A cantora e atriz paulista Jucilene Buosi, radicada no Sul de Minas Gerais, é entusiasta e representante da cultura do Sul das Minas Gerais.
Lançou o segundo CD – Um retrato, em que canta seus compositores – foi acompanhada por músicos do primeiro time da música brasileira – revelando a maturidade vocal e artística alcançada pela intérprete. Atriz e cantora, atuou em grupos de teatro experimental, corais cênicos, óperas e espetáculos musicais. Gravou em 2007 a trilha sonora do monólogo musical – 1984 – Uma leitura musical. Baseado na obra de George Orwell, com trilha sonora e roteiro de Wolf Borges (seu esposo) sob a direção do coreógrafo Tuca Pinheiro. Com o monólogo apresentou-se em diversas cidades brasileiras e em universidades, desenvolvendo um projeto integrado de arte e educação. “1984” foi transmitido pela TV Cultura/Rede Minas em sua apresentação no Museu da Pampulha, em Belo Horizonte. Em 2010/2011 foi premiada no Projeto Rumos (Fundação Itaú Cultural, SP). Em 2009 foi premiada no projeto Cantoras Daqui (BDMG Cultural, Belo Horizonte). Em 2006 foi semifinalista do Concurso Internacional de Canto Lírico Bidu Sayão (Belém – PA). Em 2001/2002 foi bolsista da Fundação Vitae – SP, desenvolvendo extenso projeto de estudo de interpretação cênica e técnica vocal voltado à ópera, com o soprano Neyde Thomas (Curitiba – PR).
No segundo CD revela suas origens e referências musicais em performances vocais colocadas a serviço da canção. Para tanto, escolheu compositores sulmineiros e regravações de Milton Nascimento, Joyce, Fátima Guedes, Alceu Valença e do grupo inglês Renaiscense, com elaborados arranjos acústicos. O álbum, gravado no Estúdio Visom, no Rio de Janeiro, teve arranjos e pianos de Ravi Kefi, cello de Lui Coimbra, sax tenor e soprano de Widor Santiago, percussões de Marco Lobo, violino de Gustavo Fechus, violão de Elder Costa e participações vocais de Wolf Borges e Carlos Lara, numa produção de Marcello Dalla e direção artística de Wolf Borges.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Jucilene Buosi para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistada por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 01.08.2012:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Jucilene Buosi: Eu nasci no dia 28.12.1970. Sou Capricórnio com ascendente em Capricórnio, Sol, Lua e Mercúrio em Capricórnio (isso já diz quase tudo, risos). Nasci em Jundiaí – São Paulo, em um momento em que a cidade estava às voltas com uma forte industrialização – a cidade respirava autofornos. Hoje moro em Poços de Caldas, Sul de Minas Gerais.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Jucilene Buosi: Minha infância e parte da adolescência musical foram bastante caóticas. Meus irmãos estudavam piano e meus pais não tinham o hábito de comprar discos, ou tinham muito poucos de Roberto Carlos, e por aí vai. Estamos falando dos anos 80, Rock Brasil, invasão da pior da música americana nas FMs. Então eu tinha duas escolhas: Bach, Mozart, Beethoven na sala ou uma FM sofrível no quarto. Até que, aos 15 anos, minha família mudou-se para o Sul de Minas, Pouso Alegre. Lá fui surpreendida com um panorama bem diferente – os adolescentes viviam com violão nas costas, com um caderninho de poesias e não tinham nenhum pejo em mostrar suas canções para os amigos. E elas eram muito boas! Travei conhecimento com Clube da Esquina, Milton Nascimento, Caetano, Gilberto Gil, Toninho Horta e com tudo o mais que os jovens ouviam por aqui. Claro, não era só céu de brigadeiro, mas tinha muita música de qualidade. Isso me assombrou e, aos poucos, eu fui tecendo um paralelo entre Milton Nascimento e Debussy, por exemplo, e verificando o quanto a música mineira era sofisticada. As serenatas eram de um lirismo e qualidade musical impressionante. E tinham os grupos regionais que amealhavam plateias com músicas desconhecidas (para mim) que eram cantadas por todo o público (poxa!). Não estou falando de 50 anos atrás, gente, estou falando de 20 anos atrás, no máximo.
03) RM: Qual a sua formação musical e acadêmica fora música?
