O compositor, cantor, arranjador e percussionista baiano Geraldo Cristal natural de Cachoeira, Bahia, vem desenvolvendo há duas décadas um importante processo de expansão, afirmação e estabilização do reggae na Bahia.
Iniciou sua carreira artística no início da década de 1980, ainda em Cachoeira, quando foi chamado a integrar o grupo “Agulhas Negras”, com o qual realizou shows em muitos espaços da cidade. Nesse mesmo período passou a desenvolver um trabalho paralelo na Casa da Cultura de Cachoeira, com o grupo teatral Ori Loiè e com o grupo de dança Uponú Vonzu.
Em 1991 já em Salvador – BA, conquistou o segundo lugar no “1° Festival do Einstein” (curso dirigido por Jorge Portugal) nas categorias de melhor música e melhor intérprete. Juntamente com o mestre de capoeira Gilson Lua, em São Félix, foi premiado na 1ª Bienal do Recôncavo, recebendo o prêmio “Aquisição”. Também participou, em São Paulo, com a Banda Ação, do primeiro ENEN (Encontro Nacional de Entidades Negras). Participou da “ECO 92”, no Rio de Janeiro, na programação do Parque das Árvores Queimadas.
Em 1993, participou do 1° Festival de Música dos Bancários, assegurando o prêmio de melhor intérprete com a música Reggae do Trabalho. Também, no mesmo ano, foi indicado para o Troféu Caymmi, na categoria de melhor intérprete, concorrendo ao prêmio com Clécia Queiroz e Abel Duerê.
No dia 24 de abril de 2004, Geraldo Cristal com sua banda dividiu o palco com Lazzo Matumbi no show Alimente sua Alma, realizado no Anfiteatro do Parque da Cidade, promovido pela Petrobras. Em julho, o álbum – “Reggaessência” foi indicado para o Troféu Caymmi na categoria afro pop reggae, ficando entre os finalistas. No Largo Tereza Batista, no Pelourinho, Cristal fez dois shows integrando o projeto “Terças de agosto” (nos ensaios do Olodum).
Em novembro, Geraldo Cristal se apresentou no Festival República do Reggae, que teve como atrações o internacional Lucky Dube e Tribo de Jah, entre outros. Nesse mesmo mês realizou uma excursão de 10 dias, fazendo apresentações nos estados de Pernambuco e Ceará, com destaque para os shows de Recife (PE), de Juazeiro do Norte e do Crato (CE). Ainda neste mês, de volta a Salvador, participou do show realizado no Terreiro de Jesus em homenagem a Zumbi dos Palmares e fez uma apresentação na Senzala do Barro Preto do Ilê Aiyê.
No dia 19 de maio de 2005, participou como membro da Mesa, da solenidade realizada na Câmara dos Vereadores de Salvador, que instituiu o dia 11 de maio como Dia do Reggae através da regulamentação da lei 5.817/2000.
Entre o período de 2005 a 2010 desenvolveu inúmeros shows na cidade de Salvador – BA, participando, com shows, nos carnavais, através das programações dos órgãos oficiais do turismo e cultura do município e do estado (Emtursa, Bahiatursa, Prefeitura, Secult).
Em 2013 gravou seu segundo álbum, “Sendo Assim”, e em 2021 lançou o EP – “Elo”. Em 21 de novembro de 2022, no marco das atividades do Mês da Consciência Negra, foi homenageado na Câmara Municipal de Salvador com o Troféu Resistência. No momento está elaborando projetos, com material pronto para poder entrar no estúdio.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Geraldo Cristal para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 05.07.2023:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Geraldo Cristal: Nasci no dia 25 de abril de 1967 em Cachoeira, Bahia. Registrado como Geraldo Gomes Freitas Filho.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Geraldo Cristal: Meu primeiro contato com a música começou no útero da minha mãe (Dona Deleci), o primeiro tambor que ouvi, os tambores foram a minha primeira influência musical.
03) RM: Qual a sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Geraldo Cristal: Minha formação musical é uma informação musical, sou um analfabeto musical, sou um autodidata. A minha academia foi construída no terreiro de candomblé da minha mãe (Dona Deleci) em Cachoeira – BA e nas matas e floresta em que eu ia pequeno tocar tambor, na minha voz trago os sons da floresta.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente? Quais deixaram de ter importância?
