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Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.

Felipe Radicetti

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O carioca Felipe Radicetti é compositor de formação clássica e premiado criador de música para TV, cinema, teatro e do cancioneiro popular, iniciou suas produções para TV na Globograph em 1987.

Atuou como maestro e criador de música para comerciais de TV no Estúdio Nova Onda de 1993 a 2015. Mestre em Música e Educação pela Uni-Rio, Radicetti publicou os livros “Escutas e olhares cruzados nos contextos audiovisuais” (2018), “Trilhas Sonoras: o que escutamos no cinema, no teatro e nas mídias audiovisuais” (2020), “Introdução à Composição Musical Tonal: guia para os primeiros passos” (2023) pela Ed. Intersaberes e “Você, compositor: contextos determinantes para criação musical” pela Ed. Consequência (2023).

É palestrante, professor da UNINTER, nos cursos EAD de Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Música. Fundador e Presidente da Associação Carioca de Organistas nos períodos de 1982/83 e 84/85 e Presidente da Associação Brasileira de Compositores para Audiovisual – Musimagem Brasil no período de 2012 a 2014. ​

Em 2021 associou-se a três outros artistas para fundar o selo discográfico “Zênitha Música”(https://zenithamusica.com.br ), para a distribuição de sua discografia, incluindo seu mais recente lançamento, o EP Lorca (2020). Gravado em parceria com a cantora Marianna Leporace e o guitarrista Daniel Drummond, o EP reúne canções de sua autoria sobre poemas do poeta espanhol Federico García Lorca.

Em 2023, a sua cantata “A Revolta dos Posseiros” circulou em turnê por sete cidades do sudoeste do Paraná e estreia em nova versão sinfônica em Maringá ainda em outubro deste ano. Esta obra para tenor, coro e orquestra teve sua estreia em Francisco Beltrão e Pato Branco em 2019, com a presença de protagonistas do levante agrário de 1957 ocorrido no sudoeste do Paraná, com a Orquestra Filarmônica de Valinhos (SP) sob a regência de Yonan Daniel.

Em maio de 2019, a sua suíte para violoncello e orquestra de cordas foi apresentada na Sala Cecília Meireles pela Orquestra Sinfônica da Uni-Rio, sob a regência de Guilherme Bernstein e Hugo Pilger no violoncello.

Felipe Radicetti compôs a música original para o curta “Quando o Tempo de Lembrar Bastou” de Felipe Quadra (2020) e o longa documentário “Vidas Descartáveis” de Alexandre Valenti (2019). Sua filmografia inclui ainda “Histórias da Fome no Brasil” de Camilo Tavares (2017), “Meu nome é Jacque” de Angela Zoé, “Scholles, semente da cor”, de Rejane Zilles (ambos 2016), “Castro Alves” de Silvio Tendler (1998), “Anjos do Sol” de Rudi Lageman (2005), “Walachai” de Rejane Zilles (2008), “Eu me Lembro” de Luiz Fernando Lobo (2013), “Duas Histórias” (2012) e “Nossas Histórias” (2014) de Angela Zoé, entre outros.

Indicado ao Prêmio Shell de Teatro de 2014 para Melhor Trilha Sonora pelo espetáculo “Sacco&Vanzetti”, Felipe Radicetti recentemente assinou a música original e a direção musical dos espetáculos “A Exceção e a Regra” de Bertolt Brecht (2023), “Olga Experimento” (2023), “O Dragão” (2021) e “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, de John Reed (2017), todas as obras encenadas pela Cia. Ensaio Aberto. Em 2020, criou a música original da montagem de Les Lianes, texto e direção de Françoise Berlanger para companhia de teatro belga La Cerisaie, que estreia no Teatro La Balsamine, em Bruxelas.

