Para quem não conhece, o Bando de Seu Pereira nasceu depois do estouro da barragem de Mariana – MG, o maior crime ambiental da história da mineração, que até hoje envenena o Rio Doce (é um curso de água que banha os estados de Minas Gerais e Espírito Santo com 853 km de extensão, seu curso representa a mais importante bacia hidrográfica totalmente incluída na Região Sudeste).
“Seu Pereira” (pseudônimo do vocalista, compositor e contrabaixista Vinícius Pereira) foi pra lá trabalhar com os atingidos pela lama, entendeu o poder da canção e que deveria começar a cantar pra valer e juntar o Bando de Seu Pereira pra percorrer as estradas do país.
“Seu Pereira” tem a cultura da permanência (permacultura) como norte, cantamos as mais belas pérolas populares e cantamos também a safra nova de canções que nos nascem ao longo da caminhada.
Segue abaixo entrevista exclusiva com o Bando de Seu Pereira para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 25.12.2019:
01) Ritmo Melodia: Qual a data de nascimento e a cidade natal dos membros Bando de Seu Pereira?
Seu Pereira: O meu nome é Vinicius Pereira, sou o fundador, cantor, contrabaixista do Bando de Seu Pereira e paulistano, nascido em 10 de julho de 1980; um dia seguinte da morte do poetinha, Vinícius de Moraes. Filho de imigrantes, meu pai veio adolescente da Bahia e minha mãe, paulistana como eu, também é filha de imigrantes: sua mãe veio da Síria e seu pai de Portugal.
Ricardo Barros, violonista, arranjador do Bando e paulistano nascido no dia 24 de junho 1981. Tauan Ribeiro, o sanfoneiro, também nasceu na “capital do nordeste” nascido no dia 21 de janeiro de 1994. Giba Santana nascido no dia 12 de maio de 1979 em Mundo Novo – BA e Ed Encarnação nascido no dia 26 de agosto de 1987 em Nazaré das Farinhas – BA.
02) RM: Fale do primeiro contato com a música dos membros do Bando de Seu Pereira.
Seu Pereira: Comecei ouvindo os discos de vinil de “painho” nos almoços de domingo. Foi ali que eu e minha irmã, a também cantora Janayna Pereira (ex – vocalista do Bicho de Pé), tivemos nossos primeiros contatos com a música.
Escutamos muito forró, obviamente, mas o ambiente musical era eclético: Duke Ellington, Elis Regina, Jackson do Pandeiro, Tom Jobim, Martinho da Vila, Ella Fitzgerald, Sivuca, João Bosco, Baden Powell, Moacir Santos, Luiz Gonzaga, misture tudo isso com a farofa de carne seca de Seu Felinto e vai entender o espírito daqueles tempos.
Na adolescência Janayna começou com o Rock’n Roll, influenciando-me demais. Iron Maiden, Black Sabath, Frank Zappa, Beatles (…) ouvimos muito esse povo todo e aos 11 anos de idade comecei a tocar Contrabaixo elétrico.
“Os cabras” (integrantes) do Bando Seu Pereira, têm um começo ímpar. Rick, filho do violonista e compositor Theo de Barros, começou sua história com a música muito cedo, antes dos 10 anos de idade, imitava o pai. Assistiu em casa ensaios incríveis, conheceu ainda criança vários mestres da nossa música popular como Hermeto Pascoal, Eraldo do Monte, entre tantos outros. Tauan também começou com 10 anos de idade, mas tocando violão antes de migrar pra sanfona. Ed começou na Bahia batucando, brincando, não imaginava que viraria músico profissional e Giba, nosso zabumbeiro, foi quem começou na música mais tarde, com 18 anos de idade. E adivinhem quem foi seu primeiro professor de música?
Eu mesmo, quando dava aulas de percussão no Alves Cruz, projeto que resultou no Maracatu Bloco de Pedra (por onde também passou Ed ainda no começo de sua caminhada).
03) RM: Qual a formação musical dos membros do Bando de Seu Pereira?
Seu Pereira: Tirando o Rick e eu que fizemos Faculdade de Música, coisa e tal, os “caboclos” aprenderam mesmo foi na vida. Os “Bahias”, antes de percussionistas, aprenderam a tocar como batuqueiros. Rodaram por diversos grupos, aprenderam na prática mesmo, quando se deram conta já estavam trabalhando como músicos. Tauan começou a tocar nas aulas de música na escola. Também não é um acadêmico, nem músico de conservatório, sua escola é a vida.