Geraldo Cristal: Minhas influências musicais além dos tambores, são: Luiz Gonzaga, Os Tincoãs, Clementina de Jesus, Sandra de Sá, Jimmy Cliff, Bongo Man, Jacob Miller, Edson Gomes, Carlos Dafé, Tony Tornado, Peter Tosh, Luiz Melodia, Tim Maia, Bunny Wailer, Bob Marley. Tudo que eu ouvi foi filtrado e muito bem-vindo.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Geraldo Cristal: No começo dos anos 80, numa apresentação no porto de Cachoeira no Beira Rio, eu ingressei na banda Agulhas Negras junto com os meninos do Tororó, em que faziam parte: Dedel, João, Fernando, o ritmo era uma espécie de Samba Reggae.
06) RM: Quantos CDs lançados?
Geraldo Cristal: Lancei dois álbuns: Em 2002 – “Reggae essência”. Com as músicas: Reggae do trabalho; Reggaessência (Geraldo Cristal / Rogério Gaspar); Babilônia pra baixo; Carta ao presidente; Saindo de quem; Será diferente; Ciência do espírito; É de boa; Jahlivia; Libertação; Vaidades; Aí sacizeiro.
Em 2013, o segundo “Sendo assim…” que foi uma experiência, um plano B. Com as músicas: Na hora; Vamos nos nivelar; Ieshua Hamasheak; SusAgô; Fé mulher; Trabalhar pra Jah; Vampirizador de alma; Papai falou, Mamãe disse também; Sendo assim; RastafariEu; Subindo o Monte Sagrado Sião; Respire, Novo Rumo. Produção executiva Clovis Rabelo.
Em 2021, lancei o EP com quatro músicas (Elo; Mova-se; Lockdown Blackout (Repatria Riddim) feat. Echo Cultura; Pedra de Tropeço) produzidas com recursos do prêmio em que fui contemplado pela Lei Emergencial Aldir Blanc e também com o prêmio Jorge Portugal.
Produzido por Fabricio Mota . Todos os arranjos por Fabricio Mota e Geraldo Cristal exceto “Lockdown Blackout” por Danilo Jahpa, Dudoo Caribe e Fabricio Mota. Editado por Álvin Soares no Estúdio Casa Azul (Juazeiro, Ba) . Mixado por Bráulio Passos no Estúdio Rocinante (Araras, RJ). Masterizado por Arthur Joly no Estúdio Recosynth (São Paulo, SP). Produção Executiva: Rubian Melo . Arte visual: Klomb Studio. Fotografia: Everson Coutinho
ELO (Geraldo Cristal) .
Coro: Angela Lopo . Baixo, Synth Pad, Orgão 2, percussão eletrônica: Fabricio Mota. Bateria: Jorge Dubman. Guitarras: Enio Nogueira. Teclados, Órgão base, Synth, Wurlitzer, Lead: Juliano Oliveira.
Bateria, baixo e vozes gravadas no A Lagoa Grande Studios por Paulinho Rocha (Salvador, BA). Percussão eletrônica e Synth Pad gravados em Home Studio por Fabricio Mota (Salvador, BA). Guitarra Gravada em Home Studio por Ênio Nogueira (Salvador, BA). Teclados gravados em Home Studio por Juliano Oliveira (Vitória da Conquista, BA)
MOVA-SE (Geraldo Cristal).
