Andréia Dacal, artista intuitiva e dedicada à música, cantora e compositora com estilo autêntico e original.
Iniciou sua trajetória na música e produção cultural nos anos 90 em Niterói – RJ. Com espírito autônomo, mente ágil e muita personalidade, sempre buscou utilizar as ferramentas e fundamentos da Economia Criativa para a autogestão de sua obra autoral e expressão artística.
Com isso conta com a colaboração, parceria e intercâmbio de inúmeros produtores musicais e artísticos talentosos (as) que contribuem com sua música ao longo dos anos através da grande rede de comunicação.
Andréia tem formação em Geografia, e sua música e trajetória artística também traz impressa a influência desse saber. Desde 2012 a artista é uma das cantoras e letristas do catálogo musical do selo jamaicano “Chop Chop Productions”, a convite do produtor John Marcus.
Experiente, destemida e sempre produtiva, a artista já soma em sua bagagem discos, singles, shows nacionais e internacionais. Oportunidades essas conquistadas uma a uma ao longo da trilha de resistência e compromisso com o ofício da livre expressão através da música e o compartilhamento de seu conteúdo criativo independente da grande indústria.
Andréia autodefine sua obra como uma “produção criativa de origem orgânica e familiar”, em escala independente. Ela deixa claro em sua lírica e em suas escolhas como pessoa e artista, que por maior que seja em algum momento ou outro, sua presença nas “grandes prateleiras” ou “vitrines” dos espaços de prestígio do setor cultural, sua obra e posição se manterão acessível e singela, focada em comunicar e vivenciar valores positivos, humanos e sustentáveis.
Andréia Dacal apresenta um conteúdo musical consistente com belas reflexões líricas, uma voz potente e certeira do que escolhe para cantar e interpretar. Sejam versos próprios ou releituras de clássicos das escolas musicais em que bebe na fonte como o Reggae, em intervenções, shows e apresentações. Uma artista brasileira que merece ser ouvida e conhecida pelo público sensível e aberto ás boas surpresas pelo caminho. Sua música faz uma ponte entre o Brasil, Europa e a Jamaica, misturando Reggae, Ragga, DUB, RAP e MPB com uma veia experimental. Já tocou pela França, Bélgica, Macau (China), Marrocos.
Andréia Dacal tem um jeito original e autêntico de expressar sua lírica através de arranjos agradáveis e instigantes. Uma música ensolarada e bem fundamentada. Atualmente sua música circula em performances de rua e também com apresentações acústicas com releituras de todas as suas obras em DUB e base de estúdio, em versão mais intimista, aconchegante e orgânica. Está muito confortável apresentando esse espetáculo e performance cuidadosamente preparado ao lado de seu esposo, artista plástico, e músico Jah Reginaldo.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Andréia Dacal para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistada por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 21.11.2019:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Andréia Dacal: Nasci no dia 06 de agosto de 1979 no bairro do Fonseca, em Niterói, Rio de Janeiro.
02) RM: Como foi o seu primeiro contato com a música?
Andréia Dacal: Meu primeiro contato com a música foi em casa ouvindo discos antigos dos meus pais ainda na década de 80, e na casa da minha vó nesse período ainda criança. Lá havia alguns instrumentos musicais, pois minhas tias tocavam na igreja. Eu não as presenciava tocando, mas só de ver os instrumentos como Piano e Violão, já me despertou muito encanto a respeito deles. Aos 10 anos de idade entrei na banda marcial da escola tendo contato com o instrumento Escaleta e participando de corais. Aos 14 anos comecei a trabalhar nas férias com divulgação de panfletos de lojas comerciais de uma galeria em frente onde morava. Juntei uma parte do dinheiro, meus pais complementaram e comprei meu primeiro Violão.
03) RM: Qual a sua formação musical e acadêmica fora música?
Andréia Dacal: Aos 14 anos de idade comecei a ter aula particular de Violão e depois tive aulas particulares de Técnica Vocal com uma professora da minha cidade. E segui em frente praticando e me desenvolvendo livremente. Participei de alguns Grupos de Coral. Cursei três períodos na Escola de Música Vila Lobos, mas saí antes de fechar o período de formação de dois anos, pois na época os horários se tornaram incompatíveis com trabalho. Mas foi um bom aprendizado para ter mais contato com a Teoria Musical. Depois cursei um período de Violão Clássico e Teoria Musical no curso da Orquestra Sinfônica Nacional da Universidade Federal Fluminense. E no mais, o contato com bons profissionais ao longo da formação, aulas avulsas, palestras e vivências em estúdio compõem parte significativa da minha formação livre. Sou Bacharel em Geografia pela Universidade Federal Fluminense e cursei algumas disciplinas dos cursos de Cinema e Comunicação Social.