04) RM: Quais as influências musicais no passado e no presente dos membros do Bando de Seu Pereira. Quais deixaram de ter importância?
Seu Pereira: “Os cabras” são ecléticos. Todo mundo teve sua fase Rock. E a gente não pode dizer que não tem mais importância. Rick toca guitarra até hoje e no EP do Bando de Seu Pereira rolou até distorção! “Os Bahias” (Giba e Ed) são muitos da música popular mesmo. Sabem tudo dos interiores, principalmente Giba, que apesar de ter começado mais velho, hoje estuda mais que todos nós a cultura do nordeste brasileiro.
05) RM: Quando, como e onde foi formado o Bando de Seu Pereira?
Seu Pereira: O Bando de Seu Pereira nasceu quando eu fui trabalhar em Mariana – MG, logo após o rompimento da barragem. Além de músico, eu sou permacultor e trabalho com educação ambiental. Fomos para lá dar ouvidos e ombros pros atingidos pela lama, oferecer oficinas de captação de água da chuva e em cada comunidade que a gente chegava era através da música que a gente juntava o povo.
Quando a nossa Kombi Zeolina parava, a gente “soltava o Lucas” com seu bandolim cantando, e aos poucos as crianças vinham chegando; depois as mães e avós e por último os homens, que estavam todos em casa impossibilitados de pescar no Rio Doce. Eu, que sempre trabalhei com música instrumental a vida toda (toquei em orquestras, cameratas, big bands, trios, etc) entendi que devia começar a cantar, colocar verbo nas minhas músicas. Abrir a boca. Sempre tive muita coisa pra dizer, mas sempre fui o acompanhador, o contrabaixista, que toca os alicerces da música, mas que não abre a boca. Cansei desse lugar, e resolvi fazer como disse Dominguinhos: “Abri a porta, apareci…”.
06) RM: Quantos CDs lançados, qual o perfil musical de cada CD? E quais as músicas que se destacaram?
Seu Pereira: Lançamos até hoje um único EP, o “Biscoito do Bando”. Foi resultado de uma campanha de financiamento coletivo. Foram 207 apoiadores. Juntos somaram mais de R$ 20.000 dinheiro com o qual gravamos as 4 músicas e dois videoclipes. Foi bonito demais e simbólico.
Entre as músicas gravadas, está o “Xote dos Recursos”, a minha primeira composição dessa nova fase, que fala sobre o que fazemos com as águas, escutem-na. Ela fala por si e o clipe é bem didático. Gravamos também “Tarabando”, um forrozinho arabesque em homenagem a vovó Nigme Abdalah. O Zikir trio fez uma participação especial na música e a bailarina Bruna Milani participou também do clipe. Muito bonito o resultado. “Fundação sem Fundamento” é o único maracatu do EP (pesado!). Fala sobre a verticalização das cidades, esse empilhamento humano e suas consequências nefastas. O videoclipe com participação especial do Maracatu Bloco de Pedra sai esse ano. A última música trata de outro tema importante: da imigração. Chamada “Capital do Nordeste”, fala da minha terra natal, São Paulo.
07) RM: Como é o processo de compor música no Bando de Seu Pereira?
Seu Pereira: Hoje eu componho praticamente tudo. Muitas ideias são antigas, missões que dou a mim mesmo. E adoro uma encomenda. Quando aparece um assunto importante que alguém me sugere um mote, vou longe… Como por exemplo, “A Água é Uma Só” que foi composta a pedido da ANA (Agência Nacional de Águas) para a sua campanha de conscientização de 2019. Eventualmente surgem ideias na cachola, assim do nada. Mas isso está mais raro hoje em dia…
08) RM: Quais são seus principais parceiros musicais em composição?
Seu Pereira: Fiz muita coisa com o Ricardo Barros, o violonista e arranjador do Bando de Seu Pereira, mas foi no passado, em 2001, 2002… Nunca mais fizemos nada. Ele me prometeu umas melodias pra eu letrar, vamos ver o que vem.
09) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Seu Pereira: A gente não trabalha de forma independente. Esse conceito caiu. Hoje a gente entende que trabalha de forma interdependente. Trabalhamos juntos, em coletivo, um ajudando o outro. Sim, trabalhamos de forma independente das gravadoras, do capital. Mas o conceito é outro. A ideia agora é a colaboração.