Em dezembro de 2015 lançou o seu quarto álbum de canções, “America”. De volta ao Brasil após dois anos residindo em Bruxelas, lançou em 2013 o álbum “Europa”. Antes, em 2009, lançou o álbum “SagradoProfano”, dedicado à fé e ao sincretismo afro-brasileiro. O seu primeiro álbum, “Homens Partidos” (2000), contou com a participação de Lô Borges, Geraldo Azevedo, Clara Sandroni e de Claudio Nucci, que também defendeu a canção Moleque-Marraio, classificada para as semifinais do Festival da Música Brasileira da Rede Globo. O CD “SuperLisa”, em parceria com Clarisse Grova, teve duas edições no Brasil (2003 e 2006) e Japão (2005).

Segue abaixo entrevista exclusiva Felipe Radicetti com para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 01.09.2023:

01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?

Felipe Radicetti: Nasci no dia 16 de junho de 1958 no Rio de Janeiro – RJ. Registrado como Luis Felipe Radicetti Pereira.

02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.

Felipe Radicetti: Certamente através dos discos que meu pai ouvia e no cinema (também havia discos de trilhas sonoras dos filmes famosos).

03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?

Felipe Radicetti: Sou graduado em Música – práticas interpretativas em órgão na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestrado em Música e Educação pela UNI-Rio.

04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?

Felipe Radicetti: Todos os discos do meu pai, como Henry Mancini e as trilhas sonoras de filmes e musicais assim como os Beatles a partir de 1965. Mais tarde, a música brasileira e a música clássica. Quando comecei a estudar música, já tarde, aos 17 anos, gostava de rock progressivo, principalmente Emerson, Lake & Palmer – por isso a escolha do órgão – e que deixou de ser influência nos dias de hoje.

05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?

Felipe Radicetti: Comecei em 1977 como músico da noite, tocando órgão em restaurantes chiques, depois de 1984 fazendo concertos como organista clássico; nesse período como organista fui contemplado com o 2º. Prêmio do Concurso Nacional de Órgão Antonio Silva (1983).

Em 1985 toquei no Projeto Aquarius do O Globo e novamente, em 1987, meu último concerto profissional. Desse tempo em diante passei a trabalhar na Globograph, criando e gravando música para comerciais e mais tarde no mercado publicitário.

A partir de 1994 fui tecladista e arranjador da banda do cantor Oswaldo Montenegro e comecei a criar trilha para teatro a partir de 1996. Apenas em 2000 comecei a minha carreira no cancioneiro popular, como participante do Festival da Música Brasileira da Rede Globo em 2000.

06) RM: Quantos CDs lançados?

Felipe Radicetti: Em catálogo, tenho seis álbuns. Fora de catálogo, vários outros, com coletâneas de trilhas sonoras de teatro e cinema e da produção para música de concerto.

Em 2020, lancei o EP Lorca, reunindo canções de sua autoria sobre poemas do poeta espanhol. Em 2015 o álbum America. Em 2013 o álbum Europa. Em 2009 o álbum Sagrado Profano. Em 2003 o álbum SuperLisa (lançado em 2003 no Brasil e em 2005 no Japão). Em 2000 o álbum Homens Partidos, que inclui a canção Moleque-marraio, classificada para as semifinais do Festival da Música Brasileira da Rede Globo de 2000.

E minha produção para a música de concerto, a cantata A Revolta dos Posseiros para tenor, coro e orquestra estreou em outubro de 2019, no Paraná; antes, em maio, a suíte O Golpe para violoncelo e orquestra de cordas foi apresentada na Sala Cecília Meireles pela Orquestra Sinfônica da UniRio, sob a regência de Guilherme Bernstein e com Hugo Pilger no violoncelo. Em 2005, a cantata O Interrogatório, interpretada pela orquestra da Cia. Bachiana Brasileira, sob a regência de Ricardo Rocha e gravada na série (CD) Painel da Brasilidade na Música de Concerto.

07) RM: Como você define seu estilo musical?

Felipe Radicetti: Depende, claro, da área de atuação. No cancioneiro popular, eu me sinto inteiramente inserido na tradição de gênero musical da MPB, ainda que eu já tenha meu estilo pessoal marcado. Quando estou compondo para teatro e cinema ou para as salas de concerto, há uma multiplicidade de influências, onde percebo a consolidação de uma idiomática que creio ser própria da maturidade.

