More Adeildo Vieira »"/>More Adeildo Vieira »" /> Adeildo Vieira - Revista Ritmo Melodia
Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.

Adeildo Vieira

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Adeildo Vieira é compositor do nordeste brasileiro, nascido na cidade de Itabaiana, estado da Paraíba.

Iniciou sua trajetória musical em 1984, desenvolvendo projetos culturais de natureza coletiva no Musiclube da Paraíba, entidade de músicos e compositores paraibanos por onde passaram artistas como Pedro Osmar, Chico César, Milton Dornellas, Paulo Ró, Escurinho, Totonho, entre outros.

Foi neste cenário de inquietude cultural orquestrado pelo Musiclube que Adeildo Vieira construiu o contexto de sua obra, montando shows individuais e coletivos, conquistando um lugar de respeito dentro da diversidade de expressões em que se constitui a música produzida na Paraíba.

Neste trajeto, participou do Festival de Música de Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, em 1996, do 29º e 30º FEMUCIC, em Maringá/Paraná, do Festival de Música de Vitória da Conquista/BA, em 2009, além de vários outros festivais paraibanos, sendo vencedor do II Festival de Música da UFPB, em 1995, do I CEFEST/PB, em 2004, do MPBSESC/PB, em 2006, e da etapa estadual do Festival de Música da ARPUB (Associação das Rádios Públicas do Brasil), em 2009.

Em 1996, montou o show Violação com os compositores Milton Dornellas, Marcos Fonseca, Archidy Filho, Wander Farias e Zé Guilherme, constituindo-se num dos momentos mais marcantes de sua carreira.

Integrou, entre 1999 e 2002, o grupo MAMA JAZZ (que futuramente viria a se chamar SANHAUÁ DJEBA), na qualidade de compositor, arranjador e intérprete, num trabalho que navegava em expressões universais, sobretudo com ritmos populares da música brasileira e do continente africano.

Neste grupo trabalhou ao lado de outros seis artistas de destaque no cenário paraibano como Jorge Negão, Gláucia Lima e o africano Guilerme Semmedo.

O compositor tem grande afinidade com projetos pedagógicos que envolvam escolas. Dentro dessa proposta, realizou centenas de shows didáticos, desde escolas de educação infantil e ensino fundamental, até alunos de universidades públicas ou privadas, dentro e fora do estado da Paraíba.

Também faz de sua arte um instrumento em favor da cidadania e dos avanços das lutas em favor da sociedade, contribuindo para diversos projetos promovidos por entidades dos movimentos sociais.

No ano 2000, Adeildo lançou o álbum “Diário de Bordo”, seu primeiro registro fonográfico, tendo Conquistado o troféu imprensa na categoria de melhor compositor paraibano daquele ano, prêmio conferido pelo Sindicato dos Jornalistas da Paraíba, mediante indicação dos profissionais de imprensa do Estado.

O álbum “Diário de Bordo” também conquistou o mesmo prêmio, na categoria melhor álbum. Em junho de 2006, Adeildo Vieira viajou para Portugal, iniciando a divulgação de seu trabalho na Europa. Esta incursão pelo velho mundo lhe trouxe novas perspectivas diante da aceitação de sua música pelo público europeu.

A participação em programas de rádio e as apresentações feitas naquele país deram clara demonstração de que a música de Adeildo Vieira está “fadada” a conquistar a alma do povo lusitano, bem como todo o público europeu. Isto se deve à capacidade deste compositor em navegar por expressões universais, capazes de dialogar com o mundo no intuito de manter acesa a chama dos valores humanos a partir de ritmos, melodias e poesia, tão bem representados pela sua música.

Em abril de 2008 lançou o DVD “Chega Junto”, onde celebra a cena do seu estado junto a compositores e intérpretes paraibanos de grande expressão. Em dezembro de 2009 lançou o álbum “Há Braços”, no qual mantém as características que norteiam a sua obra, que navega por expressões universais, dando uma atenção muito especial à canção brasileira.

Este álbum foi lançado em Portugal no mesmo ano, onde o artista sedimenta seus contatos para promissoras parcerias. Os projetos de shows, viagens e outras incursões capitaneadas pela sua música continuam movimentando esse artista na busca de espaço pra sua obra e de seus companheiros de trabalho. Essa é a postura desse compositor, que carrega a cena paraibana no coração.