Coro: Angela Lopo. Baixo: Fabricio Mota. Bateria: Jorge Dubman. Guitarras: Danilo Jahpa. Teclados, Synth, Wurlitzer: Juliano Oliveira. Bateria, baixo e vozes gravadas no A Lagoa Grande Studios por Paulinho Rocha (Salvador, BA). Guitarra Gravada em Home Studio por Danilo Jahpa (Salvador, BA). Teclados gravados em Home Studio por Juliano Oliveira (Vitória da Conquista, BA)
LOCKDOWN BLACKOUT (REPATRIA RIDDIM) feat. Echo Cultura (autores: Danilo Jahpa, Dudoo Caribe e Geraldo Cristal)
Arranjos: Danilo Japa, Dudoo Caribe e Fabricio Mota. Baixo: Fabricio Mota. Beat, Guitarras, teclados, efeitos, Drumbeat: Danilo Jahpa. Trombone: Matias Traut. Trompete: Fernando Isaia. Voz: Geraldo Cristal
Voz gravada no A Lagoa Grande Estúdio por Paulinho Rocha (Salvador, BA). Guitarra, teclados, Drumbeat gravados em Home Studio por Danilo Jahpa (Salvador, BA). Trombone e Trompete gravados em Home Studio por Matias Traut e Fernando Isaia (Salvador, BA). Baixo gravado em Home Studio por Fabricio Mota (Conceição do Coité, BA)
PEDRA DE TROPEÇO (Geraldo Cristal)
Baixo, Teclado base, Órgão tema: Fabricio Mota. Bateria: Jorge Dubman. Guitarras: Dell Santos. Teclados, Órgão base, Sinth: Juliano Oliveira. Percussão (Cowbell, Tambor Akete, meia lua, Ganzá e efeitos): Jardellion. Bateria, e vozes gravadas no Estúdio A Lagoa Grande por Paulinho Rocha (Salvador, BA). Akete, meia lua, cowbell e efeitos gravados no Jaguaribe Sessions por Felipe Santana (Salvador, BA). Baixos gravados em Home Studio por Fabricio Mota (Salvador, BA). Guitarra Gravada em Home Studio por Dell Santos (Recife, PE). Teclados gravados em Home Studio por Juliano Oliveira (Vitória da Conquista, BA).
07) RM: Como você define seu estilo musical dentro do reggae?
Geraldo Cristal: Groovisceral orgânico artesanal.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Geraldo Cristal: Como disse antes, sou autodidata, aprendo com a natureza.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Geraldo Cristal: Acho fundamental e imprescindível para que o cantor possa elaborar melhor seus arranjos e suas expressões artísticas como um todo. O cuidado vocal são aqueles básicos, não tomar água gelada, evitar chocolate, café, falar alto, etc…
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Geraldo Cristal: Mariela Santiago, Larissa, Luz, Clécia Queiróz, Zavan Live, J. Araújo, Imanijah, Luiz de Assis de Alagoas. Em Salvador – BA tem muita gente boa de A, a Z do Samba ao Rock.
11) RM: Como é o seu processo de compor?
Geraldo Cristal: É um processo de observação e contemplação da percepção do espírito.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
Geraldo Cristal: No momento, Rogério Gaspar e Rasbuta.
13) RM: Quem já gravou as suas músicas?
Geraldo Cristal: A cantora maranhense Célia Sampaio quis gravar a minha música “Reggaessência”, mas por ser na época uma das minhas músicas de trabalho que eu ainda não tinha gravado, achei melhor eu gravar primeiro. Mas me arrependi um pouco, pois na voz dela seria lindo, ela é uma pessoa fora do comum.
14) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Geraldo Cristal: Os prós são os gozos do formigamento de se fazer algo que se sente por dentro, sentindo que está no caminho certo. Fui arrebatado pelos sentidos. Os contras é a que indústria “midiática” é cara, e é duro bancar e manter isso de formar independente, ainda mais sendo um homem preto, rastafári, vindo do gueto de CBX Alagado lá no bairro Jardim Cruzeiro, em Salvador – BA. Pai e avô, que precisa manter a família, ajudando tantos os descendentes quanto meus próprios pais, Sr. Geraldo e Dona Deleci.
15) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Geraldo Cristal: Profissionalismo e disciplina. Isso me dá perseverança para continuar a seguir até o fim mesmo quando os caminhos são estreitos.
16) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira?
Geraldo Cristal: Rapaz, a busca de parcerias constantes. Vou ter que citar Yeshua, que mandou dois e não um, no ide e pregai. A busca eterna por pares e impares que podem somar nessa caminhada. “Vamos precisar de todo mundo, um mais um e sempre mais que dois” – O Sal da Terra, como diz a canção do Beto Guedes.
17) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira?
Geraldo Cristal: A internet facilita a pesquisa, a divulgação do trabalho do artista, além de ser uma plataforma fora das plataformas oficiais, que diminuiu a distâncias entre as pessoas, esse é um efeito benéfico da globalização. Prejudica pela apropriação indevida da arte alheia, das pessoas que se apropriam da minha obra intelectual, tirando proveitos financeiros do meu trabalho, com pretexto de divulgar minha obra e nem me comunica, mesmo sendo muito fácil se comunicar com o autor pelas redes sociais.
18) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Geraldo Cristal: O home estúdio deixou o custo de gravação música muito acessível, que otimiza os ganhos e enxuga os custos de uma gravação. Podemos gravar: Baixo, Teclado e Guitarra no home estúdio e depois gravar bateria e percussão numa gravação analógica valendo, para humanizar a sonoridade do virtual gravado dentro do home estúdio. Não vejo desvantagens, só vejo mais ganhos.
19) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Geraldo Cristal: A priori, Jahman, para nós artistas de um segmento de música reggae, aqui, na Bahia não temos um histórico de produtores e empresários que compartilhem com os nossos ideais e projetos artísticos. E acaba de certa forma tornando inviável a gente desenvolver uma carreira de forma ininterrupta. Ainda hoje, não é fácil, principalmente, um artista independente ter subsídios para poder bancar uma gravação mesmo em um home estúdio.
E no que se refere à concorrência do mercado, podemos entender que isso é estimulante e ao mesmo tempo desgastante porque existem dois tipos de pessoas neste mercado: as que carregaram as pedras e as que pegaram o bonde andando. O grande desafio é manter a sua integridade pessoal e, como eu costumo pensar, não existe resistência sem perseverança. Então, você tem que ser muito criativo para poder se aperfeiçoar e continuar olhando pra frente e acreditando.
20) RM: Como você analisa o cenário do Reggae no Brasil. Quais às revelações musicais nas últimas décadas e quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Geraldo Cristal: Parafraseou Bob Marley com as escrituras, dizendo que a vibração do Rastaman iria se espalhar na terra como a água cobre os mares e o reggae cresceu de forma imensurável no Brasil e no mundo. Mas eu costumo pensar que ainda não conseguimos o nosso lugar como artistas representantes da cultura africana. Aconteceu com o Blues, com o Jazz, com o rock ’n’ roll, e não seria diferente no terceiro mundo, uma espécie de neocolonialismo musical.
Então, você olha para o Samba e vemos uma presença forte africana na linha de frente, mas existe uma tendência de músicos fabricados em laboratórios que agem como ratinhos programados para desfrutar de forma desleal a maior parte da fatia do bolo no mercado fonográfico.
Mas, se tratando do cenário reggae, há uma quantidade gigantesca de artistas e bandas fazendo produções inconsistentes. Portanto, não alcançam a meta do sucesso imposta pelo mercado. Nas últimas décadas, eu posso mencionar: Ponto de Equilíbrio, quem mais se aproximou do ideário de produção de qualquer artista e banda de reggae do Brasil. Uma outra banda que eu admiro por se manter na estrada é a Tribo de Jah, com a liderança do Fauzi Beydoun, que tive o enorme prazer de fazer uma turnê com eles em 2004, após dividir o palco com a banda no festival República do Reggae em Salvador – BA.
E alguns artistas que continuam na perseverança que admiro: Zavan Liv, Danzi, Mariella Santiago, Imanija, Helio Moa Anbesa, Ciro Lima, a banda Vibrações, cujo cantor é Luiz de Assis, reggae com um sotaque alagoano. E outra banda de Itamambuca chamada Salve 012. Além dos veteranos do reggae Braga Jamaica, Valter Lamar, Dionorina, Gilsan, Ubaldo Warú.
21) RM: Quais os músicos já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Geraldo Cristal: São vários, irmão, e todos eles estão aí. Eu acho que de profissionalismo e de qualidade artística nós estamos abastecidos. Só que, batendo na tecla, precisamos de produtores e empresários que nos ajudem a avançar com nossos ideais e projetos, a exemplo do RAP. É exemplar como eles conseguiram se manter dentro do mercado crescendo de forma independente. A maioria dos artistas do reggae, não têm formação acadêmica, sobrenome e nem uma família que possa bancar nosso sonho. Por isso, de certa forma, sofremos um apartheid musical.
22) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado e etc)?