Jucilene Buosi: Também em Pouso Alegre, para ambientar os filhos, meus pais nos colocaram no Conservatório Musical, outra joia. Mas meu estudo de música não vingou, porque eu não era ligada no estudo de piano e não fui estimulada pela família a estudar outro instrumento. Sempre cantei, mas também não me achei neste momento como cantora. Fui trabalhar, muito cedo, em uma empresa grande, na administração e, muito cedo, me vi cheia de responsabilidades. Daí a entrar na Faculdade de Administração de Empresas foi quase que natural. Formei-me, continuei trabalhando em empresas de pequeno, médio, grande porte, multinacionais. E comecei a dar aulas em cursos técnicos e superiores – enfim, trilhei uma estrada considerável como Administradora. Quando estava num ritmo muito intenso de trabalho, como professora, fui surpreendida por dores musculares e a tal “fibromialgia” ainda não havia sido diagnosticada. Daí foi difícil sair dessa, pulava de médico em médico, de tratamento em tratamento até inviabilizar totalmente meu trabalho. O conselho do médico era para que eu arrumasse outra coisa pra fazer porque eu não voltaria mais ao trabalho. Seguiu-se um breve luto pela carreira perdida. Nesta época eu já era casada e estava às voltas com um curso de Canto Lírico, para ocupar minhas horas vagas com um hobbie. E meu marido, que é muito positivo, sugeriu que eu fizesse curso superior de música já que eu estava impossibilitada de trabalhar. Seguir o conselho dele não foi nenhum sacrifício. Logo em seguida participei de um Concurso da extinta Fundação Vitae – você mandava um vídeo defendendo um repertório pré-determinado por eles (dificílimo) e o ganhador do concurso tinha como prêmio viabilizar seu projeto de estudo. Uau! Escolhi fazer um curso livre, com uma professora de Técnica Vocal voltada à Ópera, em Curitiba – PR. Neyde Thomas era a melhor especialista do Brasil. A bolsa era de um ano, mas eu fui “adotada” por uma família paulista que morava em Curitiba-PR e pude economizar em Hotel, alimentação e estender a bolsa por dois anos. Aí foi um caminho sem volta. Firmei-me como cantora. E ganhei a confiança que me faltava com o uso da técnica. Tornei-me professora de canto, atividade que eu adoro, mas hoje não consigo mais manter uma agenda de alunos por causa do excesso de viagens e envolvimento com nossos projetos musicais. Posso dizer que consegui transformar minha tragédia pessoal em minha bênção pessoal.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente? Quais deixaram de ter importância?
Jucilene Buosi: São tantas. De A (de Amadeus Mozart) a Z (de Zé Ramalho). A música erudita sem dúvida me fez ser mais exigente na escuta, mas tem também o experimentalismo, que alegra meus dias e me faz ser mais acessível a tendências modernas. Esse trânsito entre o popular e o erudito que permeou minha escuta e meu estudo musical, me faz escutar tudo com mais atenção. Os eternos cavalheiros do Clube da Esquina me “obrigam” a cantar, praticamente. Hoje em dia ando às voltas com a música da minha região. Tanto o resgate da música, que fez parte da minha adolescência, quanto os novos compositores são bem vindos. Em meu CD – Um retrato, por exemplo, são 9 músicas de sulmineiros (2 de Milton Nascimento, que é nosso, sulmineiro, tá?). Então são 7 compositores (ou parcerias) desconhecidas, de qualidade incontestável, que poderiam estar no cenário do melhor da música brasileira, com a mais absoluta certeza. Ah… e sobre quem deixou de ter importância… bem difícil dizer – se você deixou-se tocar por uma canção em algum momento da sua vida ela fica amalgamada na sua história, mesmo que hoje ela lhe pareça “de gosto duvidoso”, faz parte de quem você é!