08) RM: Você estudou técnica vocal?

Felipe Radicetti: Quando fui gravar o álbum Sagrado Profano – logo após o SuperLisa, decidi cantar algumas das canções, então estudei durante algum tempo com a Crismarie e ela supervisionou toda a gravação. Mas foi uma formação limitada e não me considero cantor, não cultivo o canto como deveria.

Hoje, acontece de eu cantar uma ou outra coisa no Quartô, o grupo que tenho com a Marianna Leporace, Cacala Carvalho e Rômulo Gomes. Mas cantar é algo eventual na minha vida. Como compositor, o que eu cultivo sistematicamente são os processos criativos em música.

09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?

Felipe Radicetti: Seja qual for o objetivo, técnica é uma ferramenta ou trajetória a ser percorrida que te permite realizar ou performar o que não te é possível fazer de forma espontânea. É também um sistema de procedimentos que permite a proteção e a conservação do aparelho vocal, que pode ser danificado e até lesionado de forma grave pelo uso inadequado. Imagina você lesionar e perder a voz quando é a sua ferramenta de trabalho?

10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?

Felipe Radicetti: Eu tenho em minha memória uma larga palheta de vozes que admiro e que tenho o prazer especial de ouvir desde sempre; há aquelas vozes que são referências de excelência em beleza e expressividade como o Milton Nascimento, Elis Regina, Gal Costa; mas há tantas outras referências de vozes que gosto de ouvir na MPB e na música internacional!

Mesmo autores que cantam suas músicas sabem expressar o gestual das palavras entoadas na canção de forma a comunicar profundamente ao ouvinte. Por isso, quando ouço cada um deles, sinto que a minha atitude é sempre receptiva: um exemplo é o Chico Buarque

11) RM: Como é seu processo de compor?

Felipe Radicetti: Eu sou um compositor profissional, portanto, todo o tempo que é dedicado ao trabalho envolve o processo criativo. Com isso quero dizer que após o café da manhã, havendo projetos a realizar, eu me sento e componho imediatamente. Isso significa dizer que meu trabalho criativo independe qualquer fenômeno que eu possa reportar como “inspiração”.

Eu trabalho, escrevo, gravo utilizando a memória de curto e de longo prazo como ferramenta, em um processo que descrevo em meu livro mais recente “Você, compositor: contextos determinantes para a criação musical”, publicado pela Editora Consequência do Rio de Janeiro. No livro entrevistei diversos compositores consagrados de nichos e tradições tão diversas como o samba, rock, MPB e de música de concerto e analiso os processos e asa particularidades dessas práticas.

Em pouquíssimas palavras, um compositor toma como ponto de partida a funcionalidade da música para aas sociabilidades a que deve servir: se é para uma roda de samba, para um concerto ou a trilha sonora de um filme, toda música tem uma função específica e para tanto, é preciso que o compositor faça uma escolha adequada de materiais, ou seja, escolha utilizar a combinação de notas, ritmos e acordes que sejam reconhecidos pelo público ouvinte como representativo de uma comunicação específica. Às vezes dá certo, outras vezes não, e é preciso abandonar aquela ideia e refazer o processo.

12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?

Felipe Radicetti: Nesses anos meus parceiros têm sido letristas, mas isso está mudando, recentemente fiz a letra de uma melodia composta pela Marianna Leporace, a Canção Mediterrânea, que lançamos recentemente pelo selo Zênitha Música. Mas desde 2000, em termos numéricos, fiz inúmeras parcerias com Marcelo Biar (Moleque-marraio, do Festival da Música Brasileira da Rede Globo, lembra?) que faleceu no início da pandemia do covid-19 e a Cristina Saraiva.

13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?

Felipe Radicetti: A palavra independente tem muitos sentidos e alcança significados diversos também. No início, ser independente significava não ter um contrato assinado com uma gravadora multinacional, significava estar “amparado” por recursos de comunicação, difusão e vendas profissional, capitalizado, capaz de promover a obra do artista a um alcance nacional ou até, em alguns casos, internacional. Ser independente era não contar com esses recursos de forma a estar exposto a dificuldades muitas vezes intransponíveis.

