O cantor, compositor paraibano Marcos Boa Fé botou o pé na profissão no Festival Intermunicipal da Canção em 1988 em Bacabal – MA, com “Ajuda de Nossa Parte”, cuja execução alcançou grande repercussão nas rádios de São Luís e do interior do Maranhão.
“Ajuda de Nossa Parte” se tornou um dos principais destaques que encabeçaram o movimento “Nossa Voz”, dando origem a três coletâneas lançadas por artistas independentes.
Curiosamente a canção não está no repertório de nenhum dos três discos, uma vez que foi suprimida do primeiro lançamento sem nenhuma explicação lógica estando estourada nas rádios antes mesmo do registro em vinil, que só viria a ocorrer mais tarde com a gravação do primeiro disco de Marcos Boa Fé, intitulado “Terra Santa”, em 1994.
A ideia do projeto “Nossa Voz” tornou-se possível graças a força que tomou o movimento “Mesa de Bar”, que juntou os compositores Zé Lopes, Perbóire Ribeiro, Marcus Maranhão, Raimundinho, Assis Viola, David Faray, oriundos da Casa do Artista de Bacabal, modificando um projeto lançado inicialmente que seria Marcos Boa Fé e Amigos.
Por sugestão do jornalista Abel Carvalho o trabalho passou a dividir espaço por igual nas participações, com exceção do ocorrido com a ausência da música no primeiro vinil do grupo. Os discos foram: “Nossa Voz” em 1992; “Nossa Voz 2” em 1993; “Terra Santa” (Marcos Boa Fé) em 1994; “Nós” em1997; “Quinta Cultural” em 2000.
Marcos Boa Fé, nesse meio tempo, continuou por força das circunstâncias alternando entre outras ocupações bem diferenciadas, indo do jornalismo na TV Mirante, Rádio CBN, Assessoria da prefeitura de Paulo Ramos, até a área da segurança privada, atuando como porteiro e vigilante e no mercado informal com a venda de lanches para complementar a renda e outros trabalhos para garantir a sobrevivência fora da área musical.
Marcos Boa Fé seguia com música, paralelamente e intercalando longas pausas reflexivas para capturar novas composições, junções com os amigos nas bandas: “Alma de Gato” em 1999 a 2002 (com Nena Natal: guitarra; Alessandro: bateria; Erimburgo: Baixo); “Meteoro” de 2004 a 2009 (com Rui: Teclado; Rennam: guitarra); “Nova Estação” de 2010 a 2012 (Edem Barros: cantor; Fraan Carlos: bateria, Newtom: Baixo; João: guitarra); “Artesanal Music Band” de 2012 a 2015 e voltou em 2019 (com André Santos: violão e guitarra; Idemburgo: Flauta; Chico: Baixo; Paulinho: bateria).
Segue abaixo entrevista exclusiva com Marcos Boa Fé para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 04.10.2019:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e sua cidade natal?
Marcos Boa Fé: Nasci no dia 04 de outubro de 1967 em Cajazeiras – Paraíba. Registrado como Francisco Rodrigues de Sousa.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Marcos Boa Fé: Meu primeiro contato com a música se deu quando eu era criança na Paraíba. Além do estágio de ouvinte, ainda de forma isolada e precoce; acompanhando os sucessos do rádio e chamava atenção dos adultos eu aprender com facilidade as letras das músicas.
Todo histórico artístico que eu tinha era as histórias da minha mãe, que vinha da zona rural, num povoado chamado Boa Fé; ali, ela com os seus irmãos animava as noites em luaus, as mulheres cantando, os homens se revezando tocando Banjo, Cavaquinho e Violão. Acho que daí que vem a memória mais antiga.
03) RM: Qual sua formação musical e\ou acadêmica fora da área musical?
Marcos Boa Fé: Na música sou autodidata. Estudei somente o ensino médio e cursei mecânica geral, nunca exerci a profissão. Sempre atuei em funções variadas, por não conseguir sobreviver da profissão de música.
E um trabalho que me marcou bastante foi como redator em alguns órgãos de imprensa e assessoria e num tabloide que mantivemos durante 10 anos no interior do Maranhão.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Marcos Boa Fé: Sempre ouvi todos os ritmos. No Nordeste não tinha um estilo em destaque, ofertando uma verdadeira salada de gêneros musicais. As principais influências foram: Raul Seixas, Zé Geraldo… Continuo gostando deles e do Milton Nascimento também.
Os que deixaram de ter importância foram as músicas comerciais descartáveis, cujo fascínio me envolveu na infância e que são referências para que eu busque o oposto quando vou criar minhas músicas.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Marcos Boa Fé: A autoafirmação ocorreu em 1998 ao participar com a música “Ajuda de Nossa Parte” de um Festival de Música realizado no interior do Maranhão.