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Jucilene Buosi: Como já disse pra vocês, eu comecei a cantar pela dor. Mas faltou dizer que fui muito estimulada pelo meu parceiro musical, marido e meu maior crítico (como ele é exigente, meu Deus): Wolf Borges (cantor e compositor sulmineiro) decidiu encarar a música como profissão uns 10 anos antes que eu começasse a cantar. Acompanhei o trabalho dele com vários músicos queridos pela noite, em shows. Profissionalmente falando, a música me chegou de mansinho. Era uma participação no show do Wolf hoje, outra amanhã, até que quando terminei a Faculdade e a experiência maravilhosa com o canto lírico, senti necessidade de registrar minha música, fazer um portfólio, ou ainda, um cartão de visitas de músico – um CD. Era 2006. Eu e Wolf nos juntamos no esforço de tentar pensar em um repertório que pudesse explorar minha voz e tudo aquilo que eu tinha vivido com o estudo da técnica. Bem difícil! Gravar música erudita (digo do cantor lírico) no Brasil é condenar-se a ser muito criticado e a vender seu trabalho para a família, com sorte. No Brasil as pessoas acham que para cantar música erudita você precisa não gostar de música popular. Não sei, acham que uma técnica não pode conviver com a outra. Mas voltemos ao CD. Depois de muito pensar, tivemos a ideia de gravar, então, um musical! E como ideia pouca é bobagem, pensamos também num musical inédito, de autoria de Wolf e assim fazermos nosso primeiro trabalho juntos. A escolha do tema, por incrível que pareça, foi fácil! Pensamos quase ao mesmo tempo no livro que amamos: “1984”, de George Orwell, que escreveu em 1948 um romance que previa um futuro manipulado por telas de televisão (teletelas) comandado por um poder central, chamado Big Brother (qualquer semelhança não é mera coincidência). Escolhemos os momentos do livro que poderiam ser musicados e o Wolf compôs as canções – não é uma citação literal, é uma leitura musical livre. E recursos? A partir daí começamos a entender e a buscar as leis de incentivo, que até hoje é o que viabiliza nosso trabalho. Gravamos o CD e depois? Ele já nasceu musical, tínhamos que montá-lo cenicamente. E como tudo conspira a favor quando a gente se põe em movimento, tivemos a primorosa direção do bailarino e coreógrafo Tuca Pinheiro (de Belo Horizonte), que ainda juntou ao monólogo o recurso da vídeo-dança que dialogava com a personagem. Com este trabalho andamos por Minas Gerais por um ano, mas ainda não tínhamos nos convencido do seu formato. Foi quando decidimos levar o projeto para universidades, incluindo debates por pensadores, filósofos e professores sobre os temas abordados. Aí foram três anos de interatividade com o público jovem com o qual eu já havia me afeiçoado durante minha experiência como professora. Juntar todos esses universos paralelos foi um resgate de toda a minha vida profissional.
06) RM: Quantos CDs lançados (quais os músicos que participaram nas gravações)? Qual o perfil musical de cada CD? E quais as músicas que se destacaram em cada CD?
Jucilene Buosi: O primeiro CD – 1984, Uma leitura musical, se parece, digamos, com uma ópera rock. Nele utilizamos formação de banda (baixo, bateria, guitarras e piano) e ainda quarteto de cordas. As canções podem ser apreciadas independentemente do musical – elas têm vida própria. Neste CD tenho o orgulho de contar com a participação de duas pessoas maravilhosas cantando ao meu lado: o cantor e compositor mineiro Sérgio Santos e a “diva” Maria Alcina. Esta história com a Maria Alcina eu tenho que contar… Quando eu era pequena (e todos nós, tenho certeza) meus pais assistiam ao Programa Silvio Santos (claro) e tinham certos pudores quanto à Maria Alcina por causa dos excessos e pela espontaneidade (não muito comum naqueles tempos). Mas ela era meu ídolo. Quando ela raspou a sobrancelha minha mãe correu esconder as giletes de casa, já antevendo uma tragédia. Quando o Wolf me mostrou a música que retratava o Grande Irmão (e era um tango muito apimentado) nós novamente tivemos juntos o insight de chamar a Maria Alcina para uma participação especial. Onde achar Maria Alcina? Não importa, vamos lá, procurar. Não foi difícil encontrá-la e nem mesmo convidá-la. Ela ouviu a música e disse: “mas essa música foi feita pra mim”. No dia da gravação seguimos para São Paulo, Wolf e eu – totalmente emocionada. Alcina chegou de legging, sem maquiagem, mas totalmente, completamente Maria Alcina, da cabeça aos pés. Cantou