Nos anos 1970/80 vários artistas optaram por atuar como independentes em consonância com a percepção de um setor do público de que era um ato político, e uma ação cidadã por sua parte, de reconhecer e comprar a produção do artista independente. Houve, portanto, um conjunto de valores éticos compartilhados em diversos grupos sociais que conformaram aqueles fatos.

A derrocada das vendas da indústria fonográfica a partir dos anos 1990/2000, o inevitável recuo da influência da indústria e o barateamento das tecnologias de produção musical tornou viável a expansão da produção independente em um volume jamais visto.

Penso que hoje, todo artista é um pouco independente e isso permite a oferta de uma produção diversa e a multiplicação exponencial de aspirantes à profissionalização. É uma mega oferta de novos nomes e novos produtos culturais. Basta ver a vertiginosa oferta de novos fonogramas que aas plataformas de streaming publicam diariamente.

Penso que não está tanto nas mãos do artista aspirante a escolha entre o desenvolvimento de uma carreira independente ou, alternativamente, lograr obter um contrato com uma major. A mudança de paradigma no setor foi tão profunda que não é mais possível se manter aferrado aos mesmos valores ou mitos que se sustentaram no século passado.

Sobretudo é preciso deixar cair os velhos juízos. Ser independente é uma enorme responsabilidade a que todos nós estamos sujeitos como artistas e me parece que o momento é de debater, refletir qual o papel que queremos cumprir enquanto artistas.

14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?

Felipe Radicetti: Estratégia de planejamento é algo que ainda estou aprendendo, estudando e observando. Venho de uma geração de artistas que viveu a transição de um paradigma que simplesmente se evaporou. Nesse período, ninguém sabia – e ainda não se sabe bem – aonde se estava e para onde se ia.

Alguns artistas já há décadas com contratos em gravadoras multinacionais puderam viver essa transição com algum equilíbrio financeiro ou de forma menos traumática, mas aqueles que se inseriram na profissionalização enquanto independentes ensaiaram, tentaram, persistiram com planejamentos que precisaram de constantes ajustes de rota.

Hoje percebo que, entre muitas promessas de “coaches” e gestores de carreira artística há aqueles que se debruçaram sobre o problema e de fato, têm uma abordagem científica, ainda que preliminar sobre os cenários que se apresentam.

O que posso dizer sobre o meu trabalho é que dentro do selo Zênitha Música nós discutimos essa questão permanentemente, não existem fórmulas e o que mais tem sido determinante em nossas ações é saber o que queremos ser e significar para o público em nossa trajetória na música. Isso implica em contestar, todos os dias, o que vamos fazer.

15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?

Felipe Radicetti: Basicamente criamos um selo discográfico independente, o Zênitha Música e os canais de comunicação direta e regular com os fãs e clientes, entre eles o Programa Zênipapo, no YouTube. Além disso, quando você cria um projeto de produção e realiza, você impacta o meio mais próximo, os parceiros e colegas de profissão e o resultado do seu trabalho é a oportunidade de construir relevância para as suas ações. É o diálogo com a sociedade, seja no universo que você consiga alcançar, o que vai definir o seu desenvolvimento como artista.

16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?

Felipe Radicetti: A internet se tornou ferramenta essencial para o desenvolvimento da carreira de todos e em todos os setores. O que destaco como positivo é que através da internet é possível dialogar com o público desde qualquer lugar. Todavia, a comunicação sofreu uma modulação que creio ser negativa, que é a impermanência da atenção: tudo se dissolve no ar e todos disputamos uma atenção do público que se desfaz em poucos segundos. Isso prejudica e interfere negativamente na construção dos vínculos e o aprofundamento do diálogo.

17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?

Felipe Radicetti: Em primeiro lugar, claro, a democratização do acesso aos meios de produção musical. Muitos têm acesso às ferramentas para a produção e, portanto, para a comunicação para muitos. As desvantagens podem surgir das consequências de uma oferta excessiva de novos títulos, a todo instante: a gota em meio ao oceano, a invisibilidade e irrelevância. 

