More Ivan Vilela »"/>More Ivan Vilela »" /> Ivan Vilela - Revista Ritmo Melodia
Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.

Ivan Vilela

Compartilhe conhecimento

O Violeiro, Compositor, Arranjador e pesquisador mineiro Ivan Vilela, caçula de uma família de 13 filhos. Começou na música, aprendendo a tocar violão.

Durante dois anos trabalhou com crianças pobres da periferia de São Paulo, iniciando-as musicalmente a partir da construção de instrumentos de sucata e da pesquisa do folclore infantil local. Em 1989, passou a residir em Campinas, onde desenvolveu intensa atividade didática. Em 1995, assumiu a Viola Caipira como instrumento solo. 

Em disco autoral ou junto a grupos foi indicado a importantes prêmios da Música Brasileira: Prêmio da Música Brasileira (2011) com o CD – “Mais Caipira”, Prêmio IBAC de Cultura Popular Brasileira (2009). Interações Estéticas – FUNARTE com o CD – “Do Corpo à Raiz” (2009). Prêmio Rival-BR com o CD – “Orquestra Filarmônica de Violas” (2005), indicado na categoria Atitude. Prêmio Sharp com o CD – “Paisagens” (1998), indicado como Revelação Instrumental. Prêmio Movimento de Música Brasileira, melhor disco instrumental do ano e Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) melhor conjunto de câmara com o CD – “Espiral do Tempo” – Anima (1997). Duas indicações ao Prêmio Sharp com o CD – “Trilhas” – Trem de Corda, 1994. Medalha Carlos Gomes da Secretaria Estadual de Cultura – SP. Medalha Carlos Gomes da Prefeitura Municipal de Campinas pelo trabalho desenvolvido com a Orquestra Filarmônica de Violas.

Ivan Vilela desde 1996, realiza apresentações no exterior tendo tocado na Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Portugal realizando concertos e conferências em salas de espetáculos e universidades. É doutor em Psicologia Social pela USP, mestre em Composição pela UNICAMP e graduado em Composição Musical pela UNICAMP, onde foi aluno de Almeida Prado. É professor na Faculdade de Música e no Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Pesquisador do Instituto de Etnomusicologia, INET-md, da Universidade de Aveiro no Projeto Atlântico Sensível, AtlaS, em que pesquisa trânsitos e relações sociais dos cordofones portugueses no Atlântico lusófono. Foi criador, diretor e arranjador da Orquestra Filarmônica de Violas de 2001 a 2010. Dirigiu também a Orquestra de Viola Caipira de São José dos Campos, ligada à Fundação Cultural Cassiano Ricardo. É responsável pelo projeto de criação de um curso superior de música que utiliza uma metodologia brasileira de ensino, proposta inédita no Brasil, concebida a pedido da Universidade de Taubaté, SP.

Compôs a Ópera Caipira Cheiro de Mato e de Chão sobre libreto de Jehovah Amaral. Foi o consultor musical do Museu da Pessoa no projeto de criação do portal sobre o Clube da Esquina (2004). Criador e curador do Prêmio Syngenta de Música Instrumental de Viola (2004 e 2005) e consultor do Projeto Música Paulista (2009). Foi coordenador do Curso Música e Saúde voltado ao preparo de músicos atuantes em instituições de longa permanência de 2011 a 2017. Curador do Selo SESC para a série Viola Paulista. É diretor musical do Instituto Çarê que lança este ano as obras completas de Heraldo do Monte, do Quinteto Armorial e Quarteto Romançal, essas duas de autoria de Antonio Madureira. Membro do Conselho Editorial da Revista de Cultura Artística da FEALQ – ESALQ – USP, da Revista Resgate do Centro de Memória da UNICAMP e da Música em Revista, também da

UNICAMP. Parecerista da FAPESP, EDUSP, ANPPOM e de várias revistas acadêmicas. Organizou para a Revista USP n.87 (2010) uma edição sobre Música Popular Brasileira numa perspectiva fora dos cânones e a Revista USP n. 111, sobre Música Popular Brasileira na USP. Possui publicações sobre temas relacionados à história social, música, turismo rural e cultura popular, algumas delas em revistas indexadas internacionalmente. Seu livro Cantando a Própria História- Música Caipira e Enraizamento, foi lançado em 2013 na Feira Internacional do Livro de Frankfurt, Alemanha.