Geraldo Cristal: O que já passei na vida pessoal e profissional daria para escrever um livro. Mano, até um tempo atrás, a gente subia no palco e fazia “naturalmente”. Situações esdrúxulas, que até lembrar dá dor de cabeça e eu não quero sofrer duas vezes. Por favor. Brigas, vou lhe dar uma ideia. Uma vez, no palco Jubiabá, no Pelourinho, um guitarrista novo que tocava comigo viu um irmão dele sendo agredido, largou a guitarra e foi em defesa do irmão. Não pude fazer nada, era irmão dele…
Jahman, quando eu concorri em 1994 ao Troféu Caymmi – Salvador – BA, eu fiquei desfigurado. O show era às 19h na Concha Acústica. O guitarrista e o baterista chegaram atrasados e, de quebra e o tiro de misericórdia: fui avisado, que o saxofonista chegou com o sax subtonado. Imagine a cena! Um divisor de águas. Vamos ficar por aqui, pois sofrer de tabela é sofrer duas vezes (risos).
23) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Geraldo Cristal: Jahman, o que me deixa mais feliz é estar prestando esse serviço para o progresso, o desenvolvimento, fortalecimento da fé e a libertação e unidade africana. Servindo à humanidade. S.S.S.S.
E o que me deixa mais triste, dentro disso tudo, é a afetação dos micróbios ideológicos que vêm através dos condicionamentos. Mas, principalmente, a falta de unidade entre irmãos e irmãs. Além disso, tem a confusão instalada no nosso meio no que se refere à religião institucionalizada ou espiritualidade. E os traumas e as frustrações do cristianismo ocidental que nos impedem de conceber um criador preto ou um Messias libertador que foi eleito para ocupar o trono de Davi. Um dos tronos mais antigos do planeta, como era esperado no momento da aparição de Yeshua Hamashia em Jerusalém.
24) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Geraldo Cristal: Pagar o jabá é o velho costume do cachimbo, e que deixa a boca torta. Eu, acreditando no poder da música reggae, eu acredito que esse esquema do jabá pode ser amenizado pela necessidade de mudança de entendimento que os novos tempos anunciam. Eu acredito que, em breve, não haverá tempo mais para esses mecanismos reacionários.
25) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Geraldo Cristal: Primeiro, ele tem que se certificar se ele tem vocação. Segundo, se é realmente isso que ele quer fazer. No caso da música reggae, exige que você tenha um conhecimento da história geral, também um conhecimento musical, que é de suma importância.
26) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Geraldo Cristal: A grande mídia estabelece pré-requisitos que não alcançam as pessoas que foram colocadas à margem dessa fatia do bolo. Acredito que a grande mídia também não deve ser a meta para um trabalho revolucionário, a não ser que o artista ou a banda tenham pessoas eficientes para que possa penetrá-la sem perder a sua identidade, o que é quase impossível. E eu acredito que, quando Jah abre uma porta ninguém fecha, porque só Ele possui a chave.
27) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Geraldo Cristal: Eu quero parabenizar ao SESC, o SESI e o Itaú Cultural e todos os mentores desses projetos, porque em um país onde a cultura é algo tão presente, todos os espaços abertos para a música em si são sempre bem-vindos. Ainda mais quando nós estamos sempre correndo riscos de espaços que comportem uma música que não quer dizer somente “meu bem, eu te amo”, enquanto essas imposições vivem cerceando uma arte mais genuína e apropriada para um país que teve a sua história adulterada e a educação cada vez mais entrando no abismo da decadência.
28) RM: Você é Rastafári?
Geraldo Cristal: As crianças me chamam de Rastaman, pois Eu e Eu estou aqui para estabelecer o reino do Criador na Terra. E eles não podem proibir as crianças de ver a manifestação desse reino ao nosso redor. Ser Rastafári, acima de tudo, é um estado de espírito, de encarnar um conhecimento que nunca nos foi ensinado. É como uma disciplina que surge com a coroação de Sua Majestade, Haile Selassie, o poder da Santíssima Trindade.
Nós estamos na Terra antes mesmo de a rainha de Sabá sair da Etiópia e ir visitar o rei Salomão em Jerusalém. Assumir a identidade como Rastafári me fez ter um sobre entendimento sobre questões da história de como fomos sequestrados e como os homens sentaram-se em ‘45 numa mesa na Conferência de Berlim para decidir o destino da terra de Cush, África. E com esse conhecimento, foi como nascer de novo. Tudo teve um novo sentido.