Em janeiro de 2012 integrou-se ao projeto BERIMBAOBAB, junto com o Coletivo Tribo Ethnos, que, ao lado de artistas franceses e senegaleses, fizeram uma turnê de sete shows no Senegal, com escala ainda em Banjul, capital da Gâmbia.

Esse projeto, que continua em plena atividade no Brasil, vem trazendo artistas da França e do Senegal para intercâmbios na Paraíba, dentro de um conceito de residência artística. Esses desdobramentos já resultaram em duas turnês pelo sul da França. Uma com seu trabalho solo e outra com o projeto Berimbaobab.

Adeildo Vieira lançou, em janeiro de 2016, seu terceiro álbum ”África de Mim”, com recursos do Fundo de Incentivo à Cultura do Governo do Estado da Paraíba. Este novo trabalho nasce com aspirações universais e desejo de mundo, pois representa nas canções nele contidas a experiência colhida em suas relações culturais com o continente africano, exaltando ainda a força da canção brasileira com raízes negras.

Lançou, em agosto de 2023, seu quarto álbum, “O Presente”, no qual mantém toda a natureza de sua obra, dialogando com a música universal. Adeildo Vieira se constitui hoje num dos nomes mais importantes da cena cultural da Paraíba, pois traz na sua postura a presença de artistas que fazem a dignidade das expressões culturais da sua terra que, aliás, transcendem os limites geográficos ou políticos que grosseiramente se impõem nas lógicas de mercado.

Este artista carrega a bandeira da universalidade que reconhece tanto as raízes como as antenas do seu povo. Apresentou, durante seis anos, o programa TABAJARA EM REVISTA, na Rádio Tabajara, emissora pública do Governo do Estado da Paraíba. O programa, que foi ao ar de segunda a sexta-feira, das 14:00h às 15:00h, e teve o propósito de divulgar a cena cultural paraibana.

Segue abaixo entrevista exclusiva com Adeildo Vieira para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 15.01.2023:

01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal? 

Adeildo Vieira: Nasci no dia 16 de agosto de 1962 em Itabaiana, Paraíba. Cidade onde nasceram o músico Sivuca e o poeta popular Zé da Luz. Registrado como Adeildo Vieira dos Santos. 

02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música. 

Adeildo Vieira: Meus primeiros contatos com a música se deram nos colos de meu pai e minha mãe, pois os cânticos que lá ouvi me são indeléveis na memória.

Depois tinha o rádio, onde havia programas que tocavam a boa música brasileira, como as canções de Luiz Gonzaga e seus seguidores, os cantores de Forró que representavam a minha região, mas também a jovem guarda e a nova canção brasileira inaugurada pelos tropicalistas e pelos compositores proeminentes advindos dos festivais de música dos anos sessenta.

Mas o que mais me levou à música foi o fato de eu ser de uma família de músicos, sobretudo em se tratando de um irmão que tenho e que começou a tocar violão aos oito anos de idade, o que levou muita música para a minha casa. 

03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical? 

Adeildo Vieira: Como músico e compositor, sou autodidata. Minha formação acadêmica é Comunicação Social e Artes, habilitação jornalismo, com graduação e mestrado pela UFPB – Universidade Federal da Paraíba.

04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância? 

Adeildo Vieira: Sou encantado por música em todas as suas expressões, o que, aliás, se reflete no meu trabalho musical. Do samba ao jazz, do reggae ao fado, do rock à música africana.

Toda música feita de forma honesta com suas origens e que representam os traços culturais de uma comunidade me encantam. Mas confesso que não consigo resistir aos encantos da música brasileira de raiz, desde a música dos rincões da zona rural brasileira até a cultura popular dos quatro cantos do país.

Da música caipira aos cantos praieiros, das ladainhas católicas aos ritmos da música de terreiro, da música orquestral à música instrumental em sua riqueza e pluralidade.

Pra mim, nenhuma música deixou de ter importância, todas guardam sua importância dentro de um universo da construção de meu pensamento musical. Mas confesso ter um certo sentimento de rejeição à música trabalhada pelo mercado de forma desrespeitosa com a nossa própria história.