04) RM: Quais suas influências musicais no passado e no presente? Quais deixaram de ter importância?
Andréia Dacal: Na infância ouvi muito samba de raiz e música brasileira em meio às músicas infantis. No início da adolescência passei por uma fase de imersão nas bandas e artistas que produziram música fruto das manifestações da contracultura, o Blues, o Rock e suas vertentes. De certa forma essas influências perderam um pouco a força quando adentrei o universo do Reggae a partir dos 14 anos de idade, ganhando protagonismo na trilha sonora da minha vida. Por muitos anos fui praticante e muito envolvida com o Skateboard, o que me aproximou das linguagens da música urbana como o RAP. Com a identificação que tive com o reggae roots através da obra de seus pioneiros e com o interesse que já nutria por outras vertentes e experimentações musicais, cheguei às linguagens mais eletrônicas da música, sobretudo do próprio reggae, como o DUB. Acredito que tudo que já ouvi foi importante para aquele momento, mas não necessariamente são fatores decisivos para eu fazer música até hoje. Mas a obra de Bob Marley e The Wailers foi e é uma influência musical que tem grande expressão na minha trajetória com máxima relevância e referência para a artista que me tornei.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Andréia Dacal: A minha primeira apresentação foi em 1995 em um Festival de Música da Escola do Ensino Médio. Foi a semente. Percebi que a música e a expressão de sentimentos e pensamentos através dela era um caminho que eu naturalmente poderia seguir. E segui. E comecei me apresentar em Niterói – RJ, no formato Voz e Violão, compondo minhas canções, me inscrevendo em Festivais de Música, tocando em Bares e Festas universitárias, Palcos livres, Praças, Coretos, luaus, campeonatos de skate, etc. Em 1998 formei a primeira banda e até 2003 tive inúmeras experiências e participei da composição de bandas e várias apresentações. Simultaneamente sempre busquei desenvolver com autonomia minhas produções musicais.
06) RM: Quantos discos lançados?
Andréia Dacal: São quatro Discos Lançados: “Caos Roots Controle” em 2006; “Afirmativa” em 2010; “Paradoxos” em 2011; “Apocalipse DUB” em 2012; Coletânea “Reggae é Missão” em 2015; Singles: “A mata” em 2011; “Sun Come Shining” em (2013); “Free To Fly” em 2014; “True Way” em 2015; “Reality” em 2016; “Mama África” (2016); “Abra os Olhos” em 2017; “Tenha Calma” em 2018; “Palavra, Som, Poder” em 2018; “Reggae Lady” em 2019 e vem mais por aí… Meu primeiro álbum foi produzido em parceria com o estúdio Tomba Records do produtor Bruno Marcus, em Niterói – RJ. O que gostaria de destacar é que desde 2012 venho contribuindo para o catálogo de produções musicais do selo Chop Chop Productions da Jamaica, a convite do produtor John Marcus, e que meus lançamentos desse tempo para cá contam com a produção colaborativa junto dos artistas e produtores em torno do selo. O perfil musical dos meus álbuns é de uma imersão poética e experiência sonora que circunda as vertentes do reggae em fusão com pegadas de minhas inspirações e referências. As minhas canções mais executadas foram: “Pode Ser”, “Abra os Olhos”, “True Way”, “Peregrina”, “A mata”, “Tenha Calma”, “Reggae Lady”, entre outras. Acredito que cada uma tem seu público. Às vezes uma canção se destaca mais do que a outra porque caiu no gosto de um curador que resolveu dar espaço em alguma playlist ou vitrine de destaque, o que é ótimo! Mas não necessariamente outras canções não teriam conquistado o mesmo resultado, se tivessem sido expostas. Mas é muito importante quando alguma música desponta porque atrai o interesse do ouvinte para conhecer mais do catálogo do artista.
07) RM: Como você define o seu estilo musical dentro da cena reggae?
Andréia Dacal: Entendo que faço música reggae, do roots ao que poderíamos definir como contemporâneo.
08) RM: Como você se define como cantor(a)/intérprete?
Andréia Dacal: Não sei se saberia me definir, mas me considero uma cantora/intérprete orgânica e dedicada a usar a voz para proporcionar uma experiência sonora agradável e enriquecedora a quem me ouve. Não tenho preocupação ou ambição em parecer com nada, nem ninguém. O que me imprime bastante liberdade para buscar meu lugar no coração da música.