Segue abaixo entrevista exclusiva como Ivan Vilela para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 01.01.2021:

01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?

Ivan Vilela: Nasci no dia 28 de agosto de 1962 em Itajubá, MG, mas me naturalizei em Pedralva, MG.

02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.

Ivan Vilela: Meu primeiro contato com a música foi ainda criança, com meus irmãos. Sou o caçula de uma família de treze filhos. Todos ouviam músicas diversas. Um irmão que só ouvia música clássica, uma irmã que amava os The Beatles, irmãos que escutavam rock inglês dos anos 1960-70, música da contracultura e muita MPB. Neste ambiente fui fecundado pelos sons diversos que povoavam a nossa casa.

03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?

Ivan Vilela: Fiz dois anos de História, me formei em Composição Musical na UNICAMP, na época um curso de seis anos em que fui aluno de Almeida Prado. Fiz mestrado na UNICAMP em Composição Musical criando uma Ópera Caipira e um doutorado em Psicologia Social na USP.

04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?

Ivan Vilela: Desde criança ouvi muita música diversa posto ser o caçula de uma família muito grande como citei anteriormente. Lembro-me que na juventude a música do Quinteto Armorial me marcou muito. Ouvia muito, de meus irmãos, toda a série de discos feitos pelo Marcus Pereira e música do Brasil de dentro, chamada equivocadamente de música regional. Elomar sempre foi uma escuta constante e a obra para Violão de Villa-Lobos, também. Quando comecei a tocar Violão, aos 17 anos de idade, o álbum Clube da Esquina passou a ser uma permanente nas minhas escutas. Depois abri-me também para a sonoridade do selo alemão ECM que produziu dezenas de discos do que foi chamado de jazz europeu: uma música com menos notas, trechos escritos e trechos improvisados e novas perspectivas harmônicas e de ambiência. Vale lembrar que o Egberto Gismonti gravou alguns discos pela ECM. Mas deste selo alemão o músico que muito me marcou e ainda marca é o Eberhard Weber.

Na faculdade minhas escutas se abriram para outros caminhos com bastante música contemporânea, gosto bastante do Olivier Messiaen e do meu mestre Almeida Prado, gosto do Marco Scarassati, jovem compositor brasileiro deste segmento, ouvi muita música europeia do Renascimento ao século XX, com um encantamento maior pelas obras do Gesualdo, do Bach, do Heitor Villa-Lobos e do Debussy, figuras que me marcam até hoje. Durante a Faculdade toquei um bom tempo na Noite, aí essa escuta de MPB se ampliou, pois eu precisava tirar de ouvido as músicas para acompanhar a exigente cantora com a qual eu tocava e ela gostava de cantar Tom Jobim, João Bosco, Chico Buarque, Elis Regina, Toninho Horta, Ivan Lins, Djavan e por aí foi. Desde meados dos anos oitenta comecei a acompanhar festas populares (folclore) e este contato trouxe-me reminiscências da infância e também novas perspectivas musicais.

05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?

Ivan Vilela: Comecei em Itajubá – MG, minha terra natal, em 1981, tocando num grupo chamado “Pedra” e depois no “Água Doce”. Em 1983 fiz uma dupla com a cantora Pricila Stephan e em 1985 gravamos o LP – “Hortelã”.

06) RM: Cite os CDs que já participou e os CDs solo?

