O artista pernambucano Beró traz misturas explosivas em seu primeiro álbum solo Raio Mata: fantasia, brasilidade e choques elétricos.
Lançou em junho de 2024, o álbum Raio Mata é uma brincadeira musical repleta de ritmos eletrizantes e envolventes. De início, sua sonoridade fisga o ouvinte pelo dinamismo, melodias nostálgicas e poética catártica.
O álbum traz influências de música progressiva e psicodélica misturadas a intensos jogos percussivos, que levam o ouvinte a embarcar em uma espécie de aventura divertida e completamente imprevisível. Por fim, uma grande conclusão melancólica reflete, entre outras coisas, a saudade de dias mais simples.
Beró é um artista pernambucano que começou sua carreira musical com a banda Qampo, onde gravou seu primeiro disco “Ao Espírito da Hora Passada”, com produção de Fábio Trummer (banda Eddie).
Durante a pandemia, compôs diversas canções que despertavam sentimentos marcantes e inexplorados e percebeu que era a hora de experimentar gravar um disco solo. Depois de muito sangue, suor e lágrimas, finalmente, Raio Mata veio ao mundo sob a excelente produção de Pedro Bettin e a eletrizante estética de Rogi Silva.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Beró para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 02.10.2024:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Beró: Nasci no dia 15 de outubro de 1995, no Recife – PE. Contudo, passei grande parte de minha formação em uma pequena cidade chamada Moreno – PE. Registrado como Pablo Antônio Rodrigues Ferreira da Silva.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Beró: Tenho ótimas lembranças de ouvir LPs do Trem da Alegria e Balão Mágico quando muito menino, mas acredito que meu despertar para o interesse musical aconteceu por volta dos meus 9/10 anos de idade, quando fiquei completamente obcecado por Michael Jackson. Mas se estamos falando de uma conexão para além do entretenimento, definitivamente foi em minha adolescência, onde eu descobri o rock Metal e o Punk.
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Beró: Não tenho formação musical, tive apenas aulas introdutórias ao violão na casa de um vizinho, em Moreno – PE. Contudo, sou formado em Cinema de Animação pela UNIAESO – Centro Universitário AESO Barros Melo.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Beró: Hoje em dia, tenho influências bastante diversas, contudo, se eu fosse sintetizar as mais importantes para meus trabalhos eu diria: Animal Collective, Os Mutantes, Connie Converse, Daniel Johnston, Beach Boys, Tom Zé e David Byrne.
Em minha juventude, tive muitas influências de rock metal e punk porque eu costumava ter bandas desses gêneros. Embora não toque mais metal ou punk, acredito que ainda assim posso beber na fonte de uma coisinha ou outra dessa época.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Beró: Desde que aprendi a tocar violão, sempre estive tocando em alguma banda. Mas sinto que minha carreira musical realmente começou por volta de 2017 quando formei com meu querido amigo Rafael Zimmerle, a banda Qampo. Ao longo dos anos fizemos muito shows, mas lançamos nosso primeiro álbum somente em 2024, bem pertinho do Raio Mata.
06) RM: Quantos CDs lançados?
Beró: Posso dizer que tenho dois álbuns, o primeiro sendo “Ao Espírito da Hora Passada” com a minha banda Qampo e o segundo sendo minha estreia de trabalho solo, “Raio Mata”. Ficha técnica: Letra, arranjos, violão, guitarra e voz: Beró. Baixo: Mago Julho (Caminhos Abertos), Marilia Alves (O Passeio do Urubu), Pedro Bettin (Parola). Percussões: Guilherme Barradas (O Passeio do Urubu), Pedro Laporte (Raio Mata, Trópico), Beró (Trópico). Sintetizadores: Rafael Zimmerle. Mixagem e Masterização: Pedro Bettin.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Beró: Se tratando de Raio Mata, acho essa uma pergunta engraçada, porque realmente não sei a resposta. Gosto de pensar que Raio Mata, sobretudo, é uma brincadeira musical. Nele eu coloco um pouco de muitas coisas que me movem, desde o new wave, experimentalismo, um pouco de rock e até sunshine pop.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Beró: Eu comecei sozinho, aprendendo em casa mesmo. No youtube tem muito conteúdo legal para você explorar se quiser aprender a cantar. Contudo, vale mencionar que poucos anos atrás tive algumas aulas particulares de canto. Lá eu aprendi um pouco sobre técnica, mas como foi por pouco tempo, acredito que aprendi muito mais coisa estudando sozinho.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Beró: Estudar técnica é essencial para se fazer tudo o que quer com a voz, até pra ser disruptivo. Uma boa performance vocal ao vivo muitas vezes basta para cativar uma audiência, então cuidado com a voz também é importante.
