O pianista paulista de grande versatilidade, Fábio Caramuru, foi o último aluno brasileiro de Magda Tagliaferro em Paris – França como bolsista do governo francês, na década de 1980.
Ganhou inúmeros prêmios no Brasil, destacando-se o APCA em 1991. Apresenta-se regularmente no Brasil, Estados Unidos e Europa em recitais solo e com orquestra. É mestre pela ECA-USP. Em 2007, dirigiu e participou de diversos eventos comemorativos aos 80 Anos do nascimento de Tom Jobim, tendo sido solista da Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo – OSUSP na Sala São Paulo e da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo no Theatro São Pedro. Na ocasião, fez também um show na série Instrumental SESC Brasil, gravado pela SESCTV. Como sócio da empresa Echo Promoções Artísticas, tem atuado como curador e produtor cultural, coordenando projetos em instituições como Fundação Magda Tagliaferro, Espaço Cultural Correios, Orquestra Sinfônica da USP, Centro Cultural Banco do Brasil. Nesse último, produziu Divas (2006), Líricas & Populares (2007) e Pocket Trilhas (2008). Após dedicar-se por muitos anos ao repertório tradicional e brasileiro, sobretudo a arranjos e gravações da música de Tom Jobim. Ele passou a desenvolver também, desde 2003, um trabalho autoral diferenciado, com o lançamento do CD Moods Reflections Moods. Ultimamente, com a colaboração do contrabaixista Pedro Baldanza, intensifica e aprimora seu trabalho de criação em Duo. O último lançamento do Duo Caramuru-Baldanza, Bossa in the Shadows, lançado selo Labor Records de New York, é uma coletânea de composições e improvisações originais. O estilo musical do Duo, baseado em elementos da tradição brasileira, foi considerado pelo compositor e crítico norte-americano Eric Salzman uma manifestação representativa do novo Free Jazz brasileiro, original e livre de clichês. Tem sete CDs lançados. Entre seus recentes trabalhos, destacam-se sua participação na gravação da obra “Das lied von der erde” de Mahler, em versão camerística de Arnold Schoenberg (Editora Algol), a interpretação do ciclo “Dichterliebe” opus 48 de Schumann, com o tenor Fernando Portari na Sala São Paulo, sua participação como solista da OSUSP no Concerto para dois pianos e orquestra de Poulenc, na Sala São Paulo (gravado pela TV Cultura), a criação de uma trilha sonora inédita para a III Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, na Cinemateca Brasileira, concertos com a Orquestra Jazz Sinfônica como solista e arranjador de temas de música para cinema dos compositores Richard Rodgers e Nino Rota no Auditório Ibirapuera, concerto com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e concertos de música brasileira na Universidade de Toronto e no Zinc Jazz Club de New York. Em 2011, sua turnê europeia inclui concertos com a Brussels Philharmonic Orchestra e em casas de jazz da Suíça e da Bélgica.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Fábio Caramuru para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbos em 01/09/2012:
01) RitmoMelodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Fábio Caramuru: Eu nasci no dia 14.09.1956 em São Paulo-SP.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Fábio Caramuru: Vejo o primeiro piano que tivemos chegando à minha casa. Eu ainda não tinha três anos de idade. Ele era amarelo e minha mãe me incentivava a tocar. Eu ia só com o dedo indicador, fazendo melodias simples. Lembro também que um dia, quando criança, fiquei golpeando repetidamente a tampa do piano com um talher, tanto que ele ficou marcado para sempre (risos).
03) RM: Qual a sua formação musical e acadêmica dentro ou fora música?