Em 2002 “Ajuda de Nossa Parte” foi gravada e se tornou um hit nas rádios de São Luís, durante meses ficou no topo das paradas. No festival, a música não recebeu nenhum prêmio.
06) RM: Quantos CDs lançados?
Marcos Boa Fé: Minhas músicas: “Ajuda de nossa parte”; “Árvore de metal”; “Baião de Dois”; “O canto da sereia”; “Apanhador nos Campos”; “Bandeira” participaram de quatro coletâneas e gravei um disco, ainda na época do vinil. Os discos “Nossa Voz 1 e 2”, o Sexta Cultural e o “Nos”, gravados entre 1999 e 2004, tiveram participação de artistas regionais maranhenses, engajados num movimento no eixo da região do Médio Mearim, onde nessa época ainda eram realizados bastante Festivais de Música.
Os parceiros desses trabalhos foram Zé Lopes, Perboire Ribeiro, Assis Viola, Rai Lima, Marcus Maranhão e Davi Faray. Os músicos envolvidos no projeto foram os mesmos que participaram do meu trabalho solo, em 2002…os guitarristas PP Junior e Edinho Bastos; tecladistas, Marcelo e Eliezio, Erivaldo Gomes na percussão e o baixista Pitomba.
07) RM: Como você define o seu estilo musical?
Marcos Boa Fé: Acho que meu estilo é regional e excêntrico, com uma influência direta do rock…música artesanal.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Marcos Boa Fé: Nunca estudei técnica vocal e nem tive muito cuidado com a voz. Apenas evito gritar. Quando posso, economizo na fala.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Marcos Boa Fé: Acho muito importante o estudo, para que se consiga melhores resultados como cantor. Alcançar certas notas. Acredito na exclusividade que cada um pode imprimir com o seu trabalho até mesmo as limitações a serem superadas com criatividade.
10) RM: Quais as cantoras(es) que você admira?
Marcos Boa Fé: Nana Caymmi, Elis Regina, Marisa Monte, Milton Nascimento, Raul, Zé Geraldo e Chico Buarque. Mas tem muitos outros.
11) RM: Como é seu processo de compor?
Marcos Boa Fé: Fico procurando conectar ideias e junto partes de músicas que vou criando aos poucos. Tenho muitas vinhetas que preciso finalizar.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição? Quem já gravou as suas músicas?
Marcos Boa Fé: Pouca gente já gravou as minhas músicas. Meu processo de composição é isolado, pois tenho dificuldades com parcerias. Prefiro entrar com a combinação letra e melodia para cada uma das partes envolvidas numa criação, assim não afeta a originalidade, que é marca pessoal de cada um.
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Marcos Boa Fé: A gente tem que bancar toda a iniciativa, muitas vezes sem ter nenhuma condição financeira para isso. E correndo atrás de produzir a realização dos eventos, sem contar com apoio de órgãos públicos para logística, nada!
O lado bom é poder se expressar de forma mais contundente, o que ainda piora a situação para o desenvolvimento de uma carreira musical, em detrimento da cena contrária ao ideal cultural. A música é vista com muito glamour pela maioria do público, gerando opinião com pouco conhecimento, no que é seguido pela grande mídia, que promove o que lhe parece politicamente correto.
14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Marcos Boa Fé: Pretendo tornar o meu trabalho mais conhecido, com a gravação de algumas músicas ainda inéditas, que evoluem; a meu ver, na linguagem que busco imprimir com a minha contribuição artística. Fora do palco, tenho batalhado pela sobrevivência em empregos diferenciados. Já trabalhei como porteiro, ferramenteiro, dono de trailer, vendedor. Nunca perdendo a esperança de viver só da música.
15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira?
Marcos Boa Fé: Estou atualmente com um projeto publicitário que consiste em realizar shows em praças públicas, utilizando um painel no fundo do palco contendo as logomarcas dos anunciantes. A ideia está sendo bem aceita e já vai em fase de finalização do projeto para ser apresentado às empresas. Estamos em parceria com uma produtora, a Live Mais Marketing e Publicidade, que vai gerenciar a ideia.
16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira?
Marcos Boa Fé: atualmente, é proveitosa em comparação a outros tempos, em que a presença física do disco se fazia necessária para divulgação em um trabalho independente; a parte prejudicial ainda não visualizo, mesmo sendo esse espaço também usado como extensão dos aparatos da grande mídia.
17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Marcos Boa Fé: Apesar de certos aspectos a qualidade da gravação em home estúdio variar um pouco, mas creio que o saldo no geral é positivo.