Ivan Vilela: Ivan Vilela e Orquestra do Mato Grosso (2018) – regência Leandro Carvalho. Encontro – com Benjamim Taubkin (2018). Orquestra Filarmônica de Violas II (2012). Pulo do Gato convida Ivan Vilela (2011). Mais Caipira (2010), com Suzana Salles e Lenine Santos, indicado ao Prêmio da Música Brasileira. Do Corpo à Raiz, Prêmio Interações Estéticas da FUNARTE (2009). Dez Cordas (2007) solo de viola. Vereda Luminosa (2006) com Andréa Teixeira. Orquestra Filarmônica de Violas (2004), indicado ao Prêmio Rival-BR na categoria Atitude e Medalha Carlos Gomes da Prefeitura Municipal de Campinas. Caipira (2004), com Suzana Salles e Lenine Santos. Quatro Estórias (2002), estórias de Rubem Alves e música de Ivan Vilela. Retratos em Vários Compassos (2002), com a Oficina de Cordas. Teatro do Descobrimento (1999), com o grupo Anima e a cantora Anna Maria Kieffer. Rumos Musicais (1999), coletânea, gravado ao vivo no Itaú Cultural, SP, em duo com o acordeonista Toninho Ferragutti. Paisagens (1998), solo de viola indicado na categoria Revelação Instrumental para o Prêmio Sharp. Violeiros do Brasil (1997), coletânea, gravado ao vivo no SESC Pompéia, SP, com alguns dos mais representativos violeiros do Brasil. Espiral do Tempo (1997), com o grupo Anima, agraciado com os Prêmios Movimento de Música Popular Brasileira, na categoria de Melhor Disco Instrumental do Ano e Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) Melhor Conjunto de Câmara e a Medalha Carlos Gomes da Secretaria Estadual de Cultura – SP. Trilhas (1994), com os grupos Anima e Trem de Corda, CD que recebeu duas indicações para o Prêmio Sharp. Hortelã (1985), Ivan & Pricila.

Os DVDs: Violeiros do Brasil (2008), coletânea. Breve História da Música Caipira (2007), coletânea. Projeto Pixinguinha (2006), coletânea. Caipira (2004), com Suzana Salles e Lenine Santos.

CDs que atuei como Diretor Musical: Viola Paulista vol.1 (2018). Sertão Trio (2015). Duo Catrumano (2011). Orquestra Filarmônica de Violas 2 (2012). Do Corpo à Raiz (2009), prêmio Interações Estéticas da FUNARTE. Dez Cordas (2007). Vereda Luminosa (2006), este também contando com meus arranjos. Orquestra Filarmônica de Violas, indicado ao Prêmio Rival-BR (2004), também atuei como arranjador. Quatro Estórias (2002). Retratos em Vários Compassos (2002), com José Eduardo Gramani. Paisagens (1998), indicado ao Prêmio Sharp na categoria Revelação Instrumental. Viola Cósmica (1998) do violeiro Pereira da Viola, indicado ao Prêmio Sharp na categoria Revelação Regional, também teve meus arranjos. Beira Mar Novo (1997) do coral Trovadores do Vale, também teve meus arranjos. Hortelã (1985) Ivan & Pricila.

07) RM: Como você se define como Violeiro?

Ivan Vilela: Como violeiro me defino como um músico que se expressa como compositor e arranjador carreando todo o meu arcabouço de escutas e estudos. Toco uma Viola que tem raízes e asas.

08) RM: Quais afinações você usa na Viola?

Ivan Vilela: Tenho usado Cebolão em Ré (o par de cordas 5º, 4º, 3º, 2º, 1º são afinadas em D, A, D, F#, A, D) e a Boiadeira (o par de cordas 5º, 4º, 3º, 2º, 1º são afinadas em G, D, F#, A, D). Mas existem mais de 20 afinações. A minha Viola tem os pares de cordas com uma maior distância em relação a Viola tradicional. Tomei dessa decisão para poder tocar as cordas separadamente na mão direita para tirar mais sons harmônicos do instrumento e passei a fazer arranjos utilizando essa técnica.

09) RM: Quais as principais técnicas o violeiro tem que conhecer?

Ivan Vilela: Penso que numa atitude mais humilde diante de um instrumento com tanta história é importante que o tocador conheça e aprenda as produções históricas e tradicionais produzidas no instrumento como a música caipira, a do Norte de Minas e a Nordestina. Depois que ouça e consiga tocar, ou pelo menos ouvir, toda ou quase toda a produção de viola instrumental e cantada que foi feita até hoje. A partir de uma sólida construção deste arcabouço de diversidades o músico poderá estar apto a desenvolver um caminho próprio.