Eu era um templo; meu cabelo, um voto ao caminho, a verdade, a vida. A minha alimentação, como uma forma de me preparar para receber a energia vital do princípio da criação. A ganjah, também, como incenso, para atrair as vibrações positivas, auxiliando na meditação e a leitura das Escrituras me vendo desde a Gênesis ao Apocalipse na história do povo eleito das doze tribos de Israel hebraica-africana. Tudo em meu ser se tornou a revolução. E a porta sem retorno começou a aparecer em minha volta.
Mas, examinando as Escrituras, observando o Salmo 89, eu descobri, me lembrando quem eu era antes de atravessar o Atlântico: um guardião do trono e da promessa de Davi. Como afirma o Salmo 89, versículo 36, “a sua descendência durará para sempre e o seu trono será como um sol perante mim.” Sua majestade Haile Selassie ocupou esse trono. Ou melhor dizendo, Sua Majestade herdou esse trono por linhagem. É a única referência para o povo africano de um rei da tribo de Judá que foi coroado na Etiópia em 1930. E como Ele havia dito no salmo que o trono seria como um sol perante Jah Rastafári Eu, o meu alcance é que quem sentou nesse trono, brilhará como o resplendor da glória do sol para a África e para toda a humanidade. É a manifestação do propósito de Jah Rastafari no governo humano.
E a convicção de que Jah deu à família real da Etiópia o direito de representá-lo perante a humanidade. É essa inspiração que me fez ressurgir como rastafári. Ressurrecto. E esse chamado foi para as crianças que foram preparadas antes da fundação dos tempos para receberem a promessa do reino depois da dispersão.
29) RM: Alguns adeptos da religião Rastafári afirmam que só eles fazem o reggae verdadeiro. Como vocês analisam tal afirmação?
Geraldo Cristal: Eu não sou o Rasta, eu ando na busca. E vou continuar batendo na porta no meu estado de espírito. Há uma diferença muito grande entre religião e espiritualidade. A religião, você tem que buscá-la em algum lugar. E a espiritualidade, ela vai lhe levar a todos os lugares. Porque está escrito, primeiro capítulo de Tiago, versículo 27: “a religião pura e imaculada para com Jah Rastafári Eu, o Pai, é essa: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, refrear a sua língua do mal e seu corpo da corrupção do mundo.” Em espírito e em verdade, Abapai procura os tais que assim o adorem.
Os pioneiros do reggae anunciaram que o reggae é uma música Rasta. E eu abraço esse código de linguagem. Nós somos os legítimos herdeiros da música de Jah. Isso não quer dizer que outras pessoas que se identifiquem com a música, mas não incorporem identidade rastafari também não possam fazê-la com propriedade. O que lamento é ver que algumas pessoas que se dizem regueiros ajam como se fossem um antimessias. Porque Rastafári é ungido e sua coroa não pode ser lançada por terra, Ele é o Mashiach e o pai da África para os africanos e para quem receber essa mensagem com coração puro e sem mácula.
É uma contradição que acontece muito mais no Brasil por desconhecimento, falta de boa vontade, e muitas vezes por mau-caratismo na cara dura. E muito em função dos dogmas também do cristianismo do ocidente, que bloqueou e tentou apagar os vestígios de uma linhagem de reis messiânicos que ocupariam o trono de Davi e que foi desenvolvida na Etiópia. Como diz em Isaías, capítulo 9, versículo 7. “Do incremento deste principado da paz não haverá fim sobre o trono de Davi e no seu Reino, para o firmar e o fortificar em juízo e em justiça, desde agora para sempre, o zelo do Senhor dos Exércitos fará isto. ”E no Salmo 89, versículo 4“ A sua descendência, estabelecerei para sempre e edificarei o teu trono de geração em geração (Selah).”
Sendo assim, podemos entender que não queremos que todo mundo seja Rasta. Mesmo porque esse mistério não é para todos. Então, se você for convidado para ir à casa de um Rasta e você estiver procurando algo que faltou no seu paraquedas, você deveria pensar duas vezes. Porque a casa de Jah Rastafari tem muitas moradas. Na verdade, talvez não seja essa a casa onde você quer estar. E você não pode ameaçar um Rasta dentro da sua própria casa. Máximo Respeito.
30) RM: Na sua opinião quais os motivos da cena reggae no Brasil não ter o mesmo prestígio que tem na Europa, nos EUA e no exterior em geral?