18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?

Felipe Radicetti: Essa é a grande questão para todo artista hoje. Estou ainda aprendendo a pensar sobre isso, mas desde que saí (tardiamente) do mercado publicitário, percebi que ser eu mesmo era a única coisa ao meu alcance. Paulo Leminski escreveu algo como “essa coisa de ser o que se é ainda vai nos levar além”. Ter uma visão consciente e cristalina de si mesmo não é tarefa fácil e as incertezas estão sempre me acompanhando. Já as adotei como companheiras de viagem e me servem muito bem, me lembrando que preciso, como artista criativo, evitar a homeostase, o lugar de conforto.

19) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular Brasileiro. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?

Felipe Radicetti: Cada tempo tem seus artistas de grande valor, e que se tornam vocalizadores de seu tempo. Como compositor ouço pouca música, porque a minha relação com a escuta é mito investida de trabalho, todos os momentos em que estou acordado toca música na minha cabeça, sejam existentes ou em construção.

Eu busco sempre pelo descanso acústico! Mas eu quero destacar o Emicida, o artista que ouço sempre de um lugar especial e atento. Sem citar nomes, observei, nestas últimas décadas, que aqueles artistas que buscaram se manter fiéis à tradição a que se filiaram e introduziram inovações em sua produção sem, contudo, romper com a tradição à qual o seu público o identifica, construíram uma trajetória consistente.

20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado, etc)?

Felipe Radicetti: Todas as alternativas colocadas na pergunta são verdadeiras e ocorrem com mais frequência do que gostamos de admitir. Na estrada há imprevistos, problemas, desgaste nas relações, problemas técnicos, assédio. Mas acho que a resposta a essa pergunta será mais rica quanto mais o artista tiver experiência na estrada o que não é muito o caso do compositor, que permanece em casa a maior parte do tempo…

21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?

Felipe Radicetti: Gosto de revisitar antigas obras e perceber nelas o registro de forças e expressões que identifico como ainda válidas; gosto de perceber que a produção criativa realizada é compatível com os anos investidos; gosto ainda de perceber que, com todos os inúmeros erros, decisões e escolhas equivocadas, o caminho seguiu sendo trilhado e que é reconhecido por colegas, por uma parte da imprensa especializada e por um público específico. É o que resulta da criação: um trajeto percorrido no tempo e que deixa rastros. São mais incertezas que tristezas, mas certamente há um isolamento recorrente: desde aquele que se revela quando as luzes do teatro se apagam e o público volta para o cotidiano, até a sensação de que se está retomando desde o começo, e desde a precariedade, sempre que buscamos o diálogo com mundo com algo novo nas mentes, nas mãos e em nossas vozes.

22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?

Felipe Radicetti: Não sei como definir o que se costuma chamar de Dom. A termo cria grandes problemas, porque envolve sistemas de crença. O que tenho observado é que ainda muito cedo, os indivíduos chamados talentosos foram incentivados ou mesmo induzidos a práticas musicais em que se observa um hiperinvestimento emocional e cognitivo nesse vínculo.

O desenvolvimento decorrente do vínculo aparece em alguns anos como algo que nos espanta, surpreende. Depois de ler muitas biografias dos chamados gênios da música, o fato inicial que me salta é a qualidade do vínculo que eles estabeleceram desde sempre, com a música.

23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?

Felipe Radicetti: Improvisação mesmo, é a livre associação de fragmentos ou licks que são reorganizados em conformidade com um esquema pré-definido de compassos e de sucessão de acordes. Nesse ambiente controlado, a performance pode (não necessariamente) ocorrer a invenção espontânea que caracteriza a improvisação.

24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?

Felipe Radicetti: As duas formas existem. Ao ser estudado antes, a performance que identificamos (ou confundimos) com a improvisação é uma variação livre, já pré-organizada ou mesmo composta.

25) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical?