Falo daquelas que, no pretexto de valorizarem traços culturais brasileiros, acabam descaracterizando-os a partir do desvirtuamento dos seus principais fundamentos musicais. Enfim, trabalhando contra a cultura brasileira. 

05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical? 

Adeildo Vieira: Iniciei minha carreira musical com aproximadamente vinte anos, quando conheci artistas no bairro onde eu morava, especialmente o compositor, poeta, cantor e agitador cultural Pedro Osmar, do grupo Jaguaribe Carne.

Havia uma entidade representativa de músicos independentes chamada MUSICLUBE DA PARAÍBA, onde militavam, além de mim e Pedro Osmar, artistas como Paulo Ró, Totonho, Escurinho, Milton Dornellas e Chico César, entre muitos outros. Esse grupo e os que nele estiveram é o que fez a minha cabeça como artista e cidadão brasileiro. 

06) RM: Quantos CDs lançados? 

Adeildo Vieira: Lancei Quatro álbuns e um DVD. O recente, “O Presente”, foi lançado no início de outubro deste ano. Todos estão nas plataformas digitais. 

07) RM: Como você define seu estilo musical? 

Adeildo Vieira: Procuro não ter rótulo. Na verdade, eu componho em ritmos diversos, do fado ao jazz, do samba ao baião, do reggae ao jongo. Acho que o que caracteriza a minha música é o jeito de fazê-la. Críticos dizem que há uma assinatura muito peculiar na minha música. Eu quero acreditar que eles têm razão. 

08) RM: Você estudou técnica vocal? 

Adeildo Vieira: Nunca estudei. Até hoje eu tento fazer o meu melhor quando canto. Mas confesso que melhorei muito depois que um professor amigo me ensinou a usar melhor meu diafragma. Foi um divisor de águas na minha performance como cantor. Mas, enfim, gosto de me definir como um compositor que canta.

09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz? 

Adeildo Vieira: Apesar de não ter feito um estudo sistemático na técnica do canto, eu sei o quanto é importante conhecer todo o mecanismo usado no ato de cantar. Da respiração às técnicas do uso da boca e das cordas vocais. Ademais, é preciso cuidar da principal ferramenta usada neste exercício, a voz. Quem tem a intenção de se tornar profissional da voz, é preciso cuidar desse instrumento. 

10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira? 

Adeildo Vieira: São muitas, mas posso citar Elis Regina, Teca Calazans, Roberta Sá, Elza Soares, Nana Caymmi, Gal Costa, Maria Bethânia, Dalva de Oliveira, Selma Reis, Sandra Belê e tantas outras, entre cantoras históricas e outras da nova geração. 

11) RM: Como é seu processo de compor? 

Adeildo Vieira: Meu processo é desorganizado. Não há regras e nem há prazos para que a canção fique pronta. Também já compus em cima de poemas de amigos. Não me importa como é feito, desde que eu goste do resultado. Tem dado certo, porque o resultado sempre me deixa bem. 

12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição? 

Adeildo Vieira: A maioria das minhas canções são de inteira autoria minha, mas também tenho muitos parceiros, entre poetas, letristas e outros compositores.

Minhas parcerias se limitam a artistas da cena musical paraibana. Dentre eles podemos citar Lucio Lins, Ronaldo Monte de Almeida, Chico Lino Filho, Titá Moura, Seu Pereira, Guga Limeira, Águia Mendes, Fernando Moura, Fuba, Acilino Madeira, Paulo Ró, Milton Dornellas, Edônio Alves. 

13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente? 

Adeildo Vieira: A principal vantagem é não sofrer pressão do mercado musical no seu processo de criação. As pressões, entretanto, são subjetivas e vêm de dentro do próprio desejo de sucesso, mas não vindas diretamente de uma empresa que lhe cobre resultados.

Os problemas, entretanto, são maiores, pois não há apoios institucionais para uma carreira independente, uma vez que empresas públicas e privadas acabam trabalhando quase que exclusivamente para os interesses mercadológicos, relegando o artista independente ao ostracismo e à solidão na hora de buscar os seus caminhos para o exercício e divulgação de sua obra.