09) RM: Quais os cantores e cantoras que você admira?
Andréia Dacal: Admiro algumas vozes e a habilidade de seus intérpretes. Do Brasil e das vozes que mais me impressionaram destaco das cantoras Clara Nunes, Maria Bethânia e Elis Regina, entre outras vozes que com certeza merecem reconhecimento do público. Internacional respeito muito à potência de Lauryn Hill, Marcia Griffiths, Rita Marley, Nina Simone, entre tantas outras divas dedicadas ao canto. Das vozes masculinas brasileiras admiro: Zé Ramalho, Gilberto Gil, Cartola, Luís Melodia, Bezerra da Silva, entre outros talentos admiráveis. Internacional: Peter Tosh e Bob Marley, entre tantos que se for citar vou demorar muito… (risos).
10) RM: Quem são seus parceiros em composições?
Andréia Dacal: Tudo que faço na música eu comecei na poesia. Sempre escrevi, desde criança. Buscar cantar minhas letras sempre foi algo importante. Já dividi as ideias em algumas parcerias com MC’s, cada um fazendo sua parte da letra da música. Mas em geral componho a mensagem que canto. Como intérprete vez ou outra contribuo para algum projeto em que sou convidada e me identifico.
11) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Andréia Dacal: Os “prós” são a autonomia, liberdade criativa e a possibilidade de expandir os conhecimentos, aprimorar habilidades e com isso fortalecer seu espírito e autoconfiança. Criar seu caminho e trabalho a partir de sua música, estabelecer parcerias por afinidade, ter um planejamento mais orgânico e gradual que respeite seu tempo e sua identidade. O contra é se sentir sozinho entrando em uma batalha. Sabendo que tem um exército com alta infantaria indo na mesma direção e você não está ali naqueles tanques de guerra. Você caminha com pouca água no cantil, sem retaguarda e precisa chegar ao mesmo destino. No nosso caso, ao ouvido e apreço do ouvinte. A cadeia predatória da música de massa não gosta de compartilhar nem um pouquinho de espaço nem atenção com a produção independente. É bom ter ciência que é você e o estilingue querendo alcançar o gigante com sua música. Tem um cara do lado com 10 metros de altura e um “fone cabuloso” fazendo amizade com o gigante agora. Cuidado, eles não estão nem aí para pisar em você.
12) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Andréia Dacal: Sempre fui empreendedora porque nunca fui de ter muita expectativa ou disposição de ficar esperando as condições ideais para realizar a minha obra. E percebi justamente que o cenário da música com o avanço das ferramentas digitais e tecnologia caminhava para possibilidade de maior autonomia artística e autogestão da carreira por parte de músicos independentes. Sempre me identifiquei mais com esse perfil de artista. Então fui me capacitando nesse sentido desde sempre. Produzi eventos. Trabalhei muito tempo com divulgação, fui editora de um portal especializado em reggae, fazia artigos e coberturas de eventos. No que tange a minha carreira, administro meu site, atualizo, produzo e registro minhas canções e fonogramas, distribuo junto às plataformas, acompanho relatórios e métricas, crio e compartilho conteúdo pra todas as minhas redes, fecho shows, vendo discos, inscrevo projetos. Busco mesmo com poucos recursos avançar e impulsionar a música que produzo para chegar aos ouvintes, sabendo que a batalha é dura como já descrevi acima falando dos gigantes (risos). O espírito de empreender, colaborar e trocar conhecimentos é constante e é o que faz a roda girar e o trabalho musical se manter fresco e sempre na ativa independente dos obstáculos e dificuldades.
13) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento da sua carreira?
Andréia Dacal: No meu caso sempre me ajudou muito. Tudo que conquistei de oportunidade dentro da música foi através do uso consciente das ferramentas de comunicação e produção criativa disponível a partir da internet. Fiz grandes parcerias a distancia. Produzi canções, fechei apresentações que me levaram para outras cidades e países. Minha música alcançou dimensões e territórios inimagináveis. Trabalhei e sigo trabalhando muito, mas com poucos recursos e sem sair do lugar, pensar que se abriram vários horizontes que me deslocaram fisicamente e construíram laços e pontes de trabalho e identificação musical, artística, criativa e humana, é muito gratificante e místico. O lado ruim é que de uns anos para cá, cada vez mais o território da internet está sendo disputado, e o fator financeiro começa a pesar cada vez mais. Quem mais tem para investir, mais chance de ter visibilidade. E com isso é claro que a produção artística e intelectual independente, de pequeno porte, sem maiores recursos, vai perdendo espaço pra chegar mais próximo do público possivelmente interessado em sua obra. Cada vez o funil é mais estreito. É o desafio desse tempo. Mas para toda boa batalha, há de se ter bons guerreiros e guerreiras.