10) RM: Quais os violeiros que você admira?

Ivan Vilela: Há vários. Minhas referências foram Renato Andrade, Almir Sater, Antonio Madureira, Tavinho Moura pela beleza de suas composições. Atualmente há muitos violeiros fantásticos tocando. Tenho olhado bastante para a nova geração e tenho me impressionado com vários. O movimento das mulheres violeiras também chama a atenção por trazer não só uma perspectiva de igualdade de gêneros nas cercanias da cultura popular, mas também pela musicalidade diferenciada de muitas delas. O violeiro que mais tem me chamado a atenção atualmente é o Fabrício Conde, pela capacidade que tem de utilizar a Viola de uma maneira totalmente nova e inusitada, em que o material melódico e harmônico se funde com o material percussivo levando a Viola para um outro lugar, com outras texturas, um outro mundo, uma outra gramática.

11) RM: Como é seu processo de compor?

Ivan Vilela: Meu professor de composição na UNICAMP, o Almeida Prado, dizia sempre: “Estude bastante e depois esqueça o que sabe e só utilize os recursos e técnicas quando tiver esquecido deles”. Isso ressoou muito em mim. Mais do que buscar sons, quando componho penso em cores, texturas, sensações e movimentos. E, atualmente, grande parte das composições chegam a mim como uma pequena ideia musical e ela vai se desdobrando. Componho sem pressa. “Sertão” demorou nove anos para ficar pronta, “O Castelo dos Mouros”, sete anos.

12) RM: Qual o resumo de sua tese “Uma história social da música caipira de 2011”?

Ivan Vilela: A tese ficou com o nome de Cantando a Própria História – Música Caipira e enraizamento. E se desdobrou em um livro lançado pela EDUSP, em 2013. Faço uma revisão sugerindo correções na maneira como a música caipira foi olhada por diversos escritores. E a partir de uma perspectiva musical mostro o quanto ela é sofisticada em diversos aspectos como a diversidade rítmica que ela abarca. Um guarda-chuva de dezesseis ritmos distintos que se interagem, se esbarram. Desconstruo preconceitos como o do termo música regional. Já que para haver um regional deve haver um central e quem foi que definiu qual é o centro? E coloco a música caipira dentro do campo criativo da MPB, pois ela nunca foi entendida como música popular brasileira. A tese em si gira em torno da maneira como o disco e a radiodifusão de música caipira operaram como fatores que ajudaram o caipira a se reenraizar. E não perder seus valores de origem durante o êxodo rural que viveram por diversas décadas, passando pelo falar caipira enquanto fala dialetal. O disco e a radiodifusão fizeram também do caipira o primeiro camponês a ter a sua história registrada e conhecida por todas as pessoas, posto a história que nos é contada e registrada ser sempre a das elites e nunca a das populações subalternas, economicamente falando. Fiz entrevistas com diversos migrantes de longa data que me contaram as maravilhas e as agruras que viveram ao virem morar em São Paulo.

13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?

Ivan Vilela: O contra seria a dificuldade de difusão do trabalho. Os prós, todas as outras coisas como não ter alguém que tenta direcionar a sua carreira para que você produza frutos que tenham como objetivo primeiro a vendagem. E aí não há arte, só comércio e entretenimento.

14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?

Ivan Vilela: Eu nunca fui muito ligado em construir uma carreira musical, digo, ter um total controle sobre minhas ações. Pra mim sempre foi um ir sonhando e ir fazendo o que sonhava. Muito mais próximo de uma necessidade interna de expressar externamente o que sentia. Quanto ao palco, tenho adotado uma postura de esquecer quem sou quando estou tocando. Longe do ego de estar brilhando como artista, tenho procurado pensar em ser apenas um instrumento em que a viola é a extensão do meu corpo por onde a música passa e aliado a isso, tocar muito concentradamente.

15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira?

Ivan Vilela: No segundo semestre de 2020 me juntei a dois produtores, a Paula Rocha e o Caio Csermak, da Arueira Difusa Fronteira e ambos têm cuidado de organizar meu material de composição e colocá-lo nas plataformas de streaming, no Youtube. E, aos poucos vamos pensando em ações de organização e difusão do que já produzi. Aos poucos estou subindo meus discos para as plataformas.