Essa lógica chega aos próprios editais e às políticas de fomento. Se não está na grande mídia é como se não merecesse respeito. Longo é o caminho e complexa é a estratégia a ser traçada para furar essa bolha. 

14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco? 

Adeildo Vieira: Confesso que ainda me atrapalho nas estratégias de divulgação do meu trabalho, uma vez que os paradigmas têm mudado de forma rápida e contínua nos últimos anos. Para quem veio do tempo do vinil, agora se vê diante de redes sociais que têm uma personalidade digital traçada por algoritmos que definem aonde pode chegar o alcance de seu trabalho.

As plataformas digitais também são traçadas nos mesmos moldes. Na verdade, isso fez com que nascessem profissionais especializados em administrar a divulgação de uma obra. Eu, confesso, não sou exatamente essa pessoa.

No tocante aos palcos, vejo neles o local mais sagrado para viver uma relação profissional. São as vitrines onde procuro exibir minha obra de forma mais transparente e honesta.

Uma forma de respeitar meu trabalho e o público que o segue. É certo que isso tem um custo financeiro que eventualmente a gente nem pode pagar, mas eu tento e sempre consigo. 

15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical? 

Adeildo Vieira: Vivo à busca de profissionais de produção que sejam capazes de lidar com os paradigmas que citei na resposta anterior. Prospectar editais nacionais e internacionais e submeter minha obra através deles.

Mas enquanto vou convidando esses profissionais, não deixo de promover o network através de viagens pelo Brasil e em outros países como França e Portugal. Ou seja, entendo a minha música como processo na busca da construção de amigos e parceiros na arte que acredito.

E nessa lógica, as oportunidades não são apenas profissionais, mas carreiam para a construção de um mundo mais humano e fraterno, onde as diferenças culturais sejam celebradas. Minha música é processo na busca de um mundo mais fraterno. Ela é meio na busca desse fim. 

16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?Adeildo Vieira: Como já disse, o que eu preciso mesmo é aprender a lidar com os novos paradigmas da comunicação de uma obra musical na internet. É que, ao mesmo tempo em que democratiza o acesso, a internet também se torna complexa no uso de suas ferramentas, exigindo estratégias na administração de uma obra a partir dos mecanismos oferecidos dentro de sua lógica.

Pra mim, nem atrapalha e nem ajuda. Só preciso mesmo mergulhar melhor no seu universo. Não adianta ter uma obra de qualidade se não se tem capacidade de divulgá-la bem. Por causa disso, o que mais se vê são obras de qualidade duvidosa com relativa repercussão, porque seus produtores sabem melhor se relacionar com o mundo das nuvens. 

17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)? 

Adeildo Vieira: A vantagem é que podemos usar essa tecnologia para experimentar em casa, de forma despretensiosa, fazendo pré-produções que ajudam a amadurecer as estéticas e os conceitos das canções. Isso ajuda na hora de irmos fazer gravações profissionais.

A desvantagem é que tem muita gente que acha que gravar em casa pode ser o suficiente para ser competitivo no mercado fonográfico e acaba se atrapalhando, pois, a qualidade técnica é geralmente muito inferior. O Home Studio é apenas um meio no processo de produção, mas não pode ser encarado como um fim. 

18) RM: No passado, a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical? 

Adeildo Vieira: A concorrência do mercado sempre houve, o que mudou foi o frenesi com que se exercita esse mercado no ambiente virtual. No pretexto de democratizar o acesso à divulgação, a internet tornou-se um mundo sem fronteiras capaz de expor todo mundo.

Mas ela oferece vitrines diferentes, caso você pague pelo uso ou saiba usar de seus mecanismos próprios, capazes de evidenciar a sua exposição. As futilidades são mais susceptíveis de viralização, enquanto conteúdos mais densos precisam saber ocupar o seu nicho e conter a ansiedade de se viralizar. Agregar seguidores capazes de dialogar com sua proposta é o ideal.Mas, mais do que agregar seguidores, eu procuro me relacionar com quem compreenda e se identifique com o que crio, o que faço na minha lida como artista e cidadão do mundo. E isso se dá de pessoa por pessoa, sem, até agora, ter formulado um projeto de divulgação massiva capaz de ampliar esse público. Mas isso está, claro, nos meus planos.

19) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular brasileiro. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram? 

Adeildo Vieira: No que tange ao que é divulgado na grande mídia, vejo um cenário caótico que não representa a grandeza da cultura brasileira. E no pretexto de ocupar espaços politicamente necessários, o link com as profundezas do Brasil vão se perdendo.

É que no campo da arte, muito se avançou na inclusão de pretos, mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+, que são parcelas da população que sempre foram discriminadas e/ou exploradas na nossa sociedade, mas que agora têm ocupado espaços de formação de um público que passa a se identificar com elas e as respeitá-las a partir de suas falas no campo da música.

Isso necessariamente não garante boa música, mas provoca uma movimentação necessária para o avanço da sociedade, o que, aliás, é um dos papéis da arte.

Mas o Brasil profundo continua a se movimentar, sobretudo na cultura popular e quem se inspira nela. As movimentações externas de outros países também continuam a inspirar nossos artistas.

Dou um destaque importantíssimo no movimento hip hop no Brasil, já que tem por natureza ser transversal em sua expressão artística, com música, poesia, grafite, dança etc. Uma voz de periferia que busca democratizar o Brasil, trazendo oportunidades para artistas de periferia se manifestarem em suas falas urgentes.

Nas últimas décadas, quero destacar o meu conterrâneo Chico César, além de Zeca Baleiro, ambos grandes poetas e inspiradores em seus trabalhos. Mas há muitos outros e outras que levam a arte com a grandeza que ela merece. Quem regrediu? Não sei, acho que me perdi deles… 

20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado, etc)? 

Adeildo Vieira: Inúmeras são as situações vividas por quem faz parte do universo artístico, sobretudo quando se trata da cena independente. Eu já vivi várias, mas uma das mais marcantes foi quando fui chamado para tocar na minha cidade Natal, Itabaiana/PB, num evento de robusta produção, mas que as outras atrações não tinham nenhum alinhamento com meu universo estético.

A noite começava com o cover de um artista que trabalhava com voz e teclados. Depois seria eu e por fim uma banda dessas que chamam de forró, mas que de forró não tem nada. O fato é que fiz um show inteiro debaixo de vaia e agressivos pedidos para que eu deixasse o palco. Coisa que eu não fiz.

Toquei o show completo e depois fiquei no camarim esperando que tudo acabasse pra poder sair, já que eu não queria ter contato com um público que, de forma extremamente indelicada, tentou me expulsar do palco.

Isso fez com que eu voltasse outras vezes para a minha cidade para formar público e dialogar mais com meus conterrâneos. Claro que ninguém daquela indigesta plateia se fez presente em nenhum momento de retorno meu. Quanto ao cachê daquele fatídico show, recebi depois de três meses. 

21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical? 

Adeildo Vieira: Fico feliz quando estou no palco e percebo que há acolhimento do público para com minha obra, pois ela fala muito de mim e de como eu penso a vida. Minha obra é propositiva e vislumbra um mundo melhor, com solidariedade e respeito à diversidade.

Nesse momento percebo que estou em cumprimento de uma missão. Agora, fico extremamente triste quando vejo que as forças do mercado são extremamente mais fortes do que a poesia que nos move. O mundo midiático e as forças políticas que movem a cultura estão de joelhos para os movimentos comerciais da cultura.

Na verdade, são movimentos nocivos, porque movem o caldeirão da cultura na medida em que destroem códigos que nos representam e, com a força financeira que têm, constroem outro cenário com valores estéticos, políticos e sociais que empobrecem a sociedade. No meio disso, quem vela pela arte comprometida com o respeito humano está em extrema desvantagem… 

22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical? 

Adeildo Vieira: O Dom musical entra no conceito de aptidões inatas e eu acredito nelas, sim. Não tem como negar, pois tenho isso dentro da minha família, inclusive.

Meu irmão mais velho aprendeu a tocar violão sozinho aos oito anos e dois anos depois estava tocando músicas de Dilermando Reis e dos maiores gênios da música popular brasileira, como Ernesto Nazareth, João Pernambuco, Garoto, Pixinguinha, Zequinha de Abreu etc.