chorando, emocionada com a música. E dias antes no mesmo estúdio havia gravado ninguém mais, ninguém menos que Cauby Peixoto. O lugar transpirava os meus ídolos da infância. No caminho do restaurante, depois da gravação, Alcina me presenteou com uma braçada de rosas gigantes vermelhas… choro até agora de me lembrar… Voltando… O segundo CD nasceu no ano passado, e já com uma responsabilidade muito grande – o primeiro CD já era uma proposta bastante ousada e este novo precisaria ser também um acontecimento (pelo menos para mim). A escolha de repertório foi uma luta! Wolf me apresentou mais de 100 canções que ele achava que “ia ficar legal na sua voz”… Uma por uma eu descartava. Aí resolvi me voltar pro nossos quintais, valorizar o que é nosso (acho até que um movimento que tem acontecido com frequência cada vez maior, graças a Deus). Abri meu baú anímico e fui procurar o que me emocionava daquilo tudo que vivi aqui no Sul de Minas. Lembrei-me de um tango, Eles procuram um amor, que cantei num festival, quando ainda não era profissional, de dois sulmineiros (Omar Fontes Jr e Marcellus Salomon Bezerra), era em dueto com um amigo maravilhoso, Carlos Vitor Lara. A gente cantou no festival, ele fez “caras e bocas”, dançou o tango e tiveram que inventar um prêmio para a música mais comunicativa (enquanto os músicos amigos diziam que era mesmo a melhor música do festival, mas enfim). E continuei por aí… Quando tinha 15 anos e cantei no Coral do Amaury Vieira (grande regente e arranjador), ele tinha um arranjo vocal para Pedra de atiradeira (música que participou, mas não foi nem pra final do MPB Shell), deBinné Zimmer e João Ayres – aquilo me emocionava de um tanto e eu nunca tinha ouvido ninguém interpretá-la além do coral. Se outra paixão, de Elder Costa e Madhav Bechara é uma música do tipo – decifra-me ou eu te devoro – e eu levei tempo para decifrar e queria mostrar para todo mundo. Tem um xote mineiro (pode?), tem um forró mineiro (acredita?) e um rock progressivo mineiro (!) – tudo colhido aqui no quintal de casa. Aí, pra arrematar o repertório cedi à vontade imensa de fazer algumas releituras: do grupo Renaissence, trouxe Carpet of the sun; do genial Alceu Valença, subvertemos a ordem calma de Na primeira manhã e a transformamos num maracatu frenético – minha busca em cantar toda a dor que eu sentia escondida na canção. Fraqueza, de Fátima Guedes, Duas ou três coisas, de Joyce, que gravei em homenagem ao meu filho. Mas ainda faltava um “figurinha carimbada”, aquela que todo mundo vai ficar feliz de ouvir regravada… uma fábula descobrir isso. Aí em certa altura alguém me disse: não me diz que você vai querer regravar Maria, Maria? E meu arranjador (caso a parte na história da música) respondeu: só se for sem letra! E assim foi! Versão sem palavras. Agora, havia um sonho de gravar com grandes músicos brasileiros que admiramos muito. E não é que um dia acordei dentro do Estúdio Visom (no Rio de Janeiro) ao lado de Lui Coimbra (cello), Marco Lobo (percussões) e Widor Santiago (sopros)?… Magistral! Ao piano o arranjador caso-a-parte-na-história-da-música, Ravi Kefi. Ravi mora aqui em Poços de Caldas, em qualquer outro lugar do planeta, ele seria conhecido e reconhecido pelo que faz. Uma pessoa com uma capacidade de traduzir em arranjos o que a música e a letra dizem. Já tinha sido nosso arranjador também no CD – 1984.
07) RM: Como você define o seu estilo musical?
Jucilene Buosi: Eu não defino meu estilo musical. Não saberia. Eu me abro para o estilo e deixo-o entrar. Se for Bossa Nova, se for Jazz, se for Ópera. Vou procurar fazer da melhor forma possível e respeitar o estilo da música (é o mínimo que eu posso fazer por essa nossa cachacinha de todo dia).
08) RM: Como você se define como cantora/interprete?
Jucilene Buosi: Uma pessoa muito atenta à música, ao que ela veio e também ao seu criador. Uma canção bela, bem escrita, bem arranjada, não pode passar em branco. Meu trabalho é colorir, dar matizes, pintar as intenções de quem criou. Canto porque preciso!
09) RM: Você estudou técnica vocal?
Jucilene Buosi: Muito. E com muito respeito a todos os estilos e a tudo que aprendi. Meus mestres foram os melhores do Brasil e tenho por eles um apreço profundo. Vale a pena você dar ao seu instrumento (no caso, à voz) uma polida, uma boa manutenção, um bom trato. Ainda mais se ele está dentro de você e coisas como trocar as cordas, alinhar as teclas, é impossível.
10) RM: Quais as cantoras que você admira?