14) RM: Como você analisa o cenário reggae brasileiro? Em sua opinião quem foram às revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Andréia Dacal: Eu analiso o cenário reggae brasileiro como “em construção”. O reggae contribui para muitos gêneros musicais, mas parece que a cena no Brasil, com o tempo vai se perdendo. Atribuo isso ao processo intenso de massificação cultural que não deixa a cultura em torno do reggae livre de seus impactos. Parece que o reggae vai se desagregando gradativamente como se fosse uma música que só vai se ouvir no verão ou em situações especiais. Deixa-se de canto. Mas procuro não me influenciar pelo ambiente e fazer minha parte da melhor forma possível. Já que não posso mudar as coisas, contribuo com a cultura dentro do meu raio de alcance, vivendo-a diariamente e representando com respeito, profissionalismo e dedicação ao reggae e a música que me proponho fazer. Em relação às revelações musicais e que artistas avançaram ou regrediram, acredito que essa avaliação não cabe muito a mim; Nem sempre o que permanece em alta ao longo do tempo estaria ali se não fosse um impulsionamento, infraestrutura diferenciada, acesso a vitrines de destaque junto ao grande público. Então, é difícil opinar sob esta perspectiva sem levar em consideração as variáveis. Acredito existir muita banda e artista bom que não é tão ouvido, mas é consistente ao longo do tempo. Então é bem relativo. Acredito que o público tem que ficar atento, ser exigente e seletivo. E não quero influenciar nesse processo citando uns e esquecendo outros. Na minha posição como artista concentro toda minha atenção e esforço na minha vivência com a música reggae, no que aprendo, no que produzo, na luta diária para me manter fazendo música e representando as canções que venho lançando. Tudo isso demanda muito foco e procuro não ficar dispersando atenção e energia analisando os vizinhos.
15) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso a tecnologia de gravação (Home Studio)?
Andréia Dacal: A maior vantagem é o acesso mais justo e democrático possibilitando a produção criativa aos menos abastados que com menos recursos já conseguem ser bons clientes de estúdios menores, fortalecendo assim a cadeia produtiva da música e toda economia em torno de si. As vantagens são enormes, tanto culturais, como artísticas, econômicas e sociais. O único ponto negativo é o pouco cuidado que alguns têm com os detalhes da música em si, sobretudo no fechamento das canções, mixagem e masterização. Existe uma urgência e velocidade em se produzir tão grande que às vezes nessa ânsia por resultados não se aproveita o processo de criação e se deixa passar alguns detalhes que podem fazer a diferença ali na frente.
16) RM: Quais os músicos já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Andréia Dacal: Bob Marley, Sizzla Kalonji, Marcia Griffiths , Lauryn Hill , e por aí vai…
17) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical?
Andréia Dacal: Fui surpreendida por muitas situações. Aventuras que dariam capítulos de livros. Perigos, desafios e superações. Uma das situações mais arrepiantes foi na volta de um tour internacional em 2010, sozinha, porque toquei com músicos e DJs de lá. Fiz uma conexão de Paris para Londres, cheguei com alguns minutos de atraso no guichê da companhia aérea e o funcionário disse que meu lugar já estava ocupado por conta do atraso, e que eu teria que esperar até todo mundo entrar no avião para ver se me relocava.
Uma confusão que não entendi nada. Fiquei em choque! Eu estava cansada de dias de viagens, shows e pouco sono. Demoraram uns 20 minutos, mas pareceram horas. Eu falei para eles enquanto esperava que não tinha problema, que eu ia ser mais uma pessoa em situação de rua de Londres (risos), rapidinho resolveram meu problema. Uma das coisas mais inusitadas da caminhada musical é a expectativa e surpresa com a reação e o interesse do público que vai tendo acesso e descobrindo seu trabalho e fica interessado em ver seu show.
Cada viabilização de apresentação é sempre um processo e é um momento importante para o artista. Mas infelizmente, ainda mais no underground, existem muitos produtores e bandas mal intencionados. Tive muitas bênçãos com ótimas parcerias e apresentações com pessoas sérias , mas também passei por muitos calotes que entristeceram e atrapalharam pontualmente. Sem contar o impacto na cena como um todo.
18) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Andréia Dacal: Feliz por poder através de um dom natural deixar as pessoas felizes, emocionadas, relaxadas, reflexivas, imersivas. Proporcionar essa experiência humana e sensível através da música e poder trabalhar com isso, ser um meio de vida, é uma alegria por si só. O que deixa triste é a falta de compreensão em relação a realidade do artista e suas dificuldades. A falta de ética e o corporativismo no ecossistema musical também me incomodam bastante.
19) RM: Quais os músicos ou/e bandas que você recomenda ouvir?
Andréia Dacal: Eu continuo ouvindo com muita frequência todos os pioneiros (as) do reggae. Também acompanho muito o trabalho do cantor jamaicano Sizzla Kalonji e a produção dos filhos de Bob Marley, gosto muito das músicas de Damian Marley e Stephen Marley; Também ouço produções instrumentais de produtores undergrounds, mas o que posso dizer é que cada ouvinte tenha seu caminho e busque ouvir o que canta alto ao seu espírito e coração. Eu procuro me nutrir desses artistas porque realmente me são revigorantes e energéticos.
20) RM: Quais os cantores e cantoras que gravaram as suas canções?
Andréia Dacal: Tive duas das minhas canções gravadas por uma banda de Niterói – RJ chamada “Seda Fina”.
21) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Andréia Dacal: Sim, já toquei em várias rádios comunitárias, rádios universitárias, web rádios importantes e também em algumas FM e AM. Alguns programas eventualmente prestigiam algumas canções do meu repertório. A maioria eu fico sabendo por que aparece no relatório da editora ou em plataformas que sou cadastrada que faz o rastreamento da veiculação das canções. Então, tocar na rádio pela força da música e da divulgação, mesmo que alternativa, pode acontecer de forma orgânica e espontânea. Mas repetir várias vezes por dia, em vários programas espalhados pelo Brasil simultaneamente em um determinado período, só acontece com o pagamento do jabá. Nunca usei dessa prática e não tenho expectativa de usá-la.
22) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Andréia Dacal: Que tenha consciência das dificuldades e se prepare para dias bons e ruins e busque moderação, bom ânimo e disposição. É fundamental para quem trabalha com música cuidar do físico, do mental, do espiritual. É sempre bom lembrar que a música é um prazer, mas também um ofício que exige muito de quem se dedica.
23) RM: Como você analisa a relação que se faz do reggae com o uso da maconha?
Andréia Dacal: É natural essa associação porque a erva cannabis sativa é um sacramento que está na base e origem dessa comunidade musical jamaicana. A questão é quando se usa dessa característica para desmerecer e subjugar toda uma cultura e conteúdo relevante em torno do reggae e de seus representantes. Poucos subjugam o rock por seu histórico em relação a determinadas substâncias, ou o samba e sua relação com a cerveja, o jazz com o whisky, e por aí vai. Mas com o reggae parece que sempre querem pesar na tinta de sua relação com essa erva ancestral que acompanha a história da humanidade. Para nós, da comunidade reggae, acredito que fica a responsabilidade de através de nossas ações e postura representarmos com dignidade e sobriedade a riqueza e a beleza dessa escola musical.
24) RM: Como você analisa a relação que se faz do reggae com a religião Rastafári?
Andréia Dacal: Não vejo a sabedoria e modo de vida Rastafári como uma religião. Agora, a relação do Reggae com o Rastafári o que se pode esperar é de que aja máximo respeito. O mesmo respeito que um filho, por mais que não concorde com o pai e siga seu próprio caminho, deva ter.
25) RM: Você usa os cabelos dreadlock. Você é adepto a religião Rastafári?
Andréia Dacal: Rastafári não é uma religião, mas uma fé, uma sabedoria, uma visão, uma perspectiva, uma de leitura de mundo, um modo de vida, uma prática diária e um caminho de se viver nesse tempo sob uma interpretação distinta do senso comum. E sim, sou adepta da sabedoria Rastafári nesse sentido que expressei. Meus cabelos são uma expressão desse desprendimento. Um voto de ruptura com as cobranças do sistema de coisas e uma afirmação de identidade com a comunidade rastafári que volta sua atenção para as questões da fé e do espírito a partir de sua intima relação com as profecias bíblicas e sua maneira de ler a realidade.
26) RM: Os adeptos a religião Rastafári afirmam que só eles fazem o reggae verdadeiro. Como você analisa essa afirmação?