16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira?

Ivan Vilela: Acho que a internet só ajuda por ser um espaço socializado que rompe a cerca imposta pelas majors que ocupam a grande mídia com a prática espúria do Jabá. Não que este Jabá não exista também no Youtube, no Facebook e no Instagram, mas as possibilidades de exposição de todos são maiores. Outros canais vão surgindo.

17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?

Ivan Vilela: As vantagens, penso que giram em torno da diminuição dos custos de gravação e produção. Já a grande desvantagem é a profusão de trabalhos pouco amadurecidos e/ou de pouca qualidade que têm circulado.

18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar o CD não é mais o grande obstáculo. Mas concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?

Ivan Vilela: Continuo fazendo a música da maneira que sempre fiz e acredito ser este o meu caminho, sem pressa, sem atropelar ninguém, pelo contrário, dando a mão e ajudando a todos que consigo. De mãos dadas vamos todos mais longe.

19) RM: Como você analisa o cenário da música Sertaneja. Em sua opinião quem foram às revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?

Ivan Vilela: O termo sertanejo acabou sendo usurpado por setores da música romântica e da música pop, respectivamente, o caso dos românticos sertanejos e do sertanejo universitário, que nada têm de proximidade com o universo da música sertaneja. De maneira quase que integral acho tudo isso uma produção descartável e de baixíssima qualidade. Por outro lado, vemos a Viola renascendo nas mãos mais diversas e ocupando espaços nunca antes imaginados para o instrumento.

20) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?

Ivan Vilela: Sem tristezas, o que me deixa mais feliz é poder ter saúde para seguir caminhando.

21) RM: Quais os outros instrumentos musicais que você toca?

Ivan Vilela: Apenas a Viola e o Violão.

22) RM: Como você analisa o cenário da música instrumental brasileira. Em sua opinião quem foram às revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?

Ivan Vilela: Suas perguntas são espetaculares. Obrigado. Penso que a música instrumental brasileira tem ocupado, em qualidade, o espaço conquistado pela MPB nos anos 1960 e 70. A música instrumental é também onde se acomoda o grande manancial criativo da música popular, hoje. Uma diversidade e uma qualidade imensas. As revelações são muitas, em todo o país. Jovens que têm um domínio fantástico sobre seus instrumentos. Regrediu quem, por opções mercadológicas, vinculou suas produções ao universo da música pop.

23) RM: Quais os vícios técnicos o violeiro deve evitar?

Ivan Vilela: Ouvir pouca música de outras pessoas e se perder em arroubos pirotécnicos como se tocar com velocidade significasse tocar bem. E achar que só quem sabe tocar pagode caipira é que sabe tocar viola.

24) RM: Quais os erros no ensino da Viola?

Ivan Vilela: O principal é vincular a metodologia da Viola à metodologia de ensino dos instrumentos da música clássica. Os métodos de Viola que têm surgido apontam, na sua maioria, para este infeliz caminho. Penso que devemos assimilar, sim, todo o rigor técnico (as ferramentas) conquistado pela música clássica, no tocar e no compor, mas nada além disso (não devemos assimilar metodologias). A Viola é um instrumento que teve grande parte de seu arcabouço construído de maneira popular e autodidata e está pluralidade deve ser mantida e é para este campo de práticas de ensino baseadas na imitação criativa que devemos olhar.

25) RM: Tocar muitas notas por compasso ajuda e prejudica a musicalidade?

Ivan Vilela: Depende. Depende da situação e do que a música pede e por qual caminho ela segue. Sempre me lembro que quem fala muito “dá bom dia a cavalo e pede bênção a cachorro”. Falar muito cansa rápido quem escuta e perde o foco da atenção do ouvinte. Tocar é como contar uma história, fazer um discurso. Precisa haver nuances, mudanças de climas, ter pontos de interesse, mudanças de densidade.

26) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?

Ivan Vilela: Sem medo, sem inveja e sem maldade. Respeite e valorize o trabalho dos outros e não compita, jamais. Música não é olimpíada.