Felipe Radicetti: Não estudei improvisação e não posso opinar de forma honesta, mas aqueles que folheei, apresentavam exercícios que constituem um ambiente controlado, uma estrutura programada que permite ao estudante a experimentação de procedimentos pré-organizados. E isso é pré-requisito indissociável da improvisação. Ainda vou estudar isso!

26) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?

Felipe Radicetti: Estudar é uma boa. Conhecer o procedimento dos compositores só vai ampliar o seu vocabulário de alternativas para compor arranjar e tocar melhor e de forma mais variada. O que é preciso ter em mente é que a formação musical nunca pode ser tomada como absoluta, não há verdades, há práticas e estas, muito variadas. Portanto, as “regras” servem para nos conduzir a um efeito específico que se insere em um estilo específico também e, portanto, só tem validade para a tradição ao qual está afiliado. Não há erro, há técnicas que nos ajudam a obter efeitos desejados para uma funcionalidade musical. E é só.

27) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?

Felipe Radicetti: No sistema da radiofonia, aqui no Brasil com o jabá ou nos Estados Unidos com o “payola” se não pagar não toca de jeito nenhum. Hoje o jabá está presente nas playlists das plataformas de streaming e por aí vai.

Em alguns períodos da histórica vamos testemunhar rádios como a Fluminense FM, a “maldita”, contemporânea do Circo Voador no Rio de Janeiro, onde não era preciso pagar jabá e essa foi a condição objetiva responsável pela profissionalização de inúmeras bandas que integraram a explosão do rock brasileiro. Com isso quero dizer que todas as políticas de gestão têm um impacto social específico, inclusivo ou não, democratizador ou excludente.

28) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?

Felipe Radicetti: Eu gostaria de dizes aos aspirantes que todos irão se deparar com os mesmos problemas, dificuldades e contradições de qualquer outra atividade profissional, mas quando se aspira a participação no negócio da música é preciso ter em conta que não é um negócio como outro qualquer. É um mau negócio para a quase totalidade dos aspirantes.

É um negócio que se insere no mundo do trabalho, onde o seu trabalho será eventualmente remunerado em um setor que não é economicamente regulado e que sofre importantes distorções de direitos, e que resultam em precarização. Assistimos e vivemos na própria pele períodos em que a nossa produção não é vendida ou distribuída a contento, e que nesses períodos você irá experimentar dificuldades financeiras.

Quase todos os artistas que conheci passaram por essa montanha-russa financeira que descrevo aqui. Por isso chamo tanto a atenção para a dissolução dos mitos sobre a vida artística. Mas estar conectado à realidade dos fatos não significa perder o desejo de perseguir, por toda a vida, o sonho de dedicar todos os seus momentos ao cultivo de fazer música, criando e/ou interpretando, cantando ou tocando um instrumento. O mais importante é ter em mente o que queremos representar, pagar o preço, assumir os riscos e cuidar-se, já que é tão fácil se perder.

29) RM: Festival de Música revela novos talentos?

Felipe Radicetti: Os festivais de música definitivamente cumpriram e ainda cumprem um papel essencial para a sobrevivência da canção popular urbana e rural. Nossos principais valores do cancioneiro ainda são aqueles egressos dos históricos festivais da Record e da Rede Globo e mais recentemente de destacados festivais regionais, como o de Avaré em SP, por exemplo.

Os festivais têm operado como ferramentas inclusivas e democratizadoras do acesso de jovens artistas aos sistemas de circulação de novas obras e de aspirantes à profissionalização como compositores e intérpretes.

30) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?

Felipe Radicetti: É preciso ter em nosso radar que a indústria fonográfica é um dos pilares estruturantes da instituição da canção popular urbana e eu explico a que me refiro: foi a invenção do disco o que permitiu a difusão e ampliação do alcance de produtos culturais locais.

A comercialização de discos modulou os modos de escuta musical, modulou as sociabilidades decorrentes do acesso à escuta de música nos espaços domésticos e coletivos e fez a indústria se tornar a potência que é e que tem sido há cerca de cem anos; portanto, a indústria fonográfica tem participado da gestão pública da circulação de bens culturais (de música) junto a outras mídias, como foi com o rádio e a TV e agora na internet também.