Geraldo Cristal: É uma questão de cultura e maior idade. O reggae estancou a sangria dos paradigmas que nos afligiam. A Europa e toda a América do Norte, de uma certa forma, estão mais próximos, uma pela questão territorial, outra pela questão linguística. E vamos pensar que, antes do terremoto, muitas coisas se desenvolveram do lado de lá.
Quando a música reggae aparece novamente, não que ela não existisse, o registro mais próximo veio de Saul, o rei da tribo de Benjamim. Quando ele estava acometido de um espírito de perversidade chamado Belial, ele chamava Davi para tocar a harpa, para deixá-lo tranquilo, livre da atribulação. Para a Europa, quando aparece o reggae com essa linguagem, do outro lado do Atlântico, eles estavam acostumados com essa linguagem porque até os artistas europeus pintaram Davi, contaram a história de Davi.
E Davi era filho de uma cananeia da tribo de Judá, que era a tribo mais preta das doze tribos de Israel. E da tribo também que Jacó, quando abençoou Judá antes de morrer disse que o cetro não se apartará de Judá nem o legislador dos seus pés, até que venha Siloéh. E a ele se congregarão os povos. Gênesis 49, versículo 10. Então, quando aparecem esses vultos, os salmistas dos reis de reis: Bunny, Tosh, Marley, com uma nova música e uma nova forma também de compor, causou uma certa estranheza.
E com isso, mesmo sem a ajuda da grande mídia, essa música tomou proporções astronômicas, chamando a atenção do mundo inteiro. Principalmente, quando se trata de uma música que tem uma raiz espiritual muito profunda. E toda a temática da música estava em torno da coroação de um rei desconhecido que se dizia da tribo de Judá, descendente da rainha de Sabá e de Salomão. Já aqui no Brasil, a distância da África e a questão linguística e também o fato de tudo em rastafari ser muito exótico: a estética, a alimentação, a ganjah, a leitura das escrituras, isso foi espetacular.
A forma em que esses códigos de conduta fizeram o marketing do cerne da mensagem. Devido à estranheza, todo mundo esperava, pelo aspecto de Bob Marley, um jonky, e os drogaditos de plantão que circulam no mainstream quebraram a cara. Tanto é que na Bahia, as pessoas costumam dizer que elas não comem reggae. E isso é um daqueles esquemas fraseológicos que são lançados sobre a população como tudo que ameace a dita paz social deles. DEM. Como se o reggae fosse sinônimo de petulância, falta de diálogo ou uma orgia de drogas.
Então, foram essas coisas que como se aparecesse do nada, além do preconceito racial, que são os desertos, os obstáculos que teremos que atravessar. O que mais me aflige é a ignorância dos homens brancos que circulam no meio do reggae, que têm formação até acadêmica e ignoram que nós estamos precisando de ajuda nesse bom combate.
31) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Geraldo Cristal: Existe uma diferença entre dom e talento. Eu sinto que o dom é algo como uma vocação e talento é algo que precisa de ajustes. Mas eu sei que rastafári também significa “cabeça criadora” e na trindade há um espírito consolador que nos ensina a respeito de todas as questões e assuntos. Ruach Hakodesh.
32) RM: Quais os prós e contras do Festival de Música?
Geraldo Cristal: O grande lance dos festivais de música, que eu acho, é a diversidade. Quando geralmente os jurados são regidos por uma avaliação, no que o ideal seria a arte pela arte, é ótimo participar. É como trocar figurinhas. Os contras é, dentro do que está sendo pedido, que vença o melhor. InI só estou contando com o que está dando certo.
32) RM: Festivais de Música revela novos talentos?
Geraldo Cristal: Depende de quem encomenda (risos). Tempos bons. Saudosos tempos de festivais de música.
33) RM: Quais os pros e contras de se apresentar com o formato Sound System?
Geraldo Cristal: O analógico é analógico. Tocar dentro de um formato de Sound System… eu, quando vi esse recurso chegar… eu venho do tempo que pra conseguir uma guitarra, um baterista com sua bateria, até um gravadorzinho daquele de alça… muita dificuldade. Década de 1980. Então, eu achei que quando apareceu essa onda de Sound System, dentro da limitação que ela permite, cabe uma banda dentro do formato; enxuga custos, otimiza ganhos e, na falta de uma banda, dá pra ganhar um trocado como plano B. Além do riddim também ser uma ideia genial, despretensiosa, liberar as faixas pra podermos usá-las vindo de produtores altamente cuidadosos. Mas o analógico continuará sendo o analógico. É por isso, que eu também me chamo groovisceral-orgânico-artesanal.