27) RM: Quais os principais erros na metodologia de ensino de música?

Ivan Vilela: Não creio que haja erros, mas sim abordagens inadequadas na medida em que utilizam metodologias de um local e de uma cultura para se ensinar música em outros locais que possuem outras culturas. Veja o caso da metodologia do Berklee College of Music que espalhou sua música popular, o Jazz, pelo mundo. Uma música essencial que todos devemos conhecer, se quisermos, mas não faz sentido, para mim, ela ser o ponto de partida e o método referencial por onde se aprenderá a música no Brasil. Veja só: a música dos EUA não possui a diversidade rítmica que há na música brasileira e quando ela passa a ser utilizada no Brasil sem nenhuma adaptação, essa diversidade rítmica deixa de ser abordada. O que falta para nós, no Brasil, é esta capacidade de lidar mais facilmente com o saber erudito, de sistematizar mais rapidamente o nosso conhecimento, pois a própria grandeza da música popular brasileira já atesta o sucesso dessa prática metodológica que, no campo do saber da experiência e não do saber da escrita, é absolutamente eficiente e incontestável. Por que então não trazermos este campo do saber da experiência para o mundo da escrita? Qual a dificuldade que há nisso? Seria o fato de só no século XX termos começado a lidar em massa com o saber escrito, posto termos sido uma nação que se desenvolveu mormente baseada na transmissão dos conhecimentos orais, aurais e visuais?

28) RM: Existe o Dom musical? Qual a sua definição de Dom musical?

Ivan Vilela: Acredito na aptidão. Dom é uma palavra muito forte que acaba podendo fazer alusão a uma luz divina que foi ofertada a uma ou outra pessoa e não a todos. É certo que quem tem aptidão conseguirá se desenvolver mais que quem não a possui, mas o ensino-aprendizado musical pode cumprir funções diversas. Tornar-se um profissional, ou ser apenas alguém que quer ter a música como uma atividade autoterapêutica, ou socializante, ou ainda para quem quer estudar para entender o que se escuta. Enfim, há muitas modalidades de caminhos que podem ser oferecidos pela música.

Falando da intuição vale olharmos para um tipo de designação que acaba por estabelecer uma diferença simbólica entre saber formal e saber informal. Ela por si só não faz sentido, pois se observarmos o prefixo “in” veremos que ele é utilizado para designar coisas que não cumpram totalmente a sua função: insuficiente, incompleto, inadequado, incompreensível. E isto se junta ao conceito de músico intuitivo, como se a intuição fosse um dom divino que iluminasse alguém, desprezando todo o saber acumulado pela prática e pela experiência. Tomemos como exemplo o Milton Nascimento que foi talvez quem mais inovou a música popular no mundo na década de 1970 sendo reconhecido como influência por músicos do Jazz, da MPB e do Rock Progressivo inglês. O Milton é tratado como um músico intuitivo, pois não teve o ensino musical dos conservatórios (por partitura etc.).

O que não podemos perder de vista é que o que chamamos de intuição é fruto de um imenso e longo trabalho construído através da prática musical de escutar, tirar a música de ouvido e tocar e cantar e assim, construir uma outra maneira, autodidata, de se relacionar criativamente com a música. Seria certo chamarmos este conhecimento dele de informal uma vez que ele sabe exatamente o que quer, na hora que quer e da maneira como quer? Ele, na verdade, tem o conhecimento musical absolutamente formalizado dentro de si, só que de uma maneira pessoal.

Tratar este conhecimento como saber informal credita ao saber erudito uma autoridade de transmissão de conhecimentos única, como se fosse o correto e a modo primeiro de onde tudo se derivaria. Ora, isso é um pressuposto inverídico, pois o saber da experiência, do qual fazem parte todos os sambistas dos anos 1930, grande parte dos compositores dos anos 1960 e a grande maioria dos músicos do Brasil é atestada como bem sucedida pela própria consistência de suas obras. Alonguei-me demais na resposta, mas desta maneira exprimo que não acredito em dons, mas sim em aptidão e determinação, e note que em praticamente todas as áreas do conhecimento há aptidões como na cirurgia, no atletismo, na culinária, no bordado, na matemática etc.

