A cantora e compositora paulistana, Jéssica Nucci, também é educadora ambiental e agroflorestora, comprometida com a regeneração de solos, nascentes e ecossistemas.
Seu trabalho musical é o retrato de sua vida, aprendizados e suas ideias de mundo. Autodidata na música, toca ukulelê, violão, bombo leguero e viola caipira. Cresceu em uma família musical e é filha de Claudio Nucci (https://ritmomelodia.mus.br/entrevistas/claudio-nucci/), cantor e compositor brasileiro e irmã de Vicente Nucci com quem criou apresentou o trabalho Canto Interior, em 2023.
Acompanhada por Vicente Guindani (seu marido) já se apresentou no formato voz e violão e co-fundou em 2015, a banda porto-alegrense “Expresso Livre”, com Vicente Guindani (violão), Augusto Furtado (cavaquinho), Augusto Constantino (contrabaixo), Yuri Ebenriter (percussão), Laura lazaroto (voz), Gabriel Torely (percussão). Com a banda lançou dois álbuns: Equinócio (2016) e Passaporte (2018), além de um videoclipe.
Atualmente, Jéssica divide seu tempo entre o trabalho com a música e a educação, atuando como professora de geografia e também com educação indígena, na aldeia Kaingang do município de São Leopoldo/RS.
Decidiu deixar a capital do Rio Grande do Sul para morar em um sítio na região metropolitana de Porto Alegre e hoje, com sua família, promove a regeneração desta área através das agroflorestas – que além do benefício do reflorestamento, também produzem alimentos orgânicos. Inquieta por natureza, tem a música como um veículo de questionamento social e reflexões sobre a natureza humana.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Jéssica Nucci para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistada por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 24.12.2023:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Jéssica Nucci: Nasci no dia 23/11/1988 em São Paulo – SP. Registrada como Jéssica Campos Nucci.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Jéssica Nucci: Desde sempre me interessou o mundo dos sons e das letras. Brincava com as vogais e consoantes imaginando escadas – visualizava assim, sem saber, as escalas.
Aprendi a diferenciar os instrumentos que ouvia, percebi, empiricamente, a sensação que a harmonia causa na gente, quando sons diferentes se casam num acorde, ou nas vozes do sertanejo, dos grupos vocais da MPB…
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Jéssica Nucci: Cursei Licenciatura em Geografia na UFRGS e atualmente sou educadora, servidora pública do município de São Leopoldo – RS.
A formação musical é de caráter autodidata e a voz é meu principal instrumento, mas venho desenvolvendo habilidades como instrumentista com o violão, a viola, ukulele e o bombo leguero.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Jéssica Nucci: Quando criança ouvi muito Adoniran Barbosa. Cada música, uma história… O cotidiano da cidade em que nasci cantado de forma simples. Isso me marcou demais. Além dele, lá em casa sempre teve Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Jobim, Gonzaguinha, Legião Urbana, e claro, meu pai Cláudio Nucci. Meu pai sempre me deixava a par de suas produções.
Na adolescência comecei a militar no movimento estudantil, muito ligado às lutas da América Latina, então conheci Violeta Parra, Victor Jara, Mercedes Sosa… Gosto da chamada “estética do frio” que a região subtropical emana. Vitor Ramil, Nei Lisboa, Kleiton e Kledir…
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Jéssica Nucci: A música ficou encasulada até eu admitir que não seria feliz sem que realizasse as canções que eu compunha no silêncio e guardava nas gavetas da memória.
Em meio a uma depressão, parei de militar no movimento social e em meados de 2013 passei a expressar com a música as ideias, pensamentos e sentimentos a respeito do mundo. Isso foi me curando.
Logo encontrei amigos que estavam passando pelo mesmo processo, e foi assim que criamos a Expresso Livre – banda focada em produzir um som 100% autoral e a viver os prazeres de estar junto fazendo um som. Produzimos dois álbuns e tocamos em teatros, bares e espaços culturais da cidade de Porto Alegre e região, sempre fomentando a cena autoral.
06) RM: Quantos CDs lançados?
Jéssica Nucci: Lancei dois álbuns: Equinócio (2016) e Passaporte (2018) com a banda porto-alegrense “Expresso Livre” junto como Vicente Guindani (violão), Augusto Furtado (cavaquinho), Augusto Constantino (contrabaixo), Yuri Ebenriter (percussão), Laura lazaroto (voz), Gabriel Torely (percussão).