Esse papel central, naturalmente, exerce influência na forma como a imprensa vê a produção musical e, por consequência, a forma como analisa a produção musical, para o bem e para o mal, no sentido em que são influenciadas pela narrativa que representa a visão da indústria.

Mas para toda regra, há as exceções: enquanto alguns jornalistas são veículos de releases, há aqueles que genuinamente percebem que precisam conhecer e serem participantes das cenas artísticas locais e regionais para compreenderem os fenômenos sociais que são mediados pela produção musical. Esses são os críticos e jornalistas essenciais e que ajudam a escrever a história da música popular e de concerto brasileiras.

31) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?

Felipe Radicetti: Todas as oportunidades de circulação da produção musical que forem criadas são bem-vindas! A oferta de espaços em aparelhos públicos é sempre restrita, tímida. Essas instituições têm afirmado seu compromisso em promover o acesso aos aparelhos culturais para a música a partir de curadorias que utilizam critérios independentes daqueles praticados por empresas que precisam lucram com a exploração patrimonial da música. É precisamente isso que faz toda a diferença: ainda que nem todos consigam ter acesso, são os preceitos adotados nos editais que mitigam alguns dos efeitos nefastos do chamado mercado da música.

32) RM: Apresente seus livros.

Felipe Radicetti: publiquei: em 2023 “Você, compositor: contextos determinantes para criação musical” pela Ed. Consequência (2023). E “Introdução à Composição Musical Tonal: guia para os primeiros passos” pela Ed. Intersaberes. Em 2020 “Trilhas Sonoras: o que escutamos no cinema, no teatro e nas mídias audiovisuais”. Em 2018 “Escutas e olhares cruzados nos contextos audiovisuais”.

33) RM: Quais os seus projetos futuros?

Felipe Radicetti: Tenho sempre muitos projetos correndo ao mesmo tempo. Neste momento estou finalizando a composição de uma canção em parceria com o Rômulo Gomes, projetos para dois EPs, um em tributo a Sergio Ricardo, só com parcerias nossas e o segundo volume de canções minhas sobre poemas de Federico Garcia Lorca. Para a música de concerto, estou na fase final da composição do Requiem Amazônia, uma obra para soprano, coro infantil e orquestra sinfônica com 45 minutos de duração. Uma dramaturgia ficcional que escrevi sobre a floresta já destruída.

34) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?

FR: eu tenho os contatos em meu site oficial, e deixo aqui o convite para todos visitarem, o essencial do meu trabalho está catalogado lá para consulta, em https://feliperadicetti.com. Sejam benvindos!

Canal YouTube: https://www.youtube.com/channel/UC3N8O8PVHQUn2TKnlroprAg  

Moleque marraio (Felipe Radicetti) por Geraldo Azevedo: https://www.youtube.com/watch?v=XU2UBTm6jYw 

Playlist do álbum – Lorca: https://www.youtube.com/watch?v=y4_d_v_El3Q&list=PLA2_fkMc5Br4oammGYGP0XJWRTkEQXucJ 

Playlist do álbum América: https://www.youtube.com/watch?v=8_ZLjA059DY&list=PLA2_fkMc5Br4XdDdGRkQAZrapzupi3O-E 

Playlist do álbum Europa: https://www.youtube.com/watch?v=jLQqozeKfRk&list=PLA2_fkMc5Br6t3w7togbzzWmSMqsGh-Q0 

Playlist do álbum Sagrado Profano: https://www.youtube.com/watch?v=UwKF7Blou4U&list=PLA2_fkMc5Br7eL_uRLY4mAh1AGgtHyD6Q 

Playlist do álbum SupeLisa: https://www.youtube.com/watch?v=MPZ0bwyv-84&list=PLA2_fkMc5Br55cP_HHyQJYVVxrvIdvLna 

Playlist do álbum Homens Partidos: https://www.youtube.com/watch?v=a2l2ehhvvs8&list=PLA2_fkMc5Br7SQckYSB3stniVdZ6dE1Fd


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Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.