Andréia Dacal: Rastafári não é uma religião, mas uma fé e sabedoria, um modo de vida. Não sei qual Rastafári afirmou que “só os Rastafáris fazem o Reggae verdadeiro”. É difícil analisar uma afirmação fora de seu contexto. Mas acredito que essa fala pode ter vindo devido ao fato de que algumas bandas e artistas de reggae desprezam a sabedoria e subjugam a vivência rastafári. Alguns até zombam de sua história e distorcem seus conceitos, e depois se ofendem quando um Rastafári analisa o reggae que esses espíritos zombeteiros produzem como algo que não é verdadeiro. É uma forma de expressão de um sentimento. Nesse caso, a indignação. Acho que é um direito. Da mesma forma que quem produz reggae e não se identifica com a questão Rastafári vai ter suas críticas e questionamentos em relação aos mesmos. O diálogo é sempre válido só não pode perder o respeito.
27) RM: Na sua opinião por que o reggae no Brasil não tem o mesmo prestigio que tem na Europa, nos EUA e no exterior em geral?
Andréia Dacal: As métricas de ouvintes de Reggae no exterior não são as mais expressivas se comparadas com outros gêneros musicais. O Reggae acaba sendo um ritmo muito agregador. Ele inunda de referências outros ambientes musicais. Você vê elementos do reggae em várias produções do pop, do rock, do Hip Hop, eletrônico, etc. Mas quando uma banda ou artista assume integralmente sua identidade dentro do gênero reggae, parece que se quer restringir sua importância ou alcance. Acredito que é justamente porque o Reggae é uma música que tem uma origem, uma história, um legado muito forte, uma identidade e tem seus fundamentos. Acredito que isso incomoda um pouco a realidade do mercado musical que é muito dependente de tendências e modismos. Que quer total flexibilidade para ir e vir para se transmutar. E o reggae tem suas tradições, seu conjunto de referências. É uma música crítica que toca na ferida do consumismo e de hábitos que não necessariamente são interessantes para indústria de serem abordados junto à cultura de massa através de uma música popular. Em relação ao Brasil a questão se agrava porque já temos uma característica de querer reinventar as coisas a maneira “tupiniquim”. Uma tendência de querer adaptar e encaixar tudo segundo nossos hábitos e preferências. Uma afeição pelo superficial. Pela experiência momentânea, explosiva. Pelo resultado rápido e mais fácil. E é aquilo, na ânsia de querer se ter, e ser tudo, talvez se perca o pouco de verdade, autenticidade e a potência legítima que se precisaria manter para florescer com mais vigor, se consolidando junto ao público e mercado cultural com maior respeito e credibilidade.
28) RM: Quais os prós e contras de usar o Riddim como base instrumental?
Andréia Dacal: Não vejo aspectos negativos. São formatos e possibilidades diferentes dentro do universo da música reggae. Seja através de riddins clássicos em que você pode criar uma nova letra e versar em cima de determinado instrumental, ou produções originais que desenvolva em estúdio, sejam eletrônicas ou acústicas. O importante é proporcionar uma experiência autêntica e agradável que remeta aos elementos musicais, ritmos e filosóficos presentes na música reggae; Se é feito com respeito, criatividade e boa motivação, é positivo.
29) RM: Você faz a sua letra em cima de um Riddim já conhecido usando uma linha melódica diferente?
Andréia Dacal: Faço. Já gravei e já realizei intervenções ao vivo em formato sound system em cima de riddins clássicos com letra e linha melódica diferente. Mas meu trabalho é essencialmente mais voltado para produções e composições originais.
30) RM: Quais os prós e contras de fazer show usando o formato Sound System (base instrumental sem voz)?
Andréia Dacal: Não vejo “prós” e “contras” são formatos diferentes. Eu particularmente gosto de me apresentar em ambos os formatos. Tenho um show em formato sound system com os instrumentais que compõem meus discos e em performance vocal ao vivo, e tenho show acústico, que pode ser também com banda. E cada um tem seu peso, sua força, sua essência e prestigia os vastos horizontes de possibilidades dentro da escola da música reggae.
31) RM: Você se apresenta com Banda?
Andréia Dacal: Apresento-me com banda se o projeto comportar uma banda. Se oferecer a estrutura adequada, isso envolve cachê a altura do formato. Para apresentações com banda, trabalho com músicos contratados em que preciso oferecer as condições adequadas para atender as necessidades de um time na estrada. Em geral realizo o show em formato sound system em que sou eu e um DJ, ou acústico, voz, violão e percussão, que no momento são as apresentações mais frequentes, portáteis e viáveis.
32) RM: Você e seu esposo moram em cidade/Babilônia ou em contato com a Natureza?
