro, e os dois canibalizam o artista. Artista tem essa mania – inclusive, eu – de fazer um disco já pensando no próximo. Sei lá o que é isso. Entendo que hoje tudo envelhece muito rapidamente, só que temos uma coisa chamada Mercado. E este não perdoa. Para o conceito de um disco, uma música, um trabalho chegar até o público que vai se identificar com ele e consumi-lo (ou não) – se você não tiver uma grande estrutura para trabalhá-lo – pode levar muito, muito tempo. E pode até nunca chegar. Paciência.
Em 1994, o álbum – “Outros Sóis”. Em que boa parte das músicas desse álbum eu trouxe na bagagem quando vim do Nordeste. Músicas muito influenciadas pelos ares da região ou compostas lá. Com a óptica de um nordestino puro. É ritmado e totalmente regional. Já possui muito de mim, mas não estou todo ali. É o primeiro né? Comercialmente falando, esse disco ainda vende muito. Uma música que toca bastante em Sampa e pelo Brasil á fora é: “Uma Canção Bucólica”, um xote em homenagem a Visconde de Mauá. A balada: “Bel’atriz”, estourou no Nordeste.
Em 1996, o álbum – “O Beco das Frutas” (Selo – Alpha Music). Esse foi um projeto de um selo de São Paulo. É mais intimista. Mais pro lado do romântico. Também contém algumas pérolas. A canção: “Lamento Urbano”, também tocou muito em São Paulo e até já fez parte de uma tese da USP, sobre a nova óptica da cidade.
Em 2000, o álbum – “Angico” (relançado em 2004 pelo selo Devil discos). É um álbum com temas fortes, muito ritmo, cores, pulsação. Uma poesia mais madura, mais segura. Um álbum com certeza, mais a minha cara. Até me arrisquei na utilização (sutil) de alguns recursos eletrônicos (programação e ruídos) e gostei do resultado. A canção: “De dentro pra flora”, foi vencedora de inúmeros Festivais de Música. Mas o próximo é sempre o meu maior xodó.
Em 2007, o álbum – “O Som da Cabeça do Elefante” (Selo – Devil Discos). Estes dois últimos selecionados para importantes prêmios de música. Em 2008, o álbum – “Com os Dentes”. Em 2017, o álbum – “Ainda Sobre Aquilo”. Em 2019, o álbum – “O Futuro que me Alcance”. Em 2020, o álbum – “Retrato cantado”. Em 2021, o álbum – “Ensinar por Ensinar”. Em 2022, o single “Cura”.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Reynaldo Bessa: Essa não é um a pergunta fácil de responder porque não pode ser abordada de forma muito simples, para não resultar insatisfatória, e nem de forma complexa, para não soar pedante. Penso que ainda sou aquele compositor que gosta de cantar as coisas da minha terra – e como não poderia? – Mas, como um motorista guiando com os olhos ora no retrovisor, ora na estrada, ou seja, no que vem pela frente, no que está acontecendo, vou indo. No meu mais recente trabalho: O Futuro Que Me Alcance, que gravei com a banda Os Psicodélicos da tia Lalinha fiz ali o que chamo de MPB’Roll. Uma mistura de MPB (nem sei mais o que esse acrônimo significa) e rock’in’roll. Influências do rock clássico, e mais fortemente, do rock dos anos 80/90. Destacadamente, a banda RadioHead, Foo Figthers etc. Enfim, reinvenção sempre. Água estagnada cria bicho.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Reynaldo Bessa: Fiz conservatório uns 4 anos. Mas achei o curso chato. Tanto o de violão clássico e popular quanto o de canto. As professoras de canto me detestavam. Aprendi a cantar e a tocar violão na noite. Quando cheguei em São Paulo em 1987, toquei 13 anos na noite, no bairro Vila Madalena. Eu era muito conhecido e gostava muito. Gostava de tocar para os perdidos na noite. É uma escola dura, desgastante, viciada, concorrida, mas ensina muito. O importante é não se deixar estagnar. Se superar sempre. Como já disse. Saí da noite quando começaram as máquinas jukeboxes, os pagodes de óculos escuros na testa, e os teletubs da vida. Bom, uma hora você tem de sair, né? Então deixei de tocar na noite para gravar o meu primeiro disco “Outros Sóis” (1994). E então, Fiat Lux.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Reynaldo Bessa: Bom, não é porque não fiz muito estudo de técnica vocal que não o acho importante. Acho-o sim, muito importante. Se não for impaciente como eu, hiperativo, rola. Não tive paciência mesmo. Como disse, fiz um tempinho e foi bom. Há muitas coisas que ainda lembro, além das birras e xingamentos das professoras. Gostaria de ter feito mais tempo. Como disse também, eu já queria cair na estrada. Pelo que sei, foi assim com a maioria.