34) RM: Quais as diferenças de se apresentar com banda em relação ao formato com Sound System?
Geraldo Cristal: Vamos dizer que tocar com banda… tudo que acontece, tudo é aproveitável. A gente ensaia pra fazer um show e não um ensaio no palco. Mas tudo é necessário, até o que não é pra dar certo, que sempre acontece alguma coisa. Mas o que eu acho mais formidável é a fricção do calor humano nos instrumentos produzindo o som e o efeito. É um brilho diferente. Com a máquina, há como se ter um resultado parecido, mas máquina é máquina. Tem que ser usada como máquina.
35) RM: Quais os seus projetos futuros?
Geraldo Cristal: Hoje, nesse momento, eu só consigo pensar na música que é produzida no meu imaginário. Eu nunca pude tratar ela como eu gostaria de tratar: preparar meu corpo, minha mente, pra poder zelar dela como se fosse uma filha, um filho. Que ela pudesse desenvolver e que eu pudesse ajudá-la a desenvolver também, como Toots Hibbert falou do reggae como alimento de cada dia: que pudesse nutrir as pessoas no momento que elas mais precisam ser nutridas. Eu penso em ter uma estrutura melhor pra externar essa música que implode dentro de mim. Parece que eu ouço uma nova música que pode levar esperança em si, nas pessoas, como algo que renovasse sua vida cada manhã. Tenho o álbum – “Reggaessência” que está no Youtube e no Spotify, e um EP: Geraldo Cristal – Elo, que está em todas as plataformas digitais.
Quero agradecer Selva Manara e Paola Arbiser pela digitação do texto dessa entrevista. Agradecer Antonio Carlos Barbosa e desejar tudo de bem sem limite e que a sua revista RitmoMelodia mantenha essa abertura com artistas que precisam de espaços como esses, de pessoas como você. Certamente, são pessoas indispensáveis para o fortalecimento da arte brasileira. Agradeço pelo seu espírito de vida e que a luz do Mais Alto sempre esteja diante de seu rosto. Longa vida e sucesso à revista. H.I.S. Jah Rastafári Eu.
36) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?
Geraldo Cristal: (71) 98723 – 0747 | https://www.instagram.com/geraldocristaloficial
| https://www.facebook.com/geraldocristal
Geraldo Cristal: https://www.youtube.com/@geraldocristal7202
Geraldo Cristal – Elo – EP Completo – 2021 : https://www.youtube.com/@geraldocristal-elo1370
Elo – Geraldo Cristal: https://www.youtube.com/watch?v=xAliJIC3Nt0
Mova-Se – Geraldo Cristal: https://www.youtube.com/watch?v=5NHgncgZD6M
Pedra de Tropeço – Geraldo Cristal: https://www.youtube.com/watch?v=-3JNTuacT8M
Lockdown Blackout (Repatria Riddim) – Geraldo Cristal: https://www.youtube.com/watch?v=7OPL8v1oCpc
Álbum Reggae Essência – Geraldo Cristal (2002): https://www.youtube.com/watch?v=h7r0XRDqIbk
Geraldo Cristal / Reggaeessência / Coisa Forte Produções: https://www.youtube.com/watch?v=UOwhZrJz_0w
COISA FORTE PRODUÇÕES GERALDO CRISTAL: https://www.youtube.com/watch?v=Cvd69g6n67w
Subindo o Monte – Geraldo Cristal: https://www.youtube.com/watch?v=FOJOm5zbqKQ
07 Geraldo Cristal Babilônia pra Baixo Circuito Reggae 6: https://www.youtube.com/watch?v=1ybAeW1hCGw
Saindo de Quem? Geraldo Cristal: https://www.youtube.com/watch?v=q7TlOlzGBcY
GERALDO CRISTAL AO VIVO: https://www.youtube.com/watch?v=wdfn5-MKJnw
A música brasileira nos traz muitos talentos. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Parabéns, quanta luz,conhecimento, muita informação, preciosidades trazidas pelo Antônio…