Andréia Dacal: Eu vivia em Niterói – RJ. Hoje vivo em um bairro tranquilo de São José dos Campos – SP. Ainda não tenho uma terra, quem sabe um dia. Mas vivo em um lugar calmo onde ainda se vê muitos pássaros silvestres e onde seu canto é uma sinfonia diária. Voltar pra terra é o caminho natural do ser humano. Quando nos afastamos demais nos tornamos doentes. Isso é um fato.
33) RM: Quais os costumes e rituais dos adeptos ao Rastafári?
Andréia Dacal: Não posso falar por todos, falo pela minha vivência e entendimento. Vejo que o “costume” é nortear a vida e as decisões levando em consideração a sabedoria da Bíblia. Uma delas é não se permitir nenhum tipo de idolatria, nem louvar outros deuses que não o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Ter um espírito livre, zelar pela saúde que é o templo do espírito Santo, e ser temente a Jah. Como Rastafári não vejo a vivência como um rito, não tenho superstições ou rituais. Busco a palavra a qualquer hora, oro a qualquer hora. A meditação é constante. Cortando e limpando todo mal. Essa foi a orientação do *Rei Haile Selassie, O Rastafári, buscar a Bíblia, porque lá estão todas as respostas.
34) RM: O que representa e qual a importância do imperador da Etiópia Haile Selassie para os adeptos do Rastafári?
Andréia Dacal: A coroação de Haile Selassie e de sua esposa Emprees Menem é uma revelação bíblica. Entendemos que não é algo irrelevante na história da humanidade, mas um sinal cujos desmembramentos seguem se apresentando até os dias de hoje. Mas certas verdades só fazem sentido pra quem se permite ver. É uma percepção sutil. Por isso, os Rastafáris são tão poucos compreendidos, porque talvez sua leitura sobre a realidade desse tempo seja dura, ou exótica demais, para os espíritos mais céticos.
35) RM: Quais as dificuldades de adaptação de quem tem os costumes de viver na cidade que passa a viver em uma comunidade agrária/rural?
Andréia Dacal: Acredito que cada um tem uma experiência única para cada desafio ou escolha que faça. Para mim a adaptação é algo natural. Não tenho grande dificuldade. Outras pessoas podem ter. É relativo.
36) RM: Quais as diferenças de um casal rastafári e um casal comum?
Andréia Dacal: Um casal é uma bênção, seja lá qual a formação étnica, cultural, seja qual for sua religião, fé. Pra nós Rastafáris um casal é um homem e uma mulher, o rei e a rainha. Se estiverem em amor, respeito e união voltados para a sabedoria e não para ilusão, são como um casal Rastafári também tem de ser. Não tem diferença pra Jah.
37) RM: A relação de um casal rastafári é patriarcal no qual a esposa está sob as ordens do marido sem questionamento?
Andréia Dacal: Já ouvi dizer, é já vi algumas pessoas que se dizem Rastafáris fazerem essa afirmação. Eu que já vi, vivi, li, estudei, e principalmente senti e percebi, essa afirmação é fruto do mais profundo despropósito e desconhecimento da beleza e da força contida na vivência Rastafári. Onde o homem e a mulher estão na mais perfeita e completa harmonia. Ambos plenos em sua força e poder pessoal. Somando em suas habilidades e não competindo. Não vejo de forma alguma que a comunidade Rastafári seja patriarcal, nem matriarcal; não tem espaço para esse tipo de mesquinharia.
38) RM: O que o Rastafári usufrui materialmente da Babilônia?
Andréia Dacal: Como dizia Bob Marley: “A Babilônia não dá frutos”. Não tem como você consumir o que não tem nada pra te dar. O que não quer dizer que você vai se isolar em uma ilha e ficar lá esperando o juízo final. Jah quer nos ver atravessar o deserto e vencer.
39) RM: Qual a diferença entre uma comunidade Rastafári e outras comunidades alternativas?
Andréia Dacal: Sinto-me desconfortável generalizando e comparando. Comunidades são compostas por humanos, e todos são falhos e em busca de sua redenção. O que se espera em uma comunidade Rastafári, no mínimo, é que aja um relacionamento real com a Bíblia, com o legado de *Marcus Garvey, com o sinal, exemplo e sabedoria de Haile Selassie e de sua esposa Emprees Menem, e outras comunidades alternativas podem ter outro livro, saberes e referências que as norteiam.
40) RM: Os Rastafáris se baseiam em que para ter a Cannabis com erva sagrada?
Andréia Dacal: “E acrescentou Deus: “Eis que vos dou todas as plantas que nascem por toda a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes: esse será o vosso alimento”(Gênesis 1:29).
