Com letras instigantes, melodias criativas, arranjos elaborados, batidas pulsantes e arrebatadores solos de guitarra, a Ave Sangria se consagrou como uma das melhores bandas de rock psicodélico do Brasil em todos os tempos.
Desde quando surgiu, ainda nos anos 1970, a banda, que faz a fusão do rock pesado internacional com os ritmos nordestinos, foi chamada pela imprensa de “os Rolling Stones do Nordeste”, pela força de suas apresentações.
Nas palavras do vocalista Marco Polo: “Nosso show ondula por uma dinâmica intensa, iniciando com músicas de impacto, passando para as mais líricas, evoluindo para as mais dançantes e partindo para a pauleira final, onde a integração entre músicos e público se torna completa”.
Grupo formado por Marco Polo (vocal), Ivinho (guitarra solo), Paulo Rafael (guitarra base), Almir de Oliveira (baixo), Agrício “Juliano” Noya (percussão) e Israel Semente (bateria), começou com o nome Tamarineira Village, uma alusão ao Greenwich Village de Nova Iorque – EUA, à Vila dos Comerciários, onde a maioria dos músicos morava, e ao bairro da Tamarineira onde ficava o Hospital da Tamarineira, versão pernambucana do Hospital Pinel, do Rio de Janeiro.
Seu nome foi mudado por sugestão de uma cigana que os músicos conheceram numa estrada no interior da Paraíba, que os chamou de “um bando de aves sangrias”. Logo em seguida foi contratada pela gravadora carioca Continental, para lançar um álbum com o nome do grupo.
Cerca de um mês e meio depois do lançamento em 1974, porém, o disco foi proibido pela Censura Federal da ditadura militar, sendo recolhido das lojas e das rádios, sob a alegação de que a música “Seu Waldir” ia “contra a moral e os bons costumes da sociedade pernambucana”.
Ainda assim a banda continuou no imaginário popular como criadora de um dos clássicos do movimento underground recifense, ao lado do álbum “Paebiru”, de Zé Ramalho e Lula Côrtes, do álbum “No sub-reino dos metazoários”, de Marconi Notaro, “Flaviola e o Bando do Sol”, de Flaviola (nome artístico de Flávio Lira) e “Satwa”, de Laílson e Lula Côrtes”.
Após passar um longo período afastada dos palcos, a banda começou a ser redescoberta pela juventude em 2008, graças à internet, e voltou com tudo em 2014, com quatro de seus seis integrantes originais num show apoteótico (cujos ingressos se esgotaram no mesmo dia em que foram oferecidos ao público) no Teatro de Santa Isabel onde, 40 anos antes, havia encerrado provisoriamente sua trajetória com o espetáculo Perfumes & Baratchos. No mesmo momento relançou seu disco original de estúdio, desta vez não só em vinil como também em CD, e outro que registrava a apresentação do último show em 1974.
Daí por diante a carreira foi retomada com participações aclamadas de plateias formada por jovens na casa dos 20 anos, cantando junto todas as letras das músicas do show, em apresentações consagradoras no Sesc Belenzinho – SP e na Virada Cultural, em São Paulo, no Centro Cultural Dragão do Mar, no Ceará, ou no Festival Psicodália, em Santa Catarina.
Quis o destino que a era digital trouxesse a Ave Sangria de volta à ativa. Redescobertos por uma novíssima geração, os integrantes originais Marco Polo (voz, composições), Almir de Oliveira (voz, guitarra base, composições) e Paulo Rafael (guitarra solo e viola e o mesmo faleceu em 2021) se reuniram para traçar novos planos de voo. Estimulado por uma série de shows realizados pelo grupo anda a partir de 2014, O trio revirou o baú do tempo e de lá saíram onze incríveis canções inéditas, compostas no período de 1972-1974. Dia a Dia é apenas a primeira das muitas surpresas que virão pela frente.
Boa parte do novo repertório será apresentada nos palcos antes do lançamento do álbum, ao lado de hits como “O Pirata”, “Dois Navegantes”, “Hey Man”, cultuados pela moçada de ouvidos atemporais e sensibilidade antenada. As “novas” músicas mantém a proposta inicial da banda: unir o rock com ritmos nordestinos, mesclando linguagem psicodélica com sonoridades contemporânea: “O repertório do novo álbum persegue as características recorrentes do grupo: do divertimento escrachado à morbidez de temas sombrios, da crítica social implacável ao mais delirante psicodelismo, da agressividade dos rocks pesados ao lirismo acústico das baladas” – diz Marco Polo.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Marco Polo para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 09.06.2023:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Marco Polo: Nasci no dia 31 de março de 1948 em Recife, Pernambuco. Registrado como Marco Polo Guimarães Martins.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Marco Polo: Aos cinco anos de idade eu viajava de navio de Belém – PA para Recife – PE. A viagem durava uma semana e pra distrair os passageiros os oficiais de bordo convocavam quem soubesse contar piadas, histórias, cantar, tocar algum instrumento. Uma noite uma moça tocou uma música no acordeon e ao ouvi-la caí num choro convulso. Tempos depois vim a identificar a música. Era o Noturno número 2, de Chopin. E compreendi que meu choro foi a única tradução que achei para exprimir a emoção estética que a música me provocou.