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Jéssica Nucci: MPB com notas latino-americanas.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Jéssica Nucci: Não formalmente. Fiz oficinas de voz e movimento, numa pegada mais criativa, em geral, meu estudo vocal é bastante intuitivo.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Jéssica Nucci: A gente que canta, quer cantar a vida toda. Cuidar da saúde do próprio aparelho vocal significa também, pensar no amanhã.
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Jéssica Nucci: Elis Regina, Mercedes Sosa, Nina Simone, Maria Bethânia, Mano Brown, Emicida, o grupo vocal Quilapayún…
11) RM: Como é seu processo de compor?
Jéssica Nucci: Por necessidade. Seja pra conseguir organizar dentro de mim as emoções e pensamentos do momento, aqueles que estejam ainda confusos e me gerando angústia, seja pra expressar alguma alegria, uma visão benevolente sobre coisas ou situações.
De qualquer forma, a letra e a melodia vêm juntas, num processo sem papel e relativamente rápido. Geralmente a mensagem vem pronta e, como se a língua fosse agulha e linha, vou costurando a canção no instante em que canto.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição? Meu companheiro
Jéssica Nucci: Vicente Guindani é quem, na maioria das vezes, consegue realizar em acordes de violão, a música feita. Com ele tenho uma música feita por nós dois. De resto, é um processo mais solitário mesmo.
13) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Jéssica Nucci: Ela, a carreira musical, caminha no ritmo com que você a conduz. Não tem ninguém dizendo “vamos lá”, ninguém buscando espaços pra você se apresentar, ninguém te ajudando a alimentar suas mídias… E dependendo das outras demandas da vida (filho, casa, outros trabalhos), por vezes, a música fica eclipsada, e este é um ponto negativo.
É difícil ser artista independente e vislumbrar fazer apenas isso da vida. E acho que para uma camada considerável de artistas, não há nem a perspectiva de construir condições para isso, viver da sua arte. Muitos, assim como eu, buscam outras profissões em paralelo para pagar as contas.
Se posso dizer que há algo positivo nisso, dentro de mim acomodei o sentimento e o pensamento de que não posso “viver de música” (não se eu quiser sustentar o padrão de vida que eu tenho), mas posso “viver com a música”, e ela é uma excelente companheira! De certa forma, esta condição de a música não ser minha principal fonte de renda, traz leveza à nossa relação. E sou livre pra criar e pra cantar o que eu quiser.
14) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Jéssica Nucci: Decidi que vou priorizar as oportunidades presenciais que fazem sentido para mim. Que conversem com as ideias e valores que expresso nas canções, especialmente os que pautam a questão da terra, a agroecologia, a espiritualidade como um caminho para evoluirmos como seres humanos, eventos que debatem o feminismo, as lutas dos trabalhadores.
Tenho menos tempo do que gostaria para investir na minha carreira, não pretendo gastá-lo criando conteúdo digital, embora eu vislumbre organizar melhor as minhas mídias e tornar minhas canções mais acessíveis.
15) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Jéssica Nucci: Hoje em dia eu tenho um cadastro MEI e escrevo projetos para editais. Além disso, procuro os agentes da cultura que estão em minha rede a fim de fortalecer a cena regional autoral.
16) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?
Jéssica Nucci: Hoje em dia é tudo por ali, as oportunidades surgem através da internet (editais, contatos, etc…) mas ao mesmo tempo, eu sinto que a pressão para ter influência digital, muitos seguidores, visualizações, likes etc, pode desvirtuar o sentido do fazer artístico.
A busca pela fama e a vinculação dela ao sucesso do trabalho de alguém, na minha opinião, pode gerar tristeza e ansiedade em muita gente boa que move as entranhas da cultura e que não está sob os holofotes.
Ao mesmo tempo em que catapulta carreiras pouco enraizadas, de conteúdo superficial e/ou nocivo à saúde das relações humanas. Então, não sei se a internet ajuda ou atrapalha.
Particularmente, luto contra as pressões e pensamentos de comparação que me colocam pra baixo, e o maior antídoto pra isso é cantar para as pessoas de verdade. O melhor like é o abraço depois do show.
17) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Jéssica Nucci: É legal ter autonomia pra gravar. Necessário, inclusive, especialmente se você é artista independente. Só vejo vantagens.
18) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Jéssica Nucci: Não faço nada pra me diferenciar, apenas canto o que componho nos espaços que bem me recebem. Procuro conectar-me com as pessoas e, como também sou educadora, me esforço para que a mensagem da música seja entendida por todos que me assistem. É importante pra mim que a mensagem seja bem entregue.
19) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular Brasileiro. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Jéssica Nucci: Gosto muito do som do Emicida. Ele é o cara.
20) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?
Jéssica Nucci: Estávamos fazendo show numa casa noturna, e depois de três horas tocando, fazendo a “saideira”, entra uma galera no bar. O dono do estabelecimento veio pra gente com cara de dar dó pedindo mais. Seguramos por mais uma hora, saímos exaustos.
21) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Jéssica Nucci: Feliz é poder cantar, conhecer pessoas, saber que em algumas delas o som bateu forte no peito. Triste é perceber que eu canto menos do que gostaria, pois fazer música autoral exige encontrar um público com a cabeça mais aberta, espaços menos enlatados e mais democráticos. Isso é desbravar. Quebrar resistências. Tudo isso equilibrando os pratos da vida com filhos, casa, família. Às vezes dá um desânimo.
22) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Jéssica Nucci: Acho que cada um recebeu habilidades e dons, que são inatos e que podem ser desenvolvidos ou não, a depender das oportunidades da vida.
É triste perceber que neste mundo muitos gênios estão por aí, atendendo em caixas de supermercado, limpando a casa de alguém, montando peças no chão das fábricas.
Gênios de todos os gêneros, não apenas do mundo da arte. Inventores, construtores, matemáticos. Quem sabe num desses lugares não está escondido alguém que poderia descobrir a cura do câncer? Eu acredito em dom.
Mas também sei que os que podem exercê-lo em liberdade, são os que possuem o passe do dinheiro. Salvo as exceções, verdadeiros heróis da existência.
23) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?
Jéssica Nucci: Reunir uma galera e tocar junto, dando o seu melhor. Vale tudo que é brincadeira.
24) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
Jéssica Nucci: Se você vende um show específico de improvisação, não sei. Deve existir um estudo fino a respeito. Mas ao fim e ao cabo, na hora do ao vivo, é sempre a primeira vez. E por mais que se ensaie, sempre pode ocorrer situações onde vai ser necessário improvisar.
25) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Jéssica Nucci: Acredito. Mas é uma longa caminhada.
26) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Jéssica Nucci: Sempre dou força, especialmente quando percebo que é importante pra pessoa.
27) RM: Festival de Música revela novos talentos?
Jéssica Nucci: Depende do alcance do festival de música.
28) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Jéssica Nucci: Nada de novo no modus operandi da grande mídia. O dinheiro segue mandando em tudo, mas hoje é possível encontrar mais artistas negros, da comunidade lgbtqia+, etc. Então percebo que os acessos seguem restritos embora as pautas mais diversificadas.
29) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Jéssica Nucci: Acho fundamentais esses espaços.
30) RM: Quais os seus projetos futuros?
Jéssica Nucci: Estruturar e facilitar o acesso do público ao meu trabalho pelas plataformas e seguir cavando oportunidades de me apresentar.
33) RM: Quais seus contatos para show e para os fãs?
Jéssica Nucci: [email protected]
| https://www.instagram.com/jessicanucci_
Canal: https://www.youtube.com/channel/UCaIj-jNyVO4NL8LsXCOziwQ
Jardim de Flores – Jéssica Nucci: https://www.youtube.com/watch?v=Ej5DUevMty8
Si se cala em cantor (Horácio Guarany) – por Jéssica Nucci: https://www.youtube.com/watch?v=mJHJFAV5c0s
Conheço o meu lugar – Belchior (Por Jéssica): https://www.youtube.com/watch?v=WyxdsmQwOdc
Expresso Livre – Equinócio (full álbum): https://www.youtube.com/watch?v=5Zk3slhmm1Q
Playlist Expresso Livre: https://www.youtube.com/watch?v=dKAlWtM_LB4&list=PL9eMa1FPMks2a7ZwGvpwVDOeX7QCu624W
Radar | TVE – Expresso Livre – 07/07/2017: https://www.youtube.com/watch?v=hok9bRKZcXI
Banda Expresso Livre é atração no Canja Musical do SBT Rio Grande: https://www.youtube.com/watch?v=9K1yXWHyDBk