Bom, conheci vários amigos meus, músicos, que concluíram o curso todo e ainda estão lá sonhando em vir para “sunpaulo”. Eu até já falei para eles que hoje em dia isso já não é mais necessário, pois as coisas, atualmente, acontecem em todos os lugares ao mesmo tempo agora. Mas sei lá. Eles estão lecionando no conservatório. Estão lá, tristes como os banguelos leões dos circos ruins.
A cuidar da minha voz, aprendi mesmo na noite. Aprendi que café, álcool, cigarro, noites sem dormir, são muito, muito prejudiciais à saúde da voz. Isso eu aprendi. O problema é que adoro todas essas coisas. Mas tento cantar certinho, usando bem o diafragma, e sempre faço o aquecimento antes dos shows. Isso eu faço. Não, nem sempre.
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Reynaldo Bessa: A lista não é tão grande quanto a dos artistas os quais não admiro, mas é ainda muito grande para escrever aqui. E tenho receio de esquecer alguns nomes. Gosto de muita gente por aí com uns trabalhos bem bacanas. Só adianto que 99% desses artistas não estão na grande mídia.
11) RM: Como é seu processo de compor?
Reynaldo Bessa: É tentar organizar o caos. Tudo vem em fragmentos, uma confusão só. Um trecho aqui, outro acolá. Uma melodia, uma letra, ou parte delas. Tudo ainda na esfera do etéreo. Para mim, é como um deslocamento do tempo. Penso: “lá vem coisa”. Mas sem nenhuma mágica. Tudo é resultado da cabeça-criador. O que você absorveu antes: os livros, as músicas, as relações, as viagens, as experiências etc. Tudo conta. Tudo filtrado pela sua sensibilidade, sua forma diferenciada de ver o mundo. Mais ou menos como os óculos rosa de Kant.
Às vezes, por mais lindo que seja, não rola. Valeu, fica para uma próxima. Noutras saem uma beleza só. E assim, vamos. Você dá aquilo que tem. E tem de ter para criar. Se não tiver, faz como alguns por aí: rouba. Quer dizer, na criação, a gente, de uma forma ou de outra, rouba, né? Nem que seja um pouquinho. O Raulzito (Raul Seixas) dizia que metia mesmo a mão. No começo, eu roubava mesmo, mas quando descobri o meu estilo, minha voz, já não havia mais necessidade. Com o tempo, você começa a querer montar a sua estante com seus próprios livros, suas próprias músicas. Você mesmo quer se colocar nessa estante.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
Reynaldo Bessa: Meus parceiros são todos principais: Zé Rodrix, Tavinho Limma, Eudes Fraga, Luís Dillah, Sandro Dornelles, Thiago K. Bruno Khol, Marcelo Abud. Essa ordem não é alfabética e nem por importância. Fui escrevendo os nomes aqui a partir do momento em que fui lembrando. Penso que devo ter esquecido alguns. Por isso acho que listas são sempre muito complicadas.
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Reynaldo Bessa: Independente é outro conceito que se desgastou. Não tem mais sentido hoje em dia. Independente era utilizado para se referir aos artistas que não estavam no circuito das grandes companhias, gravadoras, agentes etc. Até que um artista, depois outro e depois muitos, que não estavam nesse circuito oficial, fizeram discos lindíssimos, significativos, então, o rei foi destronado e depois o palácio desmoronou e hoje a gente quase não fala mais nesse reino. Por outro ângulo, tudo hoje é independente. Com as plataformas digitais tudo mudou. Pode ser que de repente, não seja uma leitura real, mas penso, agora, que com um aplicativo, sei quando estão me ouvindo, e às vezes, até quem está me ouvindo, onde, quanto tempo, quais as músicas mais ouvidas, e tudo mais.
14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Reynaldo Bessa: No palco, verificar as pernas do banquinho, evitar os choques na boca, fazer um puta show. Fora do palco, correr atrás do próximo show.
15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Reynaldo Bessa: Fazer músicas melhores, discos melhores, se superar. (insisto) E principalmente me especializar em enxugar gelo.
16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?
Reynaldo Bessa: É a faca de dois legumes. Uma faca pode servir para abrir uma lata, apertar um parafuso, rasgar um pacote, ou para cortar os dedos, por aí. Então, como eu vou usá-la? No desmoronamento das grandes gravadoras, a Internet me facilita muito nessa coisa de administrar minhas músicas, encontrar e contactar pessoas, ter um poder maior de expansão do trabalho até em outros países, divulgar a agenda, enfim, muita coisa boa. Mas é preciso morder essa fruta com cuidado, pois ela é gostosa, mas tem caroço grande. Lá nas profundezas do mefistofélico mundo das redes há sumidouros perigosos. Há que se ter cuidado. A internet é terra de ninguém, mas tem dono.
17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Reynaldo Bessa: Estúdio assim ou assado não importa. O que importa é o que você faz nele. Aqui ou ali, acolá, arte tem de ser sempre arte. Costumo dizer aos meus alunos que não importa se no kindle ou no livro no formato físico, o que importa é que o hábito à leitura permaneça, assim como não importa se no estúdio de uma grande companhia ou no quintal de casa. A música tem de ser boa. Ponto. Uma roupa bonita não torna bonito alguém que é feio. E penso que uma vaca não nota se você der capim ruim, sim? Sei lá.
18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Reynaldo Bessa: Tento apenas fazer o melhor. O resto não é comigo. Posso até chutar o escanteio, correr, pegar o rebate e ainda fazer o gol pra fazer a roda girar, mas não posso ser o artista, a gravadora, o agente, o público, o bilheteiro, o vendedor, e sei lá mais. Até posso, mas não devo. Citei aqui o Mercado. Sim, há esse quesito importante. Um cd ou um livro, ou mesmo um streaming que seja, são produtos, e o artista quer muito viver de sua arte, e é nobre.
Quanto as estratégias para se diferenciar no Mercado, sei lá, têm algumas, mas não me utilizo delas. Apenas faço o meu trabalho. O que já é bem difícil. Quem faz isso, pensa que cria e pensa que se diferencia, perde tempo. O que me chama a atenção num artista é a sua verdade no que faz. O resto eu dispenso. Se ele está usando tanga ou terno, se sua cama é feita de penas de ganso ou de pregos, se é careca ou usa aplique. Não dou trela pra isso. Apenas faço o meu trabalho. Sou como a carta roubada de Poe: tá na cara, não vê quem não quer. Estratégias, ora, tem gente demais fazendo isso. Faça o melhor. Se não se destacar com isso, tudo bem, vá vender pastel.
19) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular Brasileiro. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Reynaldo Bessa: Música boa e ruim sempre existiram e caminharam juntas. Isso não mudou muito. O que acontece hoje, é que com o advento de muitas tecnologias deu uma abertura ainda maior para trabalhos ruins. Mas não acho que houve regressão por parte de alguns artistas. Quem era ruim, permaneceu ruim, quem era bom, deu o que deu, e está de bom tamanho. Peneirando bastante, tem umas coisas bacanas por aí. Sobre as coisas ruins fico sabendo muito por orelhada.
