More Eugênio Leandro »"/>More Eugênio Leandro »" /> Eugênio Leandro - Revista Ritmo Melodia
Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.

Eugênio Leandro

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O compositor e escritor cearense Eugênio Leandro e sua família é de Limoeiro do Norte, onde viveu e, até hoje, mantém vínculos. Conviveu com uma gama de artistas populares que assomam pelo sertão do Vale do Jaguaribe.

Centrado na filosofia da produção cultural alternativa, tenta dar visibilidade a arte desdenhada pela mídia tradicional a solapar manifestações culturais autênticas.

Lançou seis discos autorais, com boa repercussão, considerado entre os bons cancionistas nordestinos; participou da antologia Cantorias e Cantadores, com Renato Teixeira, Xangai e Cida Moreira, da Kuarup Discos.

Autor de livros: em 1985 Rei Piau, contos; em 2002 Cego Oliveira, biografia, Ed Dem Rocha; em 2009 A Noite dos Manequins, contos, prêmio Moreira Campos, SECULT Ce; os livros infantis: em 2004 O Livro Passarinho, Prêmio Seduc Ce; em 2014 As Moradoras do Céu, Secult Ce, Edit IMEPH.

Segue abaixo entrevista exclusiva com Eugênio Leandro para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 20.09.2024:

01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?

Eugênio Leandro: Nasci no dia 25 de outubro de 1958. Minha família é de Limoeiro do Norte, Ceará, meus pais (dona Dolores e José Leandro) e 14 irmãos. Eles buscavam melhora na capital quando a seca piorava e nasci em Fortaleza – CE, na primeira dessas idas, voltando para Limoeiro com um ano de idade, onde fiquei até os 20 anos de idade. Registrado como Eugênio Leandro Costa.

02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.

Eugênio Leandro: Criança, em Limoeiro do Norte – CE, todo som, toda arte, chamava a atenção, as cantigas de minha irmã Bia, violão na calçada, a sanfona do lendário Mundico da Serra Azul, que se albergava no vizinho, o rádio da sala, pedintes, brincantes, passantes, o sertão é uma festa.

03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?

Eugênio Leandro: Sou totalmente intuitivo. Meu pai solava melodias no violão e acabei aprendendo, desde os sete anos de idade. Tocava, mas queria mesmo era escrever. Em 1978, sai de Limoeiro do Norte – CE, já com um livro de contos, para fazer vestibular, e em 1983 me formei em Direito, na UFC – Universidade Federal do Ceará.

04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?

Eugênio Leandro: Limoeiro do Norte – CE tinha duas rádios, no padrão do interior, nos anos 60, e eu processava tudo. Ajudava minha irmã Bia a cuidar dos menores, a casa meio no mato, frente à Chapada do Apodi, água de bomba e lamparina. Ela gostava de cantar, e o rádio era o celular da época, aberto o dia todo.

Depois, veio a inquietação de ouvir o que não tocava no rádio, afastar a cortina, descobrir o que havia por trás do grande pastel. Fora de casa, na aura do sertão, nomes lendários, como Rogaciano Leite, Patativa do Assaré, Luís da Câmara Cascudo, poetas, emboladores, quermesse, brincança, e eu bebia tudo. É com esse esteio geral que vou fazendo o que faço, diletante, udigrudi, independente, no possível.

05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?

Eugênio Leandro: Como disse, queria escrever e parti para desvendar esse universo, até que conheci Rogaciano Leite Filho, poeta, boêmio, editor de Literatura do jornal O Povo, que virou parceiro e irmão. Eram tempos sensíveis de ditadura, numa Fortaleza – CE efervescente de cultura, luta, boêmia, artistas mobilizados.

Numa dessas farras, acabei cantando, e o amigo Rogaciano já tratou de me passar poemas para eu colocar melodia e em 1978 inscrever no Festival Universitário da Canção – UFC. Acabamos em 4º lugar, mas conheci todos do movimento musical da época, que me acolheram com carinho. Assim, a música, de resposta mais imediata, acabou me levando pelos palcos do movimento que, praticamente, possibilitou todos os meus discos, principalmente, os Centros Acadêmicos de Medicina e Agronomia da UFC.

06) RM: Quantos álbuns lançados?

Eugênio Leandro: Tem os LPs: em 1986 Além das Frentes; em 1990 Catavento. CDs: em 1996 A Cor Mais Bonita; em 2001 Castelo Encantado; em 2007 À Hora dos Magos, instrumental; em 2016 Escrito nas Jangadas.

Publiquei os livros: em 1985 Rei Piau; em 2001 Cego Oliveira; em 2004 O Livro Passarinho; em 2010 A Noite dos Manequins; em 2014 As Moradoras do Céu.

06) RM: Como você define seu estilo musical?

Eugênio Leandro: Francamente, talvez por nunca me preocupar com o assunto, acabo sem uma resposta objetiva. Tento fixar o que vem com aquela coragem e animação do criar. O que dizem, ouvindo o que já fiz, é que as canções reportam muito ao que bem nos cerca, Nordeste, cantador, ibérico, mouro.