29) RM: Qual a sua definição de Improvisação?

Ivan Vilela: Uma livre criação instantânea buscando ser o mais espontânea possível baseada numa prática imensa.

30) RM: Existe improvisação de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?

Ivan Vilela: Acho que há as duas maneiras. Músicos como Heraldo do Monte e Hermeto Paschoal que improvisam instantaneamente e por outro lado o Egberto Gismonti que improvisa de maneira programada. Todos são maravilhosos. O Toninho Horta improvisa utilizando acordes como se estes fossem a base melódica de sua improvisação, uma criação fabulosa.

31) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical?

Ivan Vilela: Penso que quase todo método, se for usado com criatividade, é bom. A não adaptação deste conhecimento específico ao ensino é que gera distorções. O professor Gil Jardim diz que em algumas escolas de improvisação o músico entra porquinho e sai salsicha, ou seja, aprendem todos da mesma maneira sem a possibilidade de olhar criativamente pro material que têm em mãos e ficam colocando escalas pra este ou aquele acorde. Mas há outros que improvisam construindo melodias que ao mesmo tempo em que estão presas à harmonia da música, a extrapolam. Sabem usar criativamente o material didático.

32) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?

Ivan Vilela: Acho muito importante todos os métodos, são fundamentais. Porém penso que todos devem ser aliados à pratica do tocar e também do tirar músicas de ouvido. Precisamos também ter o domínio do material sonoro pelo canal em que ele entra no corpo, que é o ouvido.

33) RM: Quais os métodos que você indica para o estudo de leitura à primeira vista?

Ivan Vilela: Não tenho uma opinião muito bem formada sobre isso. Penso que a prática deve ser sempre o caminho do músico, assim, a melhor maneira de se aprender a ler à primeira vista é lendo bastante partituras.

34) RM: Como chegar ao nível de leitura à primeira vista?

Ivan Vilela: Basta ler bastante. É importante que tentemos conciliar a leitura com a prática do ouvido, os dois sempre andando juntos.

35) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia do cenário musical brasileiro?

Ivan Vilela: Indecente e deplorável. A grande mídia não está aí para informar ninguém, mas sim para fazer a manutenção do sistema corporativo, diz o Noam Chomski. A grande mídia só mostra o que é pago para ser exibido. Assim, famosos e desconhecidos que se apresentam em programas da TV e das grandes rádios brasileiras pagam para se exporem. Os grandes jornais e grandes revistas não fazem mais resenhas, fazem sim propaganda paga em que não há mais a crítica em sua essência e sim apenas elogios para alavancar a vendagem. Eu não espero nada da grande mídia. São guiados apenas pelo lucro financeiro. São podres.

36) RM: Qual a importância de espaço como SESC, Itaú Cultural, Caixa Cultural, Banco do Brasil Cultural para a música brasileira?

Ivan Vilela: São espaços fundamentais para a manutenção da arte uma vez que as secretarias de Estado e municipais da cultura não cumprem o seu papel. Ao contrário, em governos e partidos como o de João Dória e de Jair Bolsonaro, refuta-se com força a existência da arte e da ciência. Conhecimento e sensibilidade iluminam as pessoas. Aquele velho jargão que continua valendo: para que instruir e sensibilizar o povo? Pra esses boçais governarem é mais fácil que todos ajam como gado.

37) RM: Quais os seus projetos futuros?

Ivan Vilela: Rapaz, até arrepiei (risos). Preciso acabar os arranjos de um disco que está composto desde 2013 e gravá-lo. Em julho de 2021 termino a minha pesquisa aqui em Portugal sobre trânsitos e relações sociais das Violas e Cavaquinhos, ambos de origem portuguesa, pelo Atlântico lusófono. Retornando ao Brasil assumirei minhas aulas de Viola, história da Música Popular Brasileira e percepção musical, na USP. Estou preparando há anos um método de Viola em vários volumes. Sigo fazendo. Tenho uma pesquisa sobre as inúmeras inovações que o pessoal do Clube da Esquina, capitaneados pelo Milton Nascimento, trouxe para a música do mundo. Faço um trabalho como voluntário no Instituto Çarê. Um instituto que tem dado apoio a músicos que tiveram muita importância no cenário artístico-histórico da cultura brasileira e porque não dizer, do mundo. No segundo semestre de 2020 saiu um cancioneiro (songbook) com toda a obra do Heraldo do Monte, com um belo ensaio sobre a história da guitarra elétrica no Brasil e a presença do Heraldo como um dos divisores de águas no uso da mesma. O ensaio foi escrito pelo professor de guitarra elétrica da UNICAMP, Budi Garcia. 