Fábio Caramuru: Tive duas professoras de piano particulares na infância e na adolescência – Mercedes Mattar e uma professora russa chamada Lidia Jefremov. Depois, aos 15 anos de idade, entrei para a Escola Magda Tagliaferro, em que estudei com Zulmira Elias-José. Em 1979, ganhei uma bolsa do governo francês e fui estudar com Magda Tagliaferro, em Paris – França, por quase dois anos. Fiz o Colégio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, Arquitetura no Mackenzie e mestrado em Música na ECA (Escola de Comunicação e Arte)- USP.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Fábio Caramuru: Desde muito novo ouvia meu pai tocar de ouvido todo tipo de repertório, mas o que mais me marcou foram as músicas de Tom Jobim e Tito Madi. Gostava também de ouvir LPs com os pianistas Arthur Rubistein e Horowitz. Depois, tive uma fase em que gostava somente de música contemporânea, depois apreciei as obras bem percussivas dos russos Prokofieff, Stravinsky, Bartók. Magda Tagliaferro me influenciou muito na questão da sonoridade, no refinamento musical, no gosto pela sonoridade da música francesa. Por outro lado, sempre fui apaixonado por J. S. Bach, desde a adolescência. Depois veio a descoberta da música brasileira – principalmente Camargo Guarnieri e Ernesto Nazareth. Finalmente, me fixei a partir da década de 1990, na obra de Tom Jobim, no jazz e nos musicais norte-americanos. E fui influenciado ainda pela escuta das interpretações de Bill Evans, Art Tatum e da bela música de Richard Rodgers na voz de Ella Fitzgerald. O que ficou disso tudo? Não sou um pianista técnico. Eu diria que eu sou um “buscador” de sonoridades e tenho um apreço especial pelas soluções contrapontísticas nas minhas interpretações e criações. Acho que o que interpreto com maior desenvoltura é a música brasileira.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Fábio Caramuru: Considero o marco inicial de minha carreira o momento em que estreei com a OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) em 1977, tocando um concerto de Stravinsky em primeira audição nacional, no Theatro São Pedro, em São Paulo, sob a regência do maestro Diogo Pacheco. Tinha 20 anos de idade.
06) RM: Quantos CDs lançados (quais os músicos que participaram nas gravações)? Qual o perfil musical de cada CD? E quais as músicas que se destacaram?
Fábio Caramuru: São seis CDs lançados comercialmente: Tom Jobim Piano Solo (1997), o primeiro deles, o título já diz do que se trata. Especiarias do Piano Paulista (1999), um mix de Camargo Guarnieri e Inah Machado Sandoval, ambos paulistas, contemporâneos, mas diametralmente opostos na poética musical. Do Ré Mi Fon Fon – 27 Cantigas Brasileiras (2002) – Um CD infantil, composto em parceria com a designer sonora Beth Bento.
Moods Reflections Moods (2004) – Minha primeira experiência de improvisação livre ao piano.
Piano – Tom Jobim por Fábio Caramuru (2007) – CD duplo com 28 temas de Tom Jobim (participação do baixista Pedro Baldanza). Bossa in the Shadows (2007) – Temas autorais brasileiros, compostos juntamente com Pedro Baldanza, lançado nos Estados Unidos. O best seller é Piano – Tom Jobim por Fábio Caramuru, vendendo muito bem até hoje.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Fábio Caramuru: Minha música é quase sempre contrapontística em ambientes modais e se define principalmente pela busca da diversidade sonora.
08) RM: Como é o seu processo de compor?
Fábio Caramuru: Vou criando estruturas, motivos diversos e brincando, transformando, reelaborando até atingir uma relativa cristalização da forma. É sempre ao piano, não gosto de escrever. É um processo absolutamente prático e lúdico.
09) RM: Quais são seus principais parceiros musicais?
Fábio Caramuru: Pedro Baldanza (baixo), improvisação e repertório brasileiro, e Marco Bernardo (Duo de Pianos), com repertório brasileiro.
10) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Fábio Caramuru: Prós: liberdade total no trânsito de ideias e flexibilidade. Contras: instabilidade financeira e necessidade de estar permanentemente lutando pela busca de recursos para viabilizar os projetos pessoais a contento.
11) RM: Como você analisa o cenário da música instrumental brasileira? Em sua opinião quem foram as revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Fábio Caramuru: Recentemente fiquei muito decepcionado com a atuação do Hermeto Paschoal. Algo não vai bem com a sua arte… Levei um susto ouvindo seu show em Ourinhos durante o Festival de Música daquela cidade. A impressão que tenho é que ele está muito descuidado. Há também uma imensa legião de músicos e conjuntos instrumentais que costumo chamar de “clichês”, que ficam tocando “no automático”, repetindo os mesmos padrões ad nauseam, sem vibração em suas performances. Não têm um plano de interpretação, não criam expectativas no ouvinte, de forma que após três minutos de música tocada, nada mais se tem a esperar… Admiro profundamente o César Camargo Mariano e o Egberto Gismonti. São artistas excepcionais, sólidos, dinâmicos, criativos e sempre zelosos em suas performances. Das novas gerações, gosto do André Mehmari e do Yamandu Costa. Tem também um violonista muito bom chamado Vitor Garbelotto, que lançou a integral de Gnattali.
12) RM: Qual ou quais os pianistas já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Fábio Caramuru: Sou fã incondicional de Wladimir Horowitz e de Martha Argerich, grandes magos do piano. Admiro a arte de César Camargo Mariano, Egberto Gismonti, Nelson Freire, Eduardo Monteiro e Marco Bernardo.
13) RM: Quais as principais técnicas devem aprofundadas no estudo do Piano?
Fábio Caramuru: Tudo deve ser feito para conduzir o intérprete a uma grande diversificação sonora. E o recurso para isso é o estudo de técnica para a agilidade de dedos articulados, terças, oitavas, harpejos. E ter a consciência do bom uso do peso corporal e a consciência da importância da flexibilidade dos cotovelos.
14) RM: Quais as dicas que você diria para o iniciante do estudo do Piano?
Fábio Caramuru: Faça um bom estudo de percepção, harmonia e análise musical. E se entregue ao prazer da música, entendendo e interagindo sempre com o som que você produz. A música é algo vivo e orgânico. Ela acontece em tempo real, não é uma mera reprodução. Não toque no automático. Procure descobrir e aprimorar o seu estilo pessoal, a sua linguagem.
15) RM: Existe idade ideal para começar o estudo do Piano?
Fábio Caramuru: Não há fórmula ideal, cada um é um, mas o certo é que quanto mais tarde, as limitações físicas serão maiores. Recomenda-se algo por volta dos oito anos de idade, após a criança ter tido uma boa iniciação musical.
16) RM: Qual a idade adulta que não é mais indicada ao estudo do Piano?
Fábio Caramuru: Nenhuma. Contudo para ser profissional é bom começar cedo. E muitos pianistas são longevos, costumam tocar até a idade avançada. Veja exemplos como Magda Tagliaferro, Horowitz, Rubinstein, Yara Bernette e tantos outros.
17) RM: Quais as principais diferenças do Estudo do Piano e do Teclado?
Fábio Caramuru: O Teclado pode ser até bonitinho, agradável de ouvir, mas é um som estéril, sempre limitado. Nunca me interessei por estudar o instrumento. Sou um apaixonado pelo “piano de pau”, como dizia o Tom Jobim.
18) RM: Em sua opinião qual o melhor Piano e qual o Teclado com melhor timbre de Piano?
Fábio Caramuru: Pianos Steinway, sem dúvida. Teclado, não saberia dizer.
19) RM: Qual o Teclado que tem o timbre mais próximo do Piano?
Fábio Caramuru: Não tenho intimidade com o instrumento, não saberia dizer.
20) RM: Quais as principais diferenças técnicas do estudo do Piano e do organ?
Fábio Caramuru: O organ é um instrumento de sopro, tem outra história, outra dimensão, outra maneira de se encarar o estudo e a percepção dos sons produzidos. E tem a questão adicional da pedaleira! Não sou um conhecedor da técnica desse instrumento, mas gosto muito de ouvir, ainda mais se for dentro do ambiente de igreja, com toda aquela reverberação. É fascinante e grandioso.
21) RM: Quais os principais cuidados que o aluno de Piano deve tomar para não ter problemas como a tendinite?
Fábio Caramuru: Consciência corporal é fundamental. Temos de tomar muito cuidado para não fazer nenhum tipo de esforço exagerado. Os movimentos devem ser naturais, precisos e harmônicos. E o maior segredo é saber usar a gravidade a nosso favor, com completa soltura dos ombros e flexibilidade dos cotovelos. Recomendo a prática do Yoga, pois nos coloca no eixo.
22) RM: Qual tempo de horas diárias é ideal para o Estudo do Piano?
Fábio Caramuru: Não há fórmula ideal, mas acredito que três horas com boa concentração mental são suficientes.
23) RM: Como foi sua visita a Cuba?
Fábio Caramuru: Fiquei muito feliz com essa viagem, descobri um povo que respira música e que é muito feliz, mesmo vivendo em um ambiente de grande precariedade material.
24) RM: Existe a possibilidade de você fazer uma apresentação em Cuba?
Fábio Caramuru: Vamos tocar – eu e o Pedro Baldanza – no Festival Internacional de Jazz Plaza Habana em dezembro próximo. Estamos entusiasmadíssimos, pois é o festival mais importante de Cuba, reconhecido internacionalmente, com participações de grandes nomes como Gonzalo Rubacalba, Chucho Valdés e Winton Marsalis.