18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para ser diferencia dentro do seu nicho musical?
Marcos Boa Fé: A concorrência com qualidade era um sonho. Mas, na cena vigente é tão surreal que se torna impossível acreditar numa reação do mercado de consumo musical, mesmo com o acesso as tecnologias. O que faço é tentar correr ao contrário da música descartável para atender o gosto dos amantes da arte musical.
19) RM: Como você analisa o cenário musical brasileiro. Em sua opinião quem foram às revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Marcos Boa Fé: O cenário musical atual não é dos melhores. Falo como ouvinte, não como compositor, vendo que o gosto musical é manipulado pela grande mídia, funcionando como termômetro de nossa mentalidade. É difícil, nessa perspectiva, permanecer com trabalhos de alto nível e por isso muitos dos grandes nomes da MPB parecem estacionados.
O que ocorre é que o processo de mudança depende de vários fatores e o principal deles é a relação com o público, que é influenciado por uma postura cultural aleatória e explorado pela grande mídia capitalista que o vê simplesmente o artista como um produto. O público poderia dar uma resposta satisfatória, sem que lhes fosse cancelada a faculdade de pensar.
20) RM: Quais os músicos já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Marcos Boa Fé: Cartola, Paulinho da Viola, Chico Science, Bob Dylan, David Bowie…
21) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical?
Marcos Boa Fé: Um empresário nos deu um cano, difamando-nos após umas apresentações e deixando de pagar; outro parceiro, também nas mesmas condições, ameaçou envolver a polícia numa divisão de CDs. Coisas tristes, mas que acontecem no meio e que, infelizmente, são geradas pela necessidade e despreparo, diante de um universo que pode ser tão grandioso.
22) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Marcos Boa Fé: Feliz por fazer o que gosto, embora me custando alto preço e isso é a parte negativa, de não haver variabilidade no que é difundido pelas empresas de comunicação de massa, no caso as TVs abertas.
23) RM: Nos apresente a cena musical da cidade que você mora?
Marcos Boa Fé: Em São Luís – MA há enorme penetração de uma música associada a consumo de bebidas e modismo musicais lançados em outras regiões ao mesmo tempo que o reggae e o folclore também predominam. Existe um universo musical próprio daqui, através de nomes como Erasmo Dibell, Cesar Nascimento, Gerude, entre muitos outros com vasta produção independente.
24) RM: Quais os músicos, bandas da cidade que você mora, que você indica como uma boa opção?
Marcos Boa Fé: Nego Kaapor, Manu Bantu, Flavia Bittencourt, Mano Borges.
25) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Marcos Boa Fé: Não, até porque já tive essa experiência de pagar o jabá e não houve resposta positiva. No entanto, acredito que pode haver um engajamento na popularização de um trabalho musical, de maneira espontânea.
26) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Marcos Boa Fé: Se aplicar bem a um instrumento e manter o estudo à parte, porque há que se investir em música, mas com o pé na realidade, que infelizmente, no Brasil, não oferece nenhuma segurança.
27) RM: Quais os prós e contras do Festival de Música?
Marcos Boa Fé: Os Festivais de Música são viáveis, desde que haja imparcialidade do júri. Já participei de alguns Festivais de Música em que pessoas inscreviam até dez músicas no nome de outros e acabavam ganhando todos os prêmios. Dessa maneira, não oferece resultados favoráveis aos novos talentos que possam surgir e desenvolver.
28) RM: Hoje os Festivais de Música ainda revela novos talentos?
Marcos Boa Fé: Se houver ampla divulgação do Festival de Música e respeitar a liberdade de estilos, acho que poderia ser a melhor saída para alcançarmos melhores níveis de produções.
29) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Marcos Boa Fé: Muito ruim e limitadora. Somente os mesmos estilos musicais se sobressaem e os representantes dessas músicas e o selo que contrata os que estão movidos pela febre popular. Muitas vezes, esses trabalhos exploram a falta de acesso à informação que predomina nas camadas populacionais de baixa renda, que são as responsáveis pelo mercado musical brasileiro.
30) RM: Qual a importância do SESC, SESI, Itaú Cultural, Caixa Cultural para a cena musical?
Marcos Boa Fé: Não fui beneficiado ainda com nenhum projeto, mas vejo que grande parte de shows que acontecem são promovidos por essas instituições.
31) RM: Quais os seus projetos futuros?
Marcos Boa Fé: Permanecer na música e conseguir fazer uma biografia registrando a trajetória que envolve outras histórias, transformar em filme o resultado para dar um complemento à obra.
32) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?
Marcos Boa Fé: [email protected] | (99) 98268 – 4715 | www.facebook.com/marcos.boafe