Mas acho perigoso falar em dom musical, sobretudo quando se está dentro de um processo de educação, por exemplo. Um educador jamais deverá valorizar essa questão numa prática de ensino, pois fazer isso é eleger vitoriosos e “fracassados” no exercício de seu ofício. Temos que partir do pressuposto de que todos são capazes, pois isso é uma verdade. As aptidões é que fazem com que alguém vá mais longe no seu fazer artístico. 

23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical? 

Adeildo Vieira: Trata-se do poder criativo exercitado em ações imediatas. Um exercício, aliás, maravilhoso. 

24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois? 

Adeildo Vieira: Para alguns pode ser apenas um exercício pleno de pura intuição. E isso é possível. Mas o fato é que é recomendado muito estudo, pois é preciso ter domínio de escalas e conhecer bem as expressões culturais por onde se navega para trabalhar o improviso sobre elas.

Blues, música nordestina ou de aspirações flamencas têm, cada uma, características que precisam ser conhecidas para que um bom improvisador faça a sua performance. 

25) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical? 

Adeildo Vieira: Os métodos são importantes para se conhecer algumas regras para improvisação, mas o perigo é o músico se ater às regras a tal ponto que se torne demasiadamente técnico e perca o viés da emoção e da criatividade no seu ato de improvisar.

Esses são elementos imprescindíveis para se fazer uma boa improvisação. Improvisos técnicos demais só encantam a outros estudiosos da técnica. Mas música tem que emocionar. 

26) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical? 

Adeildo Vieira: Métodos que exaltem a teoria sobre harmonia são sempre importantes. O importante mesmo é o que o músico faz depois com o que aprendeu. E isso não depende do método, mas da percepção do músico sobre as obras com que trabalha. Jamais devemos trazer uma música exclusivamente no campo da técnica e da teoria, pois é preciso entendê-la como fenômeno cultural que nasceu da manifestação histórica de povos, aqui e alhures. 

27) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios? 

Adeildo Vieira: O jabá é uma excrescência no universo cultural, porque exalta o poder econômico das produções e muitas vezes é feito como caixa dois, como um suborno a profissionais da mídia. Um ato praticamente institucionalizado historicamente, sobretudo por gravadoras.

Mas hoje o cenário mudou com o advento da internet. As mídias hoje são, por vezes, pautadas por movimentos de redes sociais, tanto jornalística quanto culturalmente.

Ademais, com a falência de venda de discos e a ascensão das plataformas de streaming, o jabá agora virou moeda do processo de corrupção entre produtores e contratantes, principalmente quando envolvem dinheiro público. E eu nem preciso dizer onde o artista independente fica nessa história, né? Fica no limbo. 

28) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical? 

Adeildo Vieira: Essa resposta é extensa, mas vou colocar algumas coisas aqui. Eu digo que ouça muita música, valorize a diversidade, estude e procure saber quem você é nesse processo de se entender músico. Procure compreender as forças políticas que põem ou negam um artista no palco.

Não falo de política partidária, mas dos movimentos de poder que definem o lugar onde estamos como artistas, assim como interferem na nossa relação com o público. Se tiver consciência disso, será menos manipulado.

Procure encontrar sua assinatura no seu fazer artístico, pois no campo artístico esse é seu grande trunfo e certamente é o que vai garantir seu lugar em alguma prateleira do mercado como algo com aspirações de originalidade.

No mais é ralar sem reclamar e saber usar os mecanismos disponíveis para produzir e divulgar sua obra. Ah, e faça muitos amigos por onde andar, pois não há mercado que seja mais forte do que as energias que lhe ajudam a viver a música que você acredita. 

29) RM: Festival de Música revela novos talentos? 

Adeildo Vieira: Os festivais são grandes vitrines que exibem uma fotografia musical do momento em que ele acontece. Sou defensor dos festivais, mas não só como evento de exibição pública de obras de velhos e, sobretudo, novos artistas.

Acho os festivais maravilhosos a partir de seus bastidores, por causa do encontro de artistas de estéticas diversas e sonhos parecidos. E quando o festival é de caráter nacional, a coisa fica ainda mais rica por conta desse intercâmbio cultural que ele provoca.