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Beró: Milton Nascimento, Evinha, Karen Carpenter, Brian Wilson, Avey Tare.
11) RM: Como é seu processo de compor?
Beró: Gosto de brincar com o violão com um tema musical ou alguma linha melódica interessante, e em paralelo já esboçando alguma letra sobre o que a música está me levando a pensar. Contudo, existem raras ocasiões em que sou acometido por um rompante criativo no qual a letra e arranjo já vem praticamente prontos.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
Beró: Para a banda Qampo, meu grande amigo e parceiro de banda Rafael Zimmerle. Mas para meus trabalhos solo, definitivamente minha gata Missy.
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Beró: Acho que o lado positivo é que você pode de fato fazer absolutamente o que quiser sem nenhuma amarra. Contudo, o verdadeiro desafio é fazer o seu som ser levado a sério como não só uma expressão artística, mas também como trabalho. Acredito que sem a influência das gravadoras, você está condenado a navegar sozinho sem nem sequer uma bússola.
14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Beró: Essa é uma pergunta que eu tenho tentado responder há um tempo. Eu acho que eu tenho que conciliar algo que eu fique confortável de fazer com algo que eu preciso me submeter para atrair atenção para meu trabalho. Contudo acho que sair um pouco de sua bolha e conhecer artistas legais ao seu redor é uma maneira de fazer essa troca acontecer também.
15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Beró: Acho que a prática mais importante que todo mundo deveria fazer é levar seu trabalho a sério. Se você acredita no seu trabalho e quer que ele dê bons frutos, é importante fazer coisas que vão construir uma sólida imagem artística sua. E isso consiste no estudo constante de suas referências e também das mecânicas de plataformas de redes sociais.
16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?
Beró: O que ajuda é que assim como eu gosto de garimpar sons interessantes e inusitados por aí, outras pessoas podem fazer isso com meu som. Não só isso, mas entrar em playlists renomadas fazem seu trabalho ser associado a sons legais logo de cara, e isso é algo que a internet faz muito bem. Contudo, o lado ruim é que é necessário entender o algoritmo que não só muda constantemente, como te faz competir a atenção com todo tipo de conteúdo por aí.
17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Beró: Nesse caso acho que só tem vantagens. Ter a liberdade de gravar tudo com calma e no tempo que você quiser sem a preocupação de ter que estar pagando por diária ou hora em um estúdio profissional, é um solo altamente fértil para qualquer artista.
18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Beró: Acho que no meu caso, eu não necessariamente me empenho em me “diferenciar” dos outros, sabe? Acho que gosto de me focar em coisas que atraem meus ouvidos, e que também se assemelham com coisas que gosto de ouvir. Sinto que por viver caçando e desfrutando artistas diversos, meu trabalho acaba se diferenciando naturalmente de outros trabalhos mais segmentados.
19) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular Brasileira. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Beró: Sinto que estamos em uma grande primavera artística acontecendo no país. Artistas como Ana Frango Elétrico, Getúlio Abelha, Sophia Chablau, Una, Sofia Freire, Tagore, Negro Leo, Pedro Vilela, representam o que há de mais novo e único nos últimos anos.
Gosto sempre de ouvir coisas novas vindo desse pessoal e de muitos outros, e confio em seus instintos para me apresentarem novos caminhos também. Acho que por mais que eu não goste tanto de um trabalho de um determinado artista, nunca sentirei que sua obra está regredindo, porque o que foi feito, foi feito e sempre estará lá.
Penso que às vezes o artista pode caminhar por uma estrada que dialogue mais com o que ele está sentindo no momento e que talvez isso não se comunique comigo agora, e está tudo bem também, sabe?
20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado, etc)?
Beró: Lembro de um show que fizemos com a banda Qampo em uma universidade no Recife – PE, onde fomos introduzidos pela apresentadora do festival como uma banda de “rock esotérico”. Rachamos o bico na hora, porque ela soltou essa do nada, quando a gente já estava no palco e acredito que isso gerou uma expectativa grande no público.
E claro, como tinha que ser para qualquer boa história de mico, deu tudo errado nesse show. Nossos samples ativaram sozinhos, a bateria quebrou e tudo ficou a maior confusão.
Eu lembro que ao ver os olhares confusos da plateia, eu fiz questão de parar o show e avisar a todos que tudo tinha dado errado e que a gente não costumava ser tão ruim quanto parecia. Por sorte, poucas pessoas viram essa “incrível” performance.