Jucilene Buosi: Tá com tempo? (risos). É importante eu frisar para quem está lendo estas linhas, que a Ritmo Melodia me deixou a vontade pra contar minha história e eu não tive nem um pingo de pressa. Tem as divas do Jazz americano (todas) que me fascinam. Cantoras que mais assinam do que usam técnica também me fazem pensar na questão da personalidade vocal: Leny Andrade, Alcione, Gal Costa, Elza Soares. Maria Bethânia me toca pela sua profundidade. Leila Pinheiro pela “mania” de cantar só o que acredita. Fátima Guedes me toca por qualquer motivo. As divas dos anos 50, 60, 70 – o que direi de Maysa Matarazzo? Ademilde Fonseca, Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso. E tem também as cantoras eruditas, que me ensinaram a disciplina, a entrega, para além da técnica: Cecilia Bartoli, Jessye Norman, entre muitas outras. Aliás, se é verdade que os ídolos não morrem, Elis Regina canta cada dia melhor!
11) RM: Você compõe? Quem são seus parceiros musicais?
Jucilene Buosi – Pois é. Eu não componho! Mas escrevo bem. Acho que na verdade nunca coloquei foco na composição. Às vezes até sinto ímpetos de escrever, mas aí vou me esquivando, pensando em milhões de outras coisas pra fazer. Mas não sei se realmente tenho talento pra isso. Creio que se tivesse realmente o apelo da canção venceria.
12) RM: Ser atriz ajuda o trabalho da intérprete de que forma?
Jucilene Buosi – Nossa, em tudo. Eu não canto uma música, eu interpreto uma música. O corpo vai junto e te ajuda a dar o recado. Você se deixa levar por aquilo que está cantando de maneira avassaladora. Se você não tiver uma voz celestial (como Milton Nascimento, por exemplo) vai precisar de todo o seu corpo pra dizer o que está cantando. Só divindades como Milton,são capazes de cantar parado e nos provocar uma inquietação tamanha.
13) RM: Ser cantora ajuda o trabalho da atriz de que forma?
Jucilene Buosi: Eu sou uma cantora atriz e não uma atriz cantora (se é que isso é possível ser cindido desta forma). Mas não vejo muita diferença entre essas coisas não, enquanto atriz se precisar eu canto. Enquanto cantora se precisar eu atuo.
14) RM: Como a técnica do canto lírico ajuda a cantora de música popular?
Jucilene Buosi: A gente pode até cantar sem técnica e se esta for a técnica, se a música pedir. Ou seja, o entendimento de onde a música pode chegar vocalmente dizendo é imenso para quem domina a técnica. Você pode cantar qualquer coisa, respeitando estilo, e dar a sua assinatura pessoal. Não vejo isso acontecendo com cantores que tem vozes muito pequenas – parece que todas as músicas são uma só e você não acrescenta nada na canção.
15) RM: Como o canto popular ajuda a cantora Lírica?
Jucilene Buosi: Ajuda a ser mais leve. Ajuda a gente entender que caras, bocas, grandes gestos, uma grande técnica podem não representar nada se você não estiver inteiramente em comunhão com aquilo que está cantando. Os cantores eruditos em geral se preocupam muito mais com a performance do que com o que cantam. Passar pelo popular ajuda a gente a entender que, pra ser verdadeiro, não dá pra dividir as coisas, a gente tem que estar inteiro na canção. Onassis dizia que ópera é um bando de chefes de cozinha gritando a receita da pizza – vira isso se você não aprender a ser leve.
16) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Jucilene Buosi: Você é um órfão, está sozinho no mundo e tem que cuidar de tudo na sua vida. Não tem ninguém pra te ajudar quando fica doente, quando fica tristinho. Mas na maioria das vezes a gente está bem, né? Quer liberdade, quer fazer o que quer e mandar no seu próprio nariz. Aí entra o lado bom de ser independente. Mas você tem que entender o que é mais importante para você: esta liberdade ou a tutela. Às vezes pode ser que você goste de ser tutelado, e não se incomode em se submeter às regras de seu tutor.
17) RM: Como você analisa o cenário musical brasileiro? Em sua opinião, quem foram as revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Jucilene Buosi: No cenário brasileiro não existe a possibilidade de ser tutelado fazendo o que quer. Nosso Big Brother (a mídia, o mercado, a moda), sabe exatamente de qual produto musical precisa para acionar o botão do consumo. E a roda do consumo é rápida, você tem que apresentar novidade o tempo inteiro. E, por isso, temos cem nomes de bons artistas esquecidos pelo meio do caminho. Ele fez um produto descartável e morreu de seu próprio veneno. O mercado fonográfico morreu de seu próprio veneno. Onde estão as grandes gravadoras, os grandes estúdios de gravação? Por outro lado, esta decadência do mercado fonográfico constituído da forma como era, abriu espaço para os artistas independentes, aí a vantagem, a grande sacada do momento. Hoje gravar um CD é mais democrático. Muita gente diz que o que aconteceu de novo nos últimos anos foi Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento… “mas é você que ama o passado e que não vê”… E a mídia não deixa ninguém mais se revelar como antes. E assim ninguém conhece Mônica Salmaso, Lenine (só conhecem o que foi para novela), Sérgio Santos, Titane, Renato Motha, Ná Ozetti, Simone Guimarães, Badi Assad, Rita Ribeiro, Daúde, Ladston do Nascimento, é tanta gente boa. E a música instrumental se desenvolveu muito nos últimos anos! Quem regrediu? Eu já esqueci!
18) RM: Quais os músicos já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Jucilene Buosi: Alceu Valença, pela originalidade; Milton Nascimento, pelo canto e pela quantidade de composições que ele conseguiu imortalizar ainda em vida; Caetano Veloso, pela irreverência; Joyce, pela doçura da voz, pelas composições maravilhosas; Boca Livre, pelos arranjos vocais maravilhosos; Gilberto Gil, um Buda tropical.
19) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical?
Jucilene Buosi: As campeãs são as de sempre. Destaque para “vem cantar aqui pra divulgar o seu trabalho” e “são só quatro ou cinco musiquinhas”. Quem divulga minha música é um trabalho consistente de assessoria de imprensa que desenvolvemos eu e o Wolf com muito trabalho. Eu canto por dinheiro e não para divulgar meu trabalho. Pago minhas contas como todo mundo. Sabe quanto tempo eu me preparei pra cantar as tais quatro ou cinco musiquinhas? A vida inteira! Mas essas coisas acontecem com menos frequência ultimamente. A gente sempre se deu ao respeito, e sempre respeitamos nossos parceiros musicais.
20) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Jucilene Buosi: Mais feliz é cantar! Mais triste é a batalha cada vez mais ferrenha por espaços culturais dispostos a receber trabalhos que não sejam consagrados pela mídia.
21) RM: Nos apresente a cena musical da cidade que você mora?
Jucilene Buosi: Moro em Poços de Caldas – MG há três anos. Anteriormente morava em Pouso Alegre-MG. Mas o cenário é muito parecido. Muita gente de talento, carente de políticas públicas que deem incentivos ou até mesmo que protejam as manifestações culturais legítimas. Aqui em Poços, por exemplo, nosso congado quase se dilui em meio às barraquinhas de comércio, no meio da Festa de São Benedito, que foi criada pelo congado. E isso acontece em todo lugar. Santo de casa continua operando os milagres tímidos, mas poderosos, como o de guardar a cultura e as raízes locais. Mas também tem muita coisa boa, muitos músicos competentes e tudo por fazer, absolutamente tudo. Isso é desafiador.
22) RM: Quais os cantores (as) ou/e bandas que você recomenda ouvir?
Jucilene Buosi: Ouça de tudo! Descarte o que não gosta! Mas ouça sem preconceito.
23) RM: Você acredita que sua música tocará nas rádios sem o jabá?
Jucilene Buosi: Não. Quando entro em rádios aqui na minha região e vejo “campanhas” de duplas sertanejas e de cantores de axé music pregadas na parede definindo a hora e quantidade de entradas por dia, eu desanimo. Acho que vamos ter que desenvolver a nossa própria mídia, nossa própria forma de divulgar a música. Não podemos contar com a rádio, com raras e caras exceções, como as rádios educativas e algumas rádios públicas.
24) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Jucilene Buosi: Eu digo pra assistir a um vídeo de uma entrevista de Fernanda Montenegro (http://youtu.be/KMQzG1jpavU ). Fizeram a mesma pergunta a ela e ela disse qualquer coisa de sensacional. “Não comece”… E continua aconselhando que o sujeito vá fazer qualquer outra coisa, ser vendedor, bancário, cabeleireiro, qualquer coisa, e se sentir que vai morrer por não estar atuando, volte e faça teatro. Eu tentei ser outra coisa na vida, mas a música me chamou. Enfim, ouça o seu chamado, se ele for verdadeiro você vai sentir um desassossego tão grande que não vai conseguir não cantar. E, também, vejo que hoje em dia os jovens confiam no talento nato e acham estudar bobagem. Não é! Vá estudar, vