A violonista paulista Maria Lívia São Marcos iniciou os estudos de violão aos cinco anos de idade, sob a orientação de seu pai, o professor Manoel São Marcos.
Aos 13 anos, realizou o primeiro recital público; aos 17 anos, diplomou-se pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, no Curso de Virtuosidade. Atuou em recitais nas principais capitais brasileiras e países estrangeiros. Lecionou no Conservatório de Música Carlos Gomes e ministrou aulas particulares. Com 18 anos de idade gravou o primeiro disco, contendo o “Quinteto de Boccherini”, com a participação do Quarteto Municipal de São Paulo. Em 1961, recebeu a medalha de ouro da Associação dos Artistas Brasileiros do Rio de Janeiro, em recital que realizou na ocasião da tomada de posse do presidente da entidade, Dr. Nestor Figueiredo. Com 19 anos de idade, gravou, em primeira audição mundial, o “Concerto de Villa-Lobos”, depois de Folias de “Espanha de Ponce”, considerada a obra de maior envergadura do violão. Seguiram-se outras realizações de igual porte. Tocou também com a Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo e com o maestro Eduardo Guarnieri. Participou do programa “Violão e mestres”, criado pelo professor São Marcos, no então Canal 3, da TV Tupi. Na Rádio Gazeta, participou do programa “Cortina lírica”.
Em 1962, viajou para Portugal, tendo tocado em Lisboa com a Orquestra da Fundação Gulbenkian. Em 1964, obteve bolsa de estudo do governo Espanhol para estudar guitarra emSantiago de Compostela. Dois anos depois, a convite do governo do Estado de Sergipe, organizou e dirigiu o “Primeiro Festival de Música Erudita”, de Aracaju. Em 1970, foi contratada pelo Conservatório de Genève, na Suíça, para assumir a cadeira de violão. Na mesma época, encerrou o “Festival de Verão de Lucerne”, executando o“Concerto de Villa-Lobos” com orquestra.
Em 1978, realizou uma turnê pela Suíça alemã, tocando violão e comentando a história e ensino do violão. No mesmo ano, lançou um LP com gravações de clássicos do choro como“Tenebroso”, de Ernesto Nazareth, “Flor amorosa”, de Joaquim Callado, “Xodó da baiana”, de Dilermando Reis, entre outros.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Maria Lívia São Marcos para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistada por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 16 de Abril de 2013:
01) RitmoMelodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Maria Lívia São Marcos: Sou ariana, nascida no dia 8 de abril. É o dia do Buda.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Maria Lívia São Marcos: Eu cresci ouvindo o som do Violão do meu pai (Manoel São Marcos) que estudava e tocava muito. E de fato não sei como foi o meu primeiro contato com a música. “O meu contato com violão foi em São Paulo com um grupo de “aficionados” que fundaram a Associação Paulista de violão, que tinha a liderança de Isaías Sávio, que era o único professor na época.
03) RM: Qual a sua formação musical?
Maria Lívia São Marcos: Estudei no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em que fiz a virtuosidade com 16 anos de idade. Havia uma sala de concerto muito bonita, embora pequena. E a maioria dos alunos e professores veio assistir meu recital. Afinal eu penso ter sido a mais jovem aluna dessa instituição.
04) RM: Quais suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Maria Lívia São Marcos: Acho que no passado indiscutivelmente foi Andrés Segovia (violonista espanhol. Considerado o pai do violão erudito moderno. Linares, Espanha, 21 de fevereiro de 1893 — Madri, 3 de junho de 1987). E muito cedo fui iniciada nas obras dos grandes compositores e intérpretes do repertório sinfônico, ópera, pianístico, etc. O meu pai sempre pensava que o estudo auditivo de outros instrumentos e diferentes épocas do repertório erudito, era de grande mérito. E mais tarde comecei também a me interessar pela música popular, principalmente a Bossa Nova. Sempre escutei e fui muito em concertos de outros instrumentos. Infelizmente hoje os violonistas só se interessam pelo violão, perdendo assim a visão da grande música e dos grandes intérpretes que tocam outros instrumentos.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Maria Lívia São Marcos: Em São Paulo no Teatro São Pedro. Eu tinha 12 anos de idade.
06) RM: Quantos CDs lançados (quais os músicos que participaram nas gravações)? Qual o perfil musical de cada CD? E quais as músicas que se destacaram?
Maria Lívia São Marcos – Discografia: (1978) Saudades do Brasil • Fermata Produções • LP. (1961) Violão dos mestres • Ricordi • LP. Minha primeira gravação foi com o Quarteto Municipal de São Paulo, quatro veneráveis músicos (com minha pouca idade pensei que eram velhos), grandes músicos que me ajudaram muito, pois era a primeira vez que tocava música de câmera essa formação. E depois gravei o Concerto para Violão e Orquestra de Heitor Villa-Lobos em primeira gravação mundial. Em seguida gravei composições de Oswaldo Lacerda, Teodoro Nogueira, Isaias Sávio; escritas e dedicadas a mim. E gravei a obra completa de Heitor Villa-Lobos, por ocasião do centenário do nascimento do compositor. E muitas obras em primeira audição de compositores europeus.
07) RM: Como você define o seu estilo musical?
Maria Lívia São Marcos: O estilo do intérprete está ligado ao respeito pelo compositor. O compositor cria; o intérprete RE-cria. Há o conhecimento das épocas e sobre tudo estamos ligados à partitura, em que o compositor exprime uma ideia precisa que deve ser respeitada e transmitida ao público com um máximo de fidelidade. Posso afirmar que a minha característica é o SOM. Parece que a sonoridade é a minha assinatura. O violão tem um som muito rico de “matizes”, o que poucos violonistas exploram, às vezes nem sabem disso. É uma questão de posição de mão direita, e saber dá a cada corda a sua própria personalidade.
08) RM: O que fez você não se interessar em compor?
Maria Lívia São Marcos: Eu sou essencialmente intérprete. A composição é um ramo da música que tem que ser estudado como um instrumento. Não existe a ideia romântica do compositor descabelado procurando a inspiração. O compositor estuda todas as formas de composição, da harmonia, do contraponto, das leis de escrita musical e orquestração. E sem uma base solida, o compositor arrisca de ter reminiscências de todas as músicas que já ouviu e muitas obras que andam por ai. É uma recapitulação de tudo o que o compositor tem no subconsciente musical.
09) RM: Quais as formações que você já tocou?
Maria Lívia São Marcos: Toquei meu instrumento com todas as diferentes formações, trios, quartetos, quintetos, orquestras sinfônicas, câmera canto, coro, instrumentos de sopro, harpa.
10) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical erudita?
Maria Lívia São Marcos: Difícil responder essa pergunta. Desenvolver uma carreira em qualquer área é dedicação, sorte, saber dizer sim ou não, em diferentes propostas. Enfim, tudo depende do investimento pessoal e financeiro de cada um.
11) RM: Como você analisa o cenário musical erudito brasileiro. Em sua opinião quem foram às revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Maria Lívia São Marcos: Hoje no Brasil se toca muito bem violão e outros instrumentos também. Revelação musical? Não posso dizer. Não acompanho de perto o cenário brasileiro, pois estou radicada na Europa.
12) RM: Quais os motivos que levaram você a estudar o violão erudito/clássico? O seu pai teve influência na sua escolha?
Maria Lívia São Marcos: As duas perguntas são dependentes, comecei a estudar aos quatro anos de idade, influenciada por meu pai (Manoel São Marcos), quer dizer que não escolhi. Meu pai tocava Violão, todas as pessoas que frequentavam a minha casa também tocavam. Era óbvio que eu queria tocar Violão. A minha infância foi embalada pelo som do violão. Nesta época os saraus eram em casa, e tocar para mim era a coisa mais normal do mundo.
13) RM: Apresente o seu pai como pessoa e como violonista?
Maria Lívia São Marcos: Muito difícil falar do pai (Manoel São Marcos). Como professor era severo, queria muito estudo, enquanto minhas amigas brincavam; eu estudava Violão. Mas ele sabia apreciar e elogiar quando eu tocava bem. Ele como violonista tinha as suas limitações, estudava muito, tinha muito bom gosto na escolha do repertório. E como professor era maravilhoso, criou o método São Marcos.
14) RM: Você foi a pioneira como violonista erudita no Brasil?
Maria Lívia São Marcos: Sim. Como comecei antes dos quatro anos de idade. E aos 13, 14, já era uma concertista que tinha um vasto repertório e muita técnica para executá-lo.
15) RM: Quais as mulheres violonistas eruditas que você conhece? E quais os seus violonistas favoritos?
Maria Lívia São Marcos: O violão, por incrível que pareça, não é um instrumento feminino. Foram, e são poucas as violonistas. Eu conheci as famosas Añido, Luise Walker, infelizmente já eram idosas, e não as ouvi ao vivo, só por gravações. Quanto aos violonistas, os grandes que já se foram, e alguns que ocupam o cenário atual aqui no Brasil, como Fabio Zanon, Everton Goeden, Paulo Belinatti (meu ex-aluno) e os populares como Guinga, Lula Galvão, Theo de Barros, Yamandú Costas.
16) RM: Quais os seus compositores preferidos?
Maria Lívia São Marcos: A história da música atravessou séculos, e seria leviano de minha parte preferir um ou outro compositor. Eu me sinto mais à vontade com certos estilos, como renascentistas ingleses, ou a música contemporânea do início do século XX, para as obras escritas para violão. Mas como poderia ignorar todos os grandes compositores que nunca escreveram nada para o meu instrumento, como Beethoven, Mozart, Brahms, Stravinsky?
17) RM: Você conheceu pessoalmente o violonista Heitor Villa-Lobos?
Maria Lívia São Marcos – Infelizmente não tive a alegria de conhecer Villa – Lobos em vida, mas fui eu que por ocasião da fundação do Museu, toquei no violão dele, na mesma ocasião executei em primeira audição a Fantasia Concertante, com a OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira, sob a direção do maestro Alceu Bochino).
18) RM: Quais os violonistas que você tem como bom um exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Maria Lívia São Marcos: Todos, eu inclusive, estamos lutando para a valorização do violão e tentando levá-lo as grandes salas de concerto do mundo.
19) RM: Quais as situações inusitadas que aconteceram na sua carreira musical?
Maria Lívia São Marcos: Muitas coisas já aconteceram; às vezes muito agradáveis e outras menos, por exemplo, eu estava dando um concerto na Croácia, em uma igreja bizantina maravilhosa, sendo transmitido pela TV ao vivo. E de repente uma tempestade apagou todas as luzes e eu continuei a tocar no escuro, as pessoas ouviam silenciosamente, nisso o padre começou acender todas as velas dos altares, o efeito foi belíssimo. Aquele homem vestido de preto acendendo cada vela e eu continuando a tocar, foi um momento inesquecível.
20) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Maria Lívia São Marcos: Feliz, um bom concerto. E triste quando o público não é silencioso.
21) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Maria Lívia São Marcos: Que não há certezas; há somente muito trabalho. E com muita sorte você pode se tornar conhecido.
22) RM: Quais os projetos futuros?
Maria Lívia São Marcos: Desde 2002 reduzi bastante as minhas atividades de concertos e viagens. Há um momento em que se almeja conhecer a outra parte da vida, quer dizer, ser como todo mundo. Assim sendo, resolvi fazer duas coisas formidáveis que nunca pude fazer: pintura e dança flamenco.
23) RM: Qual seus contatos?
Maria Lívia São Marcos – [email protected] | http://www.facebook.com/marialivia.saomarcos
Links para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=9pdIwYKxPGM
http://www.youtube.com/watch?v=e2l_lXC0b3g
http://www.youtube.com/watch?v=wrKn8WPCjcg
http://www.youtube.com/watch?v=IXVuZ64yyNg
http://www.youtube.com/watch?v=PYUcIguJyck
http://www.youtube.com/watch?v=9bJoF0EIxgU
http://www.youtube.com/watch?v=pYhctVx5euo
http://www.youtube.com/watch?v=FjJJ4n3riY8
http://www.youtube.com/watch?v=GrafxYlE7Uo