21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Beró: O que me deixa mais feliz é estar produzindo som que eu gosto de ouvir com meus melhores amigos. Acho que me deixa triste, para além das dificuldades de ser um artista independente, é que não importa o quão bom ou único você seja, se você não dominar os algoritmos você nunca terá relevância de fato. E por muitas vezes, todo o empenho artístico e financeiro que você coloca em sua obra, se perde, como lágrimas na chuva.
22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Beró: Não acho que exista dom, não. Embora, acho que exista predisposição para determinadas coisas. Todo mundo pode ser um bom compositor se estudar e se empenhar bastante nisso, assim como para todas as outras áreas.
23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?
Beró: Acho que consiste na livre criação em tempo real de música baseada em uma determinada norma harmônica/melódica.
24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
Beró: Existe sim, e é definitivamente algo que precisa ser estudado antes para ser aplicado depois. Mas note que não me refiro necessariamente ao estudo de teoria musical, porque tem muito artista por aí que nunca estudou teoria musical, mas possui o domínio da música através da prática e da audição.
25) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical?
Beró: Eu não sou um grande improvisador, então posso falar somente pelo que sei. Acho que não existe nada mais hipnotizante do que um bom improvisador musical performando ao vivo.
Frank Zappa dizia que seu show era sempre uma coisa nova a cada noite, e que ele nunca sabia o que iria acontecer. Isso por si só, já torna a experiência entusiasmante para o artista e para quem vê. Apesar de eu não me aventurar tanto pela improvisação, tenho muito respeito e absolutamente nada contra esse método.
26) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?
Beró: Acho que você só tem a ganhar no estudo de harmonia, sinceramente. Estudar harmonia para o músico é tão crucial como se conhecer as ferramentas para um mecânico. Harmonia é o material de trabalho que permite você dobrar, repartir e embaralhar o quanto quiser, mas ainda fazer algo coerente e cativante.
27) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Beró: Sim, só que talvez demore, ou não toque nas rádios de maior relevância, mas é possível sim. O importante é saber divulgar seu trabalho na internet.
28) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Beró: Acho que esse approach de falar “desista” para novos artistas meio batido e um tanto piegas para falar a verdade. Ninguém que está começando quer ouvir isso e sinceramente acho que a maioria esmagadora de novatos não subestimam as dificuldades de uma carreira musical.
Contudo uma coisa nesse approach é certa, que é alertar que se trata de um caminho muito doído, e que por muitas vezes é injusto. E você abrirá mão de muitas coisas (inclusive sua sanidade emocional) no processo.
Mas se mesmo assim isso te cativar, indico fortemente você garimpar artistas do mundo todo, o TEMPO INTEIRO. Dissecar artistas que lhe inspiram, ouvir suas influências. Ler bastante sobre produção musical de diversos discos e sobre música em si.
Acredito que a leitura constante também ajuda na escrita, então definitivamente é algo que você tem que fazer constantemente. E claro, compor o tempo todo, mesmo que não saia nada bom, ou que ninguém escute. Porém, a prática leva a perfeição, né.
Ninguém fica esperando cair um “eleanor rigby” no colo do mais absoluto nada, então vá praticar! Bom, é isso que eu faço, e pelo menos para mim, tem dado certo pra o que eu quero fazer.
29) RM: Festival de Música revela novos talentos?
Beró: Certamente, conheci artistas incríveis em diversos festivais de música.
30) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Beró: Bem, suspeito que se trata de um grande jogo de influências. Bons números para ambas as partes sempre vão se sobressair perante qualidade.
31) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Beró: Acho incrível, sei que pelo menos no Sudeste rola muitos circuitos de artistas legais em diversos Sescs e admiro muito essa iniciativa. Aqui em Pernambuco não é assim, infelizmente.
32) RM: Quais os seus projetos futuros?
Beró: Por hora, eu estou focado em fazer shows legais e trazer novos ouvintes para meu som. Mas estaria mentindo se eu dissesse que não penso em novos discos.
33) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?
Beró: (81) 98527 – 1185 | [email protected]
| https://www.instagram.com/berolero
| https://www.instagram.com/qampo_
Álbum Raio Mata: https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mhOoAERUoPuXwpyLK5yPbqzBAL6avy9uA
Álbum: https://ditto.fm/raio-mata
O que eu gosto nas suas entrevistas Antônio Carlos é que, além de sempre bem conduzidas, você nos traz e mostra uma gama bem diversificada de artistas com belas trajetórias, cada um na sua particularidade.
Gratidão Jucileia pela leitura atenta e por a RitmoMelodia se tornar uma fonte de conhecimento da diversidade musical brasileira. Muitos acham que não existem mais talentos musicais no Brasil, mas basta pesquisar que vão achar.