Se não fossem os 207 apoiadores nosso EP não teria saído. Sem gravadora como faz pra se gravar? Foi nosso público que pagou numa suada campanha de financiamento coletivo. E muitos parceiros, amigos músicos e produtores nos deram muitas dicas, atalhos, ajudaram como puderam. Seguimos assim, ajudando os que precisam da nossa força, recebendo apoio dos mais adiantados na caminhada…
10) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo, mas a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Seu Pereira: Fazer um disco bem feito é caro. Realmente tem muita gente gravando. Mas a maioria dos trabalhos é mal produzida… Muitas vezes eu escuto artistas talentosos que gravam mal, sem conceito, sem fundamento…
Não concorrem conosco. A gente não concorre com ninguém. Nosso trabalho é diferente de tudo o que há no mercado hoje. Ninguém faz forró com rabecão. Ninguém faz um forró focado nas questões socioambientais. A maioria do povo está cantando o mesmo assunto do chamego… A gente não está nessa onda. E quando a gente encontra bons artistas com os quais nos identificamos, somamos forças. Somos irmãos da turma do Xaxado Novo, Gabriel Levy gravou duas músicas no nosso EP, meu cunhado Nathanael Sousa gravou outras duas, minha irmã Janayna Pereira nos ajuda em tudo o que pode, somos amigos das meninas do Trio Sinhá Flô, somos fãs e estamos tentando uma data com o Trio Macaíba, enfim, nossa ideia é somar, unir- se com o povo que a gente gosta e acredita e não dividir.
11) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Seu Pereira: Pra fazer pré-produção é uma maravilha. Pra gravar over dub é ótimo. Pra dar uma tapa na mixagem, é sempre válido. Se o piloto do estúdio for bom, vai dar sucesso. Eu estou aprendendo a pré-produzir em casa. Mas na hora do REC mesmo eu corro no Beto Mendonça que em minha opinião tem o melhor estúdio de São Paulo e tira o melhor som de contrabaixo que alguém já me gravou. A gente tem gravado muito ensaio em casa. Vídeos de ensaio… Material pro YouTube. Pra isso eu acho ótimo. Agora disco mesmo… Corro pro Estúdio 185 do Betão.
12) RM: Como você analisa o cenário do Forró. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Seu Pereira: Acho que a minha irmã Janayna Pereira evoluiu muito. Eu achava muito chatas as canções de amor que ela fazia pro Bicho de Pé. Nunca gostei da estética do Bicho de Pé nem das outras bandas do forró universitário. Eu tinha “bode” do forró por isso. Passei longe até agora, 2014. O disco novo da Jana está ficando muito bom.
Passei no Betão dia desses e ela estava lá com o Swami Jr mixando. Coisa fina, você vai ouvir. Agora sinceramente pra mim, o meu grupo preferido é o Trio Macaíba. Muito swingado. O timbre de voz dos dois “caboclos” é maravilhoso e o sanfoneiro… Putz, o meu preferido do Brasil. Ninguém harmoniza como o Beto. Muita personalidade.
Uma grande referência pra gente. Gosto dos paraibanos “Os Fulanos”, aquela história de cavaquinho no forró é uma delícia. Dona Zaíra me soou muito bem quando escutei também. Uma surpresa muito boa foi o disco das minas, do Trio Sinhá Flô. Gosto muito, minhas filhas amam!
Os meninos do Xaxado Novo trazem essa coisa do Arabesque pro forró que eu gosto muito e o Filpo e a Feira de Rolo, tem a delícia de rabeca do Filpo Ribeiro, aquele teclado “cachorro” do Alma que é uma maravilha, como harmoniza aquele safado… E o trianguero mais mimoso do Brasil: Diogo Duarte!
Já ouviste esse cara tocando trompete? “PelamordeDeus”… É uma pérola. Ainda não os ouvi ao vivo, só no Youtube, mas amei o trio da Mariana Aydar com o Chico César e Mestrinho. Foda esses três juntos.
Dos mestres, amo a Elba Ramalho. Acho a banda dela muito “pedrada”, os arranjos tem muita pressão, outra referência. Gilberto Gil é um gênio, está velho, não tem mais a voz dos tempos que passaram, mas quando ele abre a boca o mundo deveria se calar para escutá-lo.
13) RM: O que te deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Seu Pereira: O que me deixa mais feliz é ver o povo com os olhos brilhando. É poder misturar a regeneração socioambiental com a música. É somar tudo o que eu faço e subir na Kombi Zeolina com os “caboclos” e difundir as pérolas da permacultura, ouvir histórias, contar histórias, trocar… Eu amo o que faço.