41) RM: O que Jesus Cristo representa para o Rastafári?
Andréia Dacal: Ninguém vai ao pai (Deus) se não pelo filho (Jesus).
42) RM: O Rastafári segue o Velho ou novo Testamento da Bíblia?
Andréia Dacal: A Bíblia é integralmente importante. Toda ela é importante. Inclusive os textos apócrifos e evangelhos que não foram adicionados à versão tradicional compilada por Roma.
43) RM: O Rastafári só fuma a Cannabis que plantam?
Andréia Dacal: Nem todo Rastafári fuma ganja; Nem todo Rastafári pode plantar; Em nosso país e em vários lugares do mundo a erva ainda é criminalizada e o (a) Rastafári perseguido (a). Existe um longo caminho ainda de educação e conscientização. Por isso são situações muito pessoais e cada um tem seu entendimento e sua realidade.
44) RM: Qual a diferença da música Nyabinghi para o reggae roots?
Andréia Dacal: O Nyabinghi é uma música de oração e meditação, mas é um dos fundamentos rítmicos do reggae roots. Sem Nyabinghi não existiria o Reggae Roots, mas o Nyabinghi continuaria existindo.
45) RM: Não contraditório morar em contato com a Natureza e ganhar dinheiro fazendo show na cidade/Babilônia?
Andréia Dacal: Precisamos ser moderados na vida e nos julgamentos. Entendermos os desafios do mundo em que estamos. Viver com lucidez pra compreendermos nossas limitações. Essa pergunta me lembrou duma passagem da Bíblia (Eclesiastes 7:16,17,18) que acredito que responde muito bem essa questão: 16 – Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?. 17 – Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas tolo; por que morrerias antes do teu tempo?. 18 – Bom é que retenhas isso, e que também daquilo não retire a tua mão; porque quem teme a Deus escapa de tudo isso.
46) RM: Morar em contato com a Natureza não é um ato egoísta de não lutar junto com os oprimidos por uma melhor qualidade de vida na cidade?
Andréia Dacal: Não julgo. Cada um sabe onde seu calo aperta e a condição em que está. E como pode melhor contribuir para amenizar a carga de sofrimento no mundo sem demagogia, sem hipocrisia, com verdade e humildade. Porque a soberba e a arrogância não agradam a Deus, seja na cidade ou no mato, vai dar no mesmo.
47) RM: Quais os seus projetos futuros?
Andréia Dacal: Estou com vários projetos em andamento no momento. Apresentando-me, pré-produzindo novas canções, participando de um projeto como intérprete. Estou iniciando uma fase de relançamentos de canções que fazem parte do meu catálogo musical em formato “single” junto às novas plataformas musicais, com capa original criada pelo artista plástico Jah Reginaldo. Iniciando esse ciclo de relançamentos, a canção “Peregrina” chega dia 21 de novembro de 2019 no spotify, deezer e demais prateleiras digitais.
48) RM: Quais os seus contatos para show e para os fãs?
Andréia Dacal: http://www.andreiadacal.com.br | http://facebook.com/andreiadacalmusica | http://www.instagram.com/andreiadacal | http://www.youtube.com/reggaemovimento | [email protected] | (12) 99211 – 3358
*Haile Selassie ou Hailé Selassié: “Poder da Trindade”. Ele foi batizado como Tafari Makonnen e posteriormente chamado por Rás Tafari. Ele nasceu em Ejersa Goro, no dia 23 de julho de 1892 e faleceu em Adis Abeba, no dia 27 de agosto de 1975. Ele foi Regente da Etiópia de 1916 a 1930 e Imperador de 1930 a 1974. Herdeiro de uma dinastia cujas origens remontam ao século XIII e, ao Rei Salomão e à Rainha de Sabá.
*Marcus Mosiah Garvey nasceu em Saint Ann’s Bay, Jamaica, no dia 17 de agosto de 1887 e faleceu em Londres – Inglaterra, no dia 10 de junho de 1940. Ele foi um comunicador, empresário e ativista jamaicano. É considerado um dos maiores ativistas da história do movimento nacionalista negro. Liderou o movimento mais amplo de descendentes africanos até então. É lembrado por alguns como o principal idealista do movimento de “volta para a África”, de profunda inspiração para que os negros tivessem a “redenção” da África. Em suas próprias palavras, “Eu não tenho nenhum desejo de levar todas as pessoas negras de volta para a África, há negros que não são bons elementos aqui e provavelmente não o serão lá”. Apesar de ter sido criado como metodista, ele se declarava católico.
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