O artista, assim, como uma mulher, não pode dar à luz todos os dias, todos os meses. O artista, uma hora, precisa mesmo parar para não correr o risco de se repetir. E se repetir é fácil. E esse é talvez, sei lá, o maior pecado do artista. Como disse, têm umas coisas bacanas por aí. Mas tem muita fórmula repetida também. Chata pra dedéu.
20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?
Reynaldo Bessa: Todas essas citadas na pergunta já aconteceram comigo. Mas uma vez apareceu um agente sei lá de onde – não lembro – e que se dizia meu fã e que iria fazer uma turnê comigo e com um outro artista, uma celebridade, diga-se de passagem – esta, já estava com a caneta em punho e já perguntando: “onde assino?” No frigir dos ovos, o cara não era um agente coisa nenhuma. Era um cagalhão avariado. Artista acredita em tudo. Ele estava sem trabalho, não entendia de shows coisa nenhuma, morava com a mãe, e ainda batia nela.
Guardando as devidas proporções – ainda bem – parecia aquela história do grande artista plástico japonês que fez todos os jornalistas do Brasil ficarem de joelhos para a arte dele e no fim das contas era pura balela. Capas e mais capas nos maiores jornais do Brasil e o cara nem existia, entende?
21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Reynaldo Bessa: A desvalorização do artista brasileiro. Isso me deixa triste. Você tem de provar isso todos os dias. É como se você precisasse mostrar a carteira para dizer que você é você mesmo. Sabe aquela coisa que dizem: ”Tá, você é artista, entendi, mas, de verdade, você trabalha com o quê? ” Artista trabalha muito. E olha que ainda sou escritor, poeta e professor. Ser artista é uma das únicas carreiras, nas quais, enquanto mais tempo se tem nela, mais difícil ela se torna. Não tem tempo de serviço, férias, folga, final de semana, bônus, aposentadoria, nada. Só ele e o instrumento véio de guerra. Morre-se de trabalhar e o cara ainda te pergunta com o que você “realmente trabalha”. Isso me deixa triste. Quer dizer, têm outras coisas. Os cachês, por exemplo. Mas isso fica para outra entrevista.
22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Reynaldo Bessa: Conheço apenas o Tom Jobim, e o tom de uma obra musical. “Dom” mesmo só o Casmurro, ou o Pedro I, o Pedro II. No mais, só muito trabalho. Na minha adolescência estudei com um amigo que hoje trabalha numa grande empresa. Ele era muito bom em matemática. O melhor. Porém, detestava essa matéria. Pelo menos era o que dizia. Vai saber. O que as pessoas chamam de dom: em sua origem latina; domĭnus, “proprietário, possuidor, senhor de”, na verdade é uma junção de disciplina, experiência associadas a muito, muito trabalho: então, torna-se uma competência. Ora, está cheio de gente incompetente cheia de dom por aí, não?
23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical? Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
Reynaldo Bessa: Sou um artista intuitivo, sigo a minha cartilha. Não improviso. Mais ou menos, como disse um dos mestres do jazz: o improviso é um ensaio improvisado. Coisa assim. Tipo: eu já toquei isso amanhã, entende?
24) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?
Reynaldo Bessa: Não sei. Talvez a mesma sensação de caçar a baleia branca. Tem gente que ama tudo isso, e eu entendo. Já vi um cara pedir um livro de harmonia musical em casamento, tudo bem para mim, mas minha formação é toda intuitiva, como já disse. Cresci ouvindo os aboios do meu avô, dos meus tios, essas coisas lindas, os cantos árabes do serrado, do sertão. Cresci ouvindo rádio, o cego tocando sanfona desafinada na feira, assim como o Jorge Mautner tocando seu violino lindo e desafinado. Cresci ouvindo minha mãe cantar em seus falsetes lânguidos e tristes enquanto aguava as plantas do jardim. Depois, meu irmão mais velho (Ronaldo Rocha Bessa) me mostrou discos e discos, livros e livros.
Tem uma história do Bituca (Milton Nascimento) que é bem bacana. Ele é famoso por ter uns acordes muito loucos, diferenciados mesmo. Aquilo que os iniciantes no violão da minha época chamavam de “dissonantes”. E ele contou que construiu esses acordes sem saber. Disse que boa parte das músicas que ele tocava ao violão, tirava de ouvido, do rádio. Nessa época ele morava em Minas Gerais, e para quem conhece bem o Estado, sabe que ele é cercado por montanhas e mais montanhas. Então, segundo o Bituca, havia muita interferência, como consequência disso, ele achava que ouvia um som, quando na verdade era outro, e assim, foi construindo os acordes que achava que eram os corretos. Ele disse que quando foi realmente ver os autores das obras tocando-as, ao vivo, ali diante dele, descobriu que tocava tudo “errado”. O errado lindo, entende? Acabou que o Milton criou seus próprios acordes.
Entendo os estudiosos da harmonia musical. Cada um tem a sua paixão. E é isso que move o mundo, não? Mas vou pela intuição. Muita gente estudou harmonia musical uma cara, aí aparece um Stockausen com sua música Moderna-pós-moderna e desarmoniza tudo, né? Sei lá. Intuir é melhor que instruir. Penso.
25) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Reynaldo Bessa: Você deve se referir às grandes rádios, né? Porque há rádios e há rádios. A gente tende a generalizar. Existem rádios comunitárias que tocam muita gente desconhecida. Já as rádios públicas que têm outro tipo de postura. Por um lado, bacana, por outro ruim. Bom, o fato é que Jabá nem sempre é grana, assim como genocídio nem sempre é morte física. Há muito mais coisa em jogo. Barganhas. Ajuda aqui que eu faço aquilo lá.
Na região do Brasil que eu morava, os fazendeiros davam galinhas, porcos, perus, patos só para o locutor famoso da rádio mais famosa da cidade falar dele, mandar um beijo para alguém, para fulano ou sicrano. Até hoje, quando vou lá, e dou entrevistas, é engraçado, vejo animais amarrados, me olhando de esguelha, como se dissessem; “ei, me tire daqui”. O cliente pede que o garçom leve um bilhetinho para a moça da outra mesa.
Enfim, jabá, vai muito mais além, ok? E isso perdeu as estribeiras. O que eu acho é que, independentemente, de qualquer coisa, o bom trabalho devia ser respeitado, divulgado, valorizado, protegido, apreciado. A Arte em primeiro lugar. Mas essa é uma ideia romântica, eu sei. Mas é assim que penso.
26) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Reynaldo Bessa: Eu não digo nada. Ele não acreditaria, assim, como não acreditei quando algumas pessoas me falaram algumas coisas sobre ser músico. – Ah, se eu tivesse acreditado – É mais ou menos como quando se está apaixonado. Pode falar o que quiser da pessoa que você gosta. Não vai adiantar nada, você a ama.
Bom, o que sei é que o conselho final de David Crosby a jovens artistas foi: “não sejam músicos”. Ele tem lá os seus motivos. Músicos, professores, educadores deviam ser mais respeitados. Mas o Brasil não mudou em 500 anos por que mudaria agora? Ser músico é coisa pra loucos e valentes. Será sempre um grande desafio.
27) RM: Festival de Música revela novos talentos?
Reynaldo Bessa: Há festivais e festivais de música, você sabe. Participei durante muitos anos como músico concorrente, e mais tempo ainda como jurado, fazendo triagens, essas coisas. Desisti de concorrer porque não curti muito o clima de concorrência. É pesado. Falo por mim, mas alguns amigos lidam com isso de forma tranquila. Eu é que não lido muito bem.