Mas há festivais construídos exclusivamente para os interesses do mercado, que, a meu ver, distorce seus propósitos filosóficos mais profundos, pois transforma tudo, inclusive o festival, num espetáculo que mais serve a si mesmo do que aos participantes dele. Não estou negando o mercado e seus movimentos, mas sim afirmando que é preciso ter um olhar artístico-cultural nesse processo.

Depois de encontrados novos talentos, novas vertentes da música, novas propostas estéticas e políticas na arte, aí o mercado entra para fazer o seu trabalho. E há sempre um bom lugar na prateleira para algo novo. Isso é o que eu defendo. 

30) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira? 

Adeildo Vieira: A grande mídia, em via de regra, presta um desserviço à música brasileira. Investe muito em embalagem para vender produto nocivo à cultura de um país tão rico culturalmente como o nosso. E nesse movimento, acabam por fortalecer o esquecimento da identidade brasileira e criar novos códigos que não representam nossas tradições.

E com esta minha assertiva não estou dizendo que as tradições não sofram transformações, pois a cultura é dinâmica. O que digo é que os novos códigos culturais inventados por vezes não prezam sequer pela dignidade humana… 

31) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?

Adeildo Vieira: O “Sistema S” sempre teve uma grande importância para o cenário cultural brasileiro. Pode-se até dizer que esse sistema exercita uma política cultural conceitual que por vezes nem o Estado consegue implementar.

Falo de muitos gestores de estados e municípios que têm péssima compreensão sobre a cultura brasileira e acabam conspirando contra ela. O Itaú Cultural também consegue contribuir de forma muito interessante para a visibilização de traços importantes da cena musical de nosso país. 

32) RM: Quais os seus projetos futuros? 

Adeildo Vieira: Em 2024 faço 40 anos de carreira independente. Quero promover movimentações nessa comemoração, fazendo shows e criando projetos de viagens para celebrar junto ao público que já me conhece, mas também para conhecer novos amigos no campo da música.

Já tenho show marcado para a França, em agosto, e estou fechando alguns em Portugal. No mais, é me inscrever em editais de circulação e tocar junto com amigos velhos e outros tantos novos.

Para tudo isso eu conto com o grupo Alamiré, que me acompanha nos shows e é onde tocam dois de meus filhos. Aliás, esse grupo é incrível. Por onde passar, quero tocar, mas também quero fazê-los tocar. A estética e a postura artística deles me contemplam. 

33) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs? 

Adeildo Vieira: (83) 98630 – 1962 | https://www.instagram.com/adeildo.vieira 

Canal: https://www.youtube.com/@adeildovieira 

Adeildo Vieira – Performance & Entrevista (ao vivo no CLAN SESSIONS): https://www.youtube.com/watch?v=j5ia9V5Wp88 

Mundo do Bem Querer – Adeildo Vieira: https://www.youtube.com/watch?v=3Ott8eeRvvA 

Playlist do álbum O Presente: https://www.youtube.com/watch?v=BpAoLK-y6xI&list=OLAK5uy_nxZ-T3eF5c5Ro25qvgVyF_lGc7FHOcxf8 

Playlist do álbum África de mim: https://www.youtube.com/watch?v=qR3m3zRddRw&list=OLAK5uy_lakOAV1enJZaUps-rAh4nKP1ROMgsjRWE 

Playlist do álbum Há Braços: https://www.youtube.com/watch?v=lxPHOsY1ta8&list=OLAK5uy_nutpS5xJHno76k0VLX_Lfea2aWZxHLhtQ 

Playlist do álbum Diário de Bordo: https://www.youtube.com/watch?v=EsJLzLHtn4k&list=OLAK5uy_mIiXtrFN910mE5zIWMLtBBS9PKjiwgWKA


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  1. Maravilhosa, é muito bom ver os conterrâneos enaltecendo nossa cultura, e compartilhando nossos dilemas, destaco a pergunta 28,fazer novos amigos por onde andar, isso ajuda demais, graças à entrevistas como essa , conheci um mundo cultural maravilhoso e que me trouxe muito conhecimento, parabéns…

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Uma Revista criada em 2001 pelo jornalista, músico e poeta paraibano Antonio Carlos da Fonseca Barbosa.