Em 2021 será lançada toda a obra em partituras do Quinteto Armorial e do Quarteto Romançal, que será distribuída a conservatórios e escolas de música do Brasil e de alguns países do mundo de modo que os alunos possam também tocar música de câmara brasileira. Esta obra foi toda criada pelo Antonio Madureira. Todo o acervo de pesquisa da compositora, pesquisadora e instrumentista Marlui Miranda está sendo digitalizado pelo Instituto Çarê e estas quase 1200 horas de áudio e vídeo poderão ficar ao acesso de pesquisadores e artistas, bem como a edição de todas as composições da Marlui. O Instituto Çarê desdobrará sua ação também com edição de livros ligados à cultura brasileira e, em especial, à cultura afro-brasileira.

38) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?

Ivan Vilela: [email protected] | https://web.facebook.com/ivan.atlas.982 | www.instagram.com/ivanvilela10cordas . É bom lembrar que nesta página, além de música tem meus outros lados ligados ao bom humor e ao posicionamento político, de Esquerda. Na internet o leitor encontrará artigos meus sobre: o Clube da Esquina: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13827 , sobre música caipira: https://www.scielo.br/pdf/ea/v24n69/v24n69a21.pdf e outros temas correlatos à música e à cultura popular brasileira.

Canal: https://www.youtube.com/user/ivanvilelachannel  

Pontos de Vista, um bate papo sobre o Clube da Esquina, com Márcio Borges e com o professor, compositor, e violeiro Ivan Vilela, que há muito tempo vem se dedicando a estudar as músicas desse movimento que mexeu com as estruturas da música brasileira – 10/02/2021, às 19h: https://www.youtube.com/watch?v=bOVX29g1_-0

Concert by Ivan Vilela | International Conference Using the Past: https://www.youtube.com/watch?v=l_bH259oPuY

Ivan Vilela | Programa Instrumental Sesc Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=vZabuDbVccI 

Benjamim Taubkin e Ivan Vilela | Programa Instrumental Sesc Brasil:  https://www.youtube.com/watch?v=IWfnnDW8OJI 

Benjamim Taubkin e Ivan Vilela | Programa Passagem de Som: https://www.youtube.com/watch?v=5H951kHQnzQ 

Sounds of the World – The Worlds of Sound: Ivan Vilela and the viola caipira: https://www.youtube.com/watch?v=h1VFZU8juPk 

Ivan Vilela – Festival ASSAD 2016: https://www.youtube.com/watch?v=0VMP5wJskCI 

Ivan Vilala no programa da TV Cultura exibido em 4/12/2013: https://www.youtube.com/watch?v=54BVcAYp6DM  

Neoliberalismo muda lógica do mercado musical [Ivan Vilela] MPB na USP: https://www.youtube.com/watch?v=uPBkw3lKJn8

O sertanejo não foi capaz de impedir o avanço da viola, diz Ivan Vilela
Violeiro e pesquisador aponta a tradição popular como contraponto à força dominante
POR AUGUSTO DINIZ | 27.08.2023 04H30… https://www.cartacapital.com.br/blogs/augusto-diniz/o-sertanejo-nao-foi-capaz-de-impedir-o-avanco-da-viola-diz-ivan-vilela/ 

MÚSICA POPULAR BRASILEIRA SEGUE RESISTINDO AO NEOLIBERALISMO’ | Entrevista com IVAN VILELA: https://www.youtube.com/watch?v=CBCVuzDtlnU


Compartilhe conhecimento

Deixe um comentário

*

Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.