Quanto a festival lançar talentos, acredito que não. Pelo menos, a maioria, não. Porque tudo acontece num final de semana e depois mais nada. Sou a favor dos festivais, sim, acho que são interessantes por diversos motivos: pelo lado financeiro, pela troca de contatos, como também para mostrar seu trabalho inédito para centenas, e às vezes, até para milhares de pessoas. Temos aí, alguns festivais grandes: Avaré, Ilha Solteira, Botucatu, Rio Pardo (posso ter esquecido de um ou de outro) e estes são mesmo grandes veículos de exposição dos artistas.
Mas quanto a lançá-los no mercado, penso mesmo que não. Conheço muita gente nesse meio, e vi poucos atuando depois no grande mercado. E isso, nem foi devido aos festivais, mas sim ao trabalho que possuem e a história que já vinham construindo: Zeca Baleiro, Chico César, Ceumar, Lenine, por exemplo, e para ficar só em alguns, participaram dos grandes festivais e depois entraram para o grande circuito. Ceumar, talvez menos – Mas isso, como disse, não teve muito a ver com os festivais em si. E olha que eles ainda estão lutando por seus espaços. A peteca não pode cair. E mantê-la sempre lá no alto é difícil pra dedéu.
28) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Reynaldo Bessa: A grande mídia nunca se interessou pela cena musical brasileira. Talvez apenas a aceite. Ou sei lá, respeite o seu prestígio. Tudo – salvo alguns casos e alguns jornalistas sérios – sempre foi um “negócio”.
29) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Reynaldo Bessa: São espaços importantes, e isso é muito bom. Quanto mais, melhor. Já fiz shows nos três e foram muito positivos para minha carreira. Que venham mais, que tenham mais. A estrutura, desde cachê, camarim, palco, público é sempre muito boa. O pessoal briga pra tocar nesses lugares. Eu também brigo, ora. Recentemente, toquei no Itaú Cultural, ainda na gestão do Edson Natale, e foi lindo demais.
30) RM: Quais os seus projetos futuros?
Reynaldo Bessa: O Futuro Que Me Alcance (disco e clipe) – estou divulgando os dois. Não penso muito no futuro, sabe? Costumo dizer que é como tentar acertar um relógio que ainda não foi construído.
33) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?
Reynaldo Bessa: (11) 95898 – 1536 | [email protected]
| https://www.instagram.com/reynaldobessa
Canal Reynaldo Bessa: https://www.youtube.com/@reynaldobessa7742
O Futuro que me Alcance – O Clipe | Reynaldo Bessa: https://www.youtube.com/watch?v=h22JHCWapOE
Reynaldo Bessa – Bel’atriz: https://www.youtube.com/watch?v=pEt7zTH-wJg
Ismália – Reynaldo Bessa / Alphonsus de Guimaraens: https://www.youtube.com/watch?v=BgbU9vazmZI
CURA – Reynaldo Bessa (single): https://www.youtube.com/watch?v=dywvDNcmxL0
REYNALDO BESSA – Show no Fino da Bossa: https://www.youtube.com/watch?v=fVPrbHQDPZ4
COLLAB RARIDADE (MADAN, JOSÉ PAULO PAES): https://www.youtube.com/watch?v=xZrx0gOfBgo
“Dom” mesmo só o Casmurro, ou o Pedro I, o Pedro II. No mais, só muito trabalho. Na minha adolescência estudei com um amigo que hoje trabalha numa grande empresa. Ele era muito bom em matemática. O melhor. Porém, detestava essa matéria. Pelo menos era o que dizia. Vai saber. O que as pessoas chamam de dom: em sua origem latina; domĭnus, “proprietário, possuidor, senhor de”, na verdade é uma junção de disciplina, experiência associadas a muito, muito trabalho: então, torna-se uma competência.
Excelente!!!
Márcil Tauil, querida, saudades de você. Obrigado pela leitura e observações. Nos falamos. Tudo de bom.
Ótima entrevista, ” Lamento Urbano” sempre trás às recordações de quando chegamos ou passamos por aí…
Joselito, querido, obrigado pela leitura. Lamento Urbano é uma das minhas primeiras canções. Gosto muito. Que bom que você curte também. Abraços e tudo de bom.