O que me deixa triste são as escolhas políticas do povo brasileiro. Eleger um filho de um puto como o bostonazi e todos os deputados liberais, as bancadas da bala, os ruralistas; o desmatamento da Amazônia foi recorde esse ano? É isso o que me entristece. A carreira musical dá trabalho né. Ganhar dinheiro é um grande desafio. Mas eu agora estou mudando meu discurso. Chega de dizer que é difícil, que não ganhamos dinheiro. Estou vibrando ganhar é muito com o que faço. Se ainda não chegou, sigo trabalhando, que já é nossa vez.
14) RM: Você acredita que sem o pagamento do Jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Seu Pereira: Num sei. As minhas músicas num são idiotas. O que mais toca em rádio hoje em dia é música muito superficial. Num sei se as coisas que eu proponho tem abertura em alguma rádio. Tem? Se tiver de pagar, faço questão de não tocar.
15) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Seu Pereira: Que ele seja “muitos”. Não adianta se trancar no quarto e estudar música o dia inteiro. O músico hoje é além de músico: produtor, agente, assessor de comunicação etc. e tem que ter conteúdo.
“Cabra” que só toca e não faz mais nada impressiona, mas não emociona. Pra emocionar tem de ter experiência de vida. Não estou dizendo que deve estudar pouco. Tem de estudar muito, sim senhor. Mas além de estudar muito, tem que VIVER muito. Se apaixonar, errar, aprender, seguir adiante. Artista sem experiência de vida é “entretor”. Não serve pra arte.
16) RM: Faça um resumo do Fórum do Forró. Quais as conquistas e obstáculos?
Seu Pereira: O Fórum do Forró me abriu muito a cabeça. É muito mais do que a música. O Buraco é muito mais em baixo. Fico muito feliz por ver tanta gente reunida em prol da causa de tornar o Forró Patrimônio Cultural Imaterial. Foi muito bom estabelecer contatos com toda aquela gente engajada em conquistar esse conhecimento pro forró.
Pretendo me aproximar mais dos fóruns e colaborar mais na comunicação. Precisamos nos profissionalizar. Volto para a história da interdependência, sabe? Juntos somos fortes. Ainda estamos nos unindo devagar. E é assim mesmo, não é da noite para o dia. O processo é lento. Mas é melhor darmos passos sólidos, devagar, do que corrermos e tropeçarmos logo ali na frente.
17) RM: Qual a justificativa para o Forró se tornar um Patrimônio Imaterial? Como está esse processo?
Seu Pereira: O processo está lento, mas andando. Os fóruns estão se espalhando pelo Brasil inteiro e isso é muito bonito. No que depende de nós, artistas, amantes da nossa cultura popular, a coisa vai muito bem. O problema são as esferas políticas. Esses golpistas malditos querem mais é que nos tornemos cada vez mais consumidores da cultura dos EUA, pouco se importa se os índios, nossos povos tradicionais estão morrendo por conta da ampliação das fronteiras do agro negócio.
O presidente usa “Paraíba” como adjetivo pejorativo… Querem mais é que nossa cultura desapareça. Se fosse do interesse do Estado, já teríamos o pouco dinheiro necessário para financiar o trabalho do IPHAN e termos finalmente reconhecido o forró como patrimônio imaterial. O que me deixa feliz é ver que as pessoas estão se unindo, o povo. Isso é esperança. O desgoverno vai passar. Nossa cultura fica!
18) RM: Quais os projetos futuros?
Seu Pereira: Pretendemos gravar nosso primeiro disco, “Capital do Nordeste” até o ano que vem e estamos montando uma série para TV. Nossa ideia é fazermos um documentário, rodando daqui até o norte da Bahia, o Raso da Catarina, onde nasceu meu pai e filmarmos as histórias das famílias dos cinco “cabras” do Bando de Seu Pereira.
Pretendemos também fazer nosso canal no YouTube pegar, com músicas, histórias da nossa cultura, enfim, queremos colaborar com o reconhecimento da cultura que deve permanecer. Ouvir e contar histórias e claro, rodar muito com a nossa Kombi Zeolina fazendo shows, oficinas de permacultura, rodas de conversa e seções de cinekombi exibindo filmes que tratam as questões socioambientais, além das histórias do forró. Já está tudo engatilhado, é só mantermos o foco que tudo isso vai dar certo.
19) RM: Quais os seus contatos para show e para seus fãs?
Seu Pereira: Como BandodeSP (Bando de Seu Pereira, resumido):
http://youtube.com/BandodeSP | http://facebook.com/BandodeSP |
http://instagram.com/BandodeSP