07) RM: Você estudou técnica vocal?

Eugênio Leandro: Cantei em corais de Limoeiro do Norte e no Coral da UFC, com a maestrina Izaira Silvino, quando vi noções de técnica vocal, mas pela indisciplina, acabo mesmo no A palo seco, meio aboio, da jaguaribéria do Vale, como diz o poeta Tarsio Pinheiro.

08) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?

Eugênio Leandro: Entendo que, para tudo, tem-se que manter a mão quente. Às vezes a gente quer confiar só no talento, mas logo vê que é necessário o treino, o exercício, o ensaio, principalmente, para quem se apresenta pouco, como eu, entre a escrita e outras produções.

09) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?

Eugênio Leandro: Tirante as de imensa consagração, como Elza Soares, Elis Regina, o que me toca é mesmo o intuitivo. A qualquer momento uma voz, um trejeito, um timbre de uma amadora, uma anônima, podem me fazer estacar de admiração. E repertório certo, que é crucial.

10) RM: Como é seu processo de compor?

Eugênio Leandro: Não tenho muita regra, mas o que vem de interessante no violão, nos livros, trato de memorizar, vincar páginas. Também costumo anotar lampejos, que ficam ali uns dias, até desenvolver, ou não. Talvez por ter iniciado buscando letras na quietude dos livros, acabo sem muito traquejo para parcerias cara a cara, da hora, com alguém.

12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?

Eugênio Leandro: Pela Literatura, acabo tendo acesso aos livros de todos os amigos. A partir daquela provocação do Rogaciano Leite Filho, comecei a pinçar poemas com o olhar de compositor. Assim, musiquei Márcio Catunda, Tadeu Costa, meu irmão; Nirton Venâncio, Alan Mendonça; e o Oswald Barroso, de forma mais constante, é com quem tenho mais parcerias.

13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?

Eugênio Leandro: Sempre trabalhei dessa forma. Apenas, segui meu jeito de viver, sem amarras, da autogestão, e sempre admirei os artistas alternativos. É como se necessitasse dessa liberdade, sob pena, talvez, de não realizar nada.

O contra, é a falta de estrutura, porém, sigo contente, nesse modo diletante, sem a cobrança de produtores, sem os ditames de praxe. Se não dá certo de um jeito, faz de outro, tentando, inclusive, fazer frente aos desafios desses tempos de uberização na arte.

14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?

Eugênio Leandro: Por me ver entre música e literatura, de processos muito distintos, vivo de tentar mudar a chave para viver um e outro, e sem muita estratégia, a não ser garantir o criar, produzir. Vou tornando público aquilo que julgo pertinente, nos espaços disponíveis, na confiança de que possa interessar a alguém, e procurando atender a quem me chama. Já para a feitura de um disco, livro, sim, costumo planejar melhor, mostrar antes a pessoas próximas, e vou moldando busca de recurso, lançamento, essa coisa.

15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?

Eugênio Leandro: Não sou muito sujeito a maratonas, portanto, um artista de tiro curto, um conto, uma canção, um disco, um livro, e vou levando. Poderia ser mais profissional, mas a produção acaba meio improvisada. Quando vem a ideia de gravar, lançar, é correr atrás das alternativas, amigos, admiradores, entidades do movimento social, cultural, editais, quando tem, até dar certo.

16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?

Eugênio Leandro: Ajuda, nas facilidades que oferece quanto à divulgação e relações, mas há um lado sem regulação ou monitoramento eficaz que, creio, o mundo inteiro demora a cuidar.

A medida entre ônus e bônus é a que foi criada e imposta por eles, sem muito considerar atividades e relações distintas, como o Uber, o entregador e os criadores, que lidam com arte nas plataformas, e demandam direitos distintos.

Pelo que entendo, são 4 ou 5 big techs no mundo, remodelando tudo ao seu jeito, e com pouco questionamento por parte das lideranças globais, que resguardem as pessoas comuns desse poder.

17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?

Eugênio Leandro: Creio que são muitas as vantagens. Fazer em casa era tudo que o grande Antônio Adolfo queria, na época, né. No meu caso, trabalho com estúdios de produtores amigos, até como forma de apoiar, e me restando mais tempo para a criação, que é o meu foco.

18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?

Eugênio Leandro: O que entendo é que o mundo todo deu uma volta grande, em termos de inovação tecnológica, que não para, e estamos todos nessa tonteira. Creio que o melhor é procurar não se aperrear, não se encher de ansiedade, e criar, criar, fazer bem, no ludismo da arte, por que o artista, a arte, necessita desse desprendimento, para a sua verdade. O resto, pertence ao mundo de fora, e se faz o possível, na medida de cada um.

19) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular Brasileiro. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?

Eugênio Leandro: Nesse mercado ávido por lucro, apostando no puramente comercial e corriqueiro, admiro demais a luta dos que conseguem fazer a boa música dentro dele.

Como requer tempo, persistência, articulação, estômago e sorte, que nem todos têm, buscamos alternativas, mesmo com o sistema que se dispõe, no caso de rádios, tvs e plataformas digitais engessadas.