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Marco Polo: Cursei Direito na UFPE – Universidade Federal de Pernambuco e comecei a atuar no jornalismo em 1968 e atualmente sou jornalista aposentado. No estudo musical tiver aulas particulares de Piano, Acordeon e Violão.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Marco Polo: Sempre escutei de tudo. Lá em casa se ouvia muito Bolero, Samba-canção, Música nordestina. Cresci ouvindo Nelson Gonçalves, Orlando Dias, Miltinho, Francisco Alves, Trio Iraquitã, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Anísio Silva, Araci de Almeida, Lamartine Babo, Noel Rosa. Depois Elvis Presley e todo o rock. Sempre gostei de Música Clássica, Blues e Jazz. Desse caldo posso selecionar como pilares na minha formação são: Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Jimmi Hendrix e, da parte brasileira: Noel Rosa, Jackson do Pandeiro e os mestres (letristas, compositores e cantores) da Bossa Nova.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Marco Polo: Minha primeira composição ocorreu aos oito anos de idade, no Recife – PE. Minha avó, Dona Lili, estava lendo a biografia de um cangaceiro que se tornou evangélico, e ele citava a letra de uma música que eles cantavam: “Ó cabra, se eu te pegar/ na ponta deste meu aço/ inté o diabo tem dó/ da desgraça que te faço.// Te tiro o couro inteirinho/ e o espicho em compasso;/ te como as carne do corpo/ e só te deixo o cangaço”. Adorei os versos e quis saber a música. Minha avó não sabia. Então inventei uma melodia para cantar os versos.
06) RM: Quantos CDs lançados?
Marco Polo: Com o grupo Ave Sangria gravei o álbum homônimo em 1974 pela RCA. O show ao vivo Perfumes & Baratchos (1874) e Vendavais (2019).
No projeto Asas da América – Frevo participei de três álbuns. E tenho participação em mais uma dúzia de discos de outros cantores.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Marco Polo: Não tenho estilo definido. Faço de rock pesado a samba-de-breque.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Marco Polo: Só muito recentemente somente para aprender técnicas de como aquecer a voz para encarar um show de duas horas.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Marco Polo: Nunca dei importância ao estudo de técnica vocal nem cuidados com a saúde vocal. Eu fumava, bebia gelados etc. Hoje já cuido mais.
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Marco Polo: Bob Dylan, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Astrud Gilberto, Cássia Eller, Cesária Évora. E tem muito mais…
11) RM: Como é seu processo de compor?
Marco Polo: Não tenho método. Mas componho melhor quando letra e melodia saem juntas. Colocar melodia em letra ou vice-versa é mais complicado.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
Marco Polo: Almir de Oliveira, Geraldo Maia, Ortinho, Silvério Pessoa. Também me orgulha ter como parceiros gente do quilate de Zeca Baleiro, Lenine, Chico César.
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Marco Polo: A maior vantagem o nome já está dizendo: a independência. A desvantagem é não contar com uma infraestrutura de peso. Mas acho que isso não conta mais.
14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Marco Polo: Sou super desorganizado e intuitivo. No início topava fazer tudo, hoje dependo mais de produtores.
15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Marco Polo: Dou sugestões aos produtores. Eles estruturam os projetos.
16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?
Marco Polo: A internet ajuda em tudo, principalmente na divulgação do trabalho.
17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Marco Polo: Imagino que sejam imensas as vantagens de ter um home estúdio. Mas até agora explorei pouco esta via.
18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Marco Polo: Imagino que o diferencial que faz um artista se destacar no meio da babel sonora que tomou conta da nossa vida é a força de sua personalidade. Não só a qualidade, mas um diferencial pelo qual passam integridade e verdade. Parece que hoje qualidade é menos importante que atitude.
19) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular Brasileira. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Marco Polo: Se for tirar pelo que toca na TV e nas rádios, não tem nada realmente importante. Mas aqui e ali se destacam pérolas: Céu, Vanessa da Mata. Não perco meu tempo medindo quem regrediu.
20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?
Marco Polo: Ah, tem muita coisa. Quando no grupo Ave Sangria fomos gravar nosso primeiro álbum o produtor disse que a gente devia jogar no lixo nossos instrumentos. Foi preciso uma banda de sucesso da época (acho que o nome era Pholhas), que gentilmente nos emprestou seus instrumentos top de linha. Teve dois festivais de música para os quais estávamos programados e não tocamos: num dia caiu um toró d’água; no outro dia chegamos atrasados e não conseguimos chegar no palco por causa da multidão. De assédio, o mais constrangedor foi na saída de palco num show numa cidade de interior de Pernambuco: fiquei imprensado entre um fã exaltado e um gay assanhado. Um sufoco! (risos).
21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Marco Polo: O que me deixou mais triste foi a Ditadura Militar (de 1964 a 1985) ter censurado nosso primeiro álbum em 1975. Foi retirado das lojas e proibido de tocar no rádio. A maior felicidade foi voltar 40 anos depois num show triunfal no Teatro de Santa Isabel em Recife – PE.
22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Marco Polo: Acho que existe o Dom Musical. Mas sem muito trabalho, ele não adianta muito. A menos que você seja um Mozart, é claro.
23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?
Marco Polo: O Jazz.
24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
Marco Polo: Existem as duas formas de improvisação. Você pode previamente estabelecer uma harmonia para trabalhar em cima. Mas o músico de verdade entra com a cara, a coragem e o instrumento para improvisar.
25) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical?
Marco Polo: Não tenho muita certeza de que seja necessário método. O que é necessário é criatividade, sensibilidade e percepção de grupo.
26) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?
Marco Polo: Não sei. Nunca cheguei a fazer estudos formais de harmonia.
27) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Marco Polo: O pagamento do jabá acontecia muito antes. Será que isso ainda existe?
28) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Marco Polo: Primeiro tenha certeza de que além da vontade você tem talento. Depois, se prepare para ralar até o osso.
29) RM: Quando, como, e quais músicos fundaram o grupo Ave Sangria? Quais os motivos da parada?
Marco Polo: A banda foi formada no Recife – PE em fins de 1972, com o nome de Tamarineira Village. Em 1974 passou a se chamar Ave Sangria, por sugestão de uma cigana que conhecemos numa estrada no interior da Paraíba, que nos chamou de “um bando de aves sangrias”. Era formada por Marco Polo (vocais), Ivinho (guitarra solo), Paulo Rafael (guitarra base efalecido em 2021), Almir de Oliveira (contrabaixo), Agrício Noya (percussão e falecido em 2015) e Israel Semente (bateria e falecido em 1990). Acabou quando foi censurada em 1974. Voltou pela vontade dos jovens, através da Internet em 2008.
Músicos de apoio em turnê: Zé da Flauta – flauta transversal. Ebel Perrelli – percussão (2009-atualmente). Nando Barreto – baixo e backing vocal (2009-atualmente). Jefferson Cupertino – baixo (2013-atualmente). Jerimum – percussão (2010-2012). Marco da Lata – baixo e backing vocal (2011). Cris Rás – guitarra (2011). André Sette – teclados (2011). Rodrigo Duplicata – bateria (2011). Breno Lira – guitarra (2009-2011). Cassio Sette – teclado e backing vocal (2009-2011). Wellington Santana – baixo e backing vocal (2009).
30) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Marco Polo: Já foi maior a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira, principalmente quando ainda existiam os grandes jornais. Mas hoje há revistas especializadas (como a RitmoMelodia) e alguns sites e blogs bem interessantes.
31) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Marco Polo: Fundamental esses espaços citados na pergunta. Sem querer desprezar as instituições e guardadas as proporções, esses sistemas são o nosso MinC.
32) RM: Quais os seus projetos futuros?
Marco Polo: Gravar um novo álbum no segundo semestre deste Ano da Graça de 2023. E fazer um show acústico.
33) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?
Marco Polo: [email protected] | https://www.avesangria.com
Canal Ave Sangria: https://www.youtube.com/channel/UCpiV0jJqDX2xqioRHgfhfsA
Ave Sangria (Álbum Completo): https://www.youtube.com/watch?v=rfeli7lyb-8&list=OLAK5uy_lKGJOQKaLFOrzpB941xQGCBLi49EzyvLc
Ave Sangria – Vendavais – Álbum Completo: https://www.youtube.com/watch?v=Hq7dDz22DxM&list=PLLYfREfsWxq0KaDYgVQZp0xdWGppO0feT
Reportagem Ave Sangria grava seu segundo álbum após 44 anos: https://www.youtube.com/watch?v=W8PwboATQRo
Gostei de conhecer!
Eita Nordeste pra ter artistas bons…Parabéns.