25) RM: Quais as lendas e verdades que você constatou em Cuba?
Fábio Caramuru: Os cubanos são muito felizes e respeitam o regime de Fidel Castro, mas sofrem muito com as limitações materiais por conta do bloqueio comercial imposto pelos Estados Unidos há mais de 50 anos. Estou certo de que a partir do momento em que esse panorama político mudar, eles já têm tudo o que precisam para se reerguer com dignidade: educação, saúde e cultura. É interessante que em Cuba não há criminalidade, não há assaltos. Fiquei impressionado também com a dignidade do povo, com a alegria e com o carinho pelos brasileiros.
26) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical?
Fábio Caramuru – Lembro-me de algumas cenas curiosas. Em 2004, fui tocar música de câmara na sala menor do Teatro José de Alencar, em Fortaleza-CE. Quando me dei conta, lá no registro agudo do piano, duas notas seguidas soavam exatamente iguais. Tive que me adaptar e fugir daquela região do piano para não me atrapalhar. Foi difícil. No Centro Cultural São Paulo, há uns dois anos, eu estava no meio do recital e um ouvinte se levantou e começou a fazer um discurso em voz alta, bastante elogioso a meu respeito, algo como: “Fábio Caramuru, grande pianista, brasileiro também no nome… etc”. Foi realmente inusitado, continuei tocando e o público o mandando ficar quieto. Não achei ruim, não! Em 2010, tive uma experiência amarga quando fui solista da Orquestra OSUEL de Londrina. O ambiente estava extremamente tenso. E os músicos promoviam assembleias nos intervalos dos ensaios, discussões diárias com a administração. Eu cheguei para os ensaios no meio do fogo cruzado. Isso interferiu enormemente no desempenho, uma pena.
27) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Fábio Caramuru: Sou feliz porque faço o que gosto, me sinto um artista livre, verdadeiro e pleno. Lamento as enormes dificuldades que enfrento para conseguir conduzir a carreira segundo esses preceitos. Quando se é verdadeiro e ousado em sua linguagem e não se “cataloga”, fica tudo mais complicado, mas vale a pena.
28) RM: Nos apresente a cena da música instrumental da cidade que você mora?
Fábio Caramuru: Diversificada, mas extremamente conservadora, pautada quase sempre nos clichês. Há pouco espaço para criações verdadeiramente inovadoras.
29) RM: Quais os pianistas, brasileiros ou não, que você recomenda ouvir?
Fábio Caramuru: São tantos, mas poderia sugerir alguns nomes pelas suas características mais marcantes. Riqueza de sonoridades: Wladimir Horowitz, Martha Argerich, Magda Tagliaferro e Cristina Ortiz. Art Tatum, pianista único, com um senso de equilíbrio e agilidade impressionantes. Ele brinca com o piano como ninguém. Bill Evans, pelo bom gosto musical nas harmonizações. Keith Jarret, pianista improvisador por excelência. Inventividade: Glenn Gould. Quanto ao equilíbrio e bom senso nas interpretações, recomendo Nelson Freire, Ingrid Haebler (clássicos), Claudio Arrau (românticos), Alain Planès (Debussy), Arturo Benedetti Michelangeli e Maurizio Pollini.
30) RM: Você acredita que sua música tocará nas rádios sem o jabá?
Fábio Caramuru: Minha música toca, de vez em quando, na Rádio Cultura FM.
31) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Fábio Caramuru: Descubra a sua própria linguagem e se aprimore nessa direção.
32) RM: Quais os projetos futuros?
Fábio Caramuru: No momento, meu projeto prioritário é o Projeto EcoMúsica, que consistirá em uma série de filmes artísticos e de apresentações temáticas norteadas pela interação entre música, sons e imagens da natureza brasileira. O projeto unirá música, cinema e ecologia, sendo dividido em diversas etapas, ao longo dos próximos anos, e apresentando-se como uma iniciativa cultural fortemente atrelada à revelação dos aspectos da natureza dos diferentes ecossistemas do país. Os dois primeiros temas a serem realizados entre 2012 e 2013 são EcoMúsica – Aves Brasileiras e Ecomúsica – Mata Atlântica.
33) RM: Fábio Caramuru, Quais os seus contatos para show e para os fãs?
Fábio Caramuru: [email protected] | www.fabiocaramuru.com.br |