20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?

Eugênio Leandro: Graças, que pude dividir palco com muitos grandes da música, como Belchior, Ednardo, Geraldo Azevedo, Chico César, Patativa do Assaré, e são muitos os folclores dessas andanças. No momento, lembro de um que, quando quero esquecer, alguém que viu cuida de lembrar.

Andando com Elomar e Xangai pelo Nordeste, me apresentei bem, em Natal, o público aplaudindo e, ao sair do palco, não despluguei o violão, já o levando com cabo e tudo. O público emendou as palmas com gritos de cuidado, cuidado! Foi esse público querido quem me salvou de maior vexame.

21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?

Eugênio Leandro: De feliz, é ver que esse fazer artístico tem seu poder de empatia, de agregar e fazer bem. O triste é ver tanta criação e seus criadores sem o devido reconhecimento, nesses tempos cada vez mais rasos.

22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?

Eugênio Leandro: Minha mãe foi quem me convenceu disso, pra me tirar das brincadeiras de menino, em Limoeiro, pois, sobrava pra mim, os convites pra tocar nas gincanas, escolas, quermesses, e eu, mergulhado noutras coisas.

Era o bastante pra ela dizer, meu filho você tem um dom, e dom, só Deus dá, e tem de repartir. Bom, cresci com essa lição, e me considero um afortunado por poder criar, causar algum interesse, e poder repartir.

23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?

Eugênio Leandro: Admiro demais os que fazem, mas não levo o menor jeito, nem no repente, nem na música. Na limitação do empírico, tenho de me policiar pra não sair de tempo, não correr, e a improvisação que faço é a mais elementar, somente para o show não parar.

24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?

Eugênio Leandro: Gosto demais de prodígios como Django, Gary Potter, Birelli, o nosso Yamandu, e ali você vê o que é improviso, mas acredito que poucos façam aquilo sem muito e muito ensaio, justamente para terem o domínio de se soltar.

25) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?

Eugênio Leandro: Ao natural, quando toca, é a conta gotas, por conta de algum profissional de espírito mais livre. E sem a sistemática necessária pra que a música fure a bolha, e nem sei mais se é bom furar a bolha, hoje em dia, pra durar apenas meses.

A salvação do independente é a força de sua criação e suas cantorias, apostando no ditado da água mole em pedra dura, através de admiradores que levam e trazem. Outra salvaguarda veio por conta do surgimento das emissoras públicas, com programação e profissionais mais sensíveis à causa.

No caso do Ceará, seria muito difícil o público conhecer os alternativos se não fossem a Universitária FM e, mais recente, a FM Assembleia, que fecham questão com a boa música.

26) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?

Eugênio Leandro: Que explore o seu talento o quanto puder e, por via das dúvidas, pague o INSS e lute pelo SUS.

27) RM: Festival de Música revela novos talentos?  

Eugênio Leandro: Pois é, falam em acabar com vaquejadas no Nordeste, corridas de touro na Espanha, mas ainda persiste essa ideia da arena de gladiadores, o campeão de música, em detrimento de 300 ou mais derrotados. É algo que não me move, e luto por novo modelo.

Lembro que na gestão da prefeita Luizianne Lins, em Fortaleza – CE, nas demandas dos músicos, alguns reclamavam por festival e outros pela mostra, o que necessitou fazer uma votação. A ideia da mostra acabou vencendo por boa maioria, e que a gente batizou de Mostra Petrúcio Maia, em homenagem ao querido compositor. Quer dizer, numa premiação de cerca de 100 mil, que seriam para 3 ou 4 artistas, custeou cerca de trinta ou mais caches de shows em bairros e lugares estratégicos da cidade.

28) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?

Eugênio Leandro: O que salva é a filosofia alternativa, por que nas mãos da grande mídia, pouca coisa acontece fora do corte que elas fazem. Para um grande Chico César na grande mídia eles jogam uns 500 Chororós e Telós, e temos de nos haver com essa tormenta.

29) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?

Eugênio Leandro: Todo apoio que vem para as artes parece pouco, por que Cultura custa caro, e tem-se de louvar essas ações e iniciativas.

30) RM: Quais os seus projetos futuros?

Eugênio Leandro: Há tempos que estou pra fazer novo disco e livro. Muitas canções e escritos nas gavetas.  Quero ver se avanço nessas ações ainda este ano.

31) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?

Eugênio Leandro: [email protected] | https://www.instagram.com/eugenioleandro.ind 

Canal: https://www.youtube.com/@EugenioLeandro 

Edital Cultura Dendicasa SECULT CE 2020: https://www.youtube.com/watch?v=CGsocL4pz1g 

Eugênio Leandro – Consonância (show completo): https://www.youtube.com/watch?v=rQBMKmMdfPg 

https://open.spotify.com/intl-pt/artist/0qld97aNN0KMoPOJxqq4q2


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Comments · 2

  1. Parabéns ao artista por dar visibilidade a manifestações culturais autênticas. Novamente, outra entrevista muito boa como todas realizadas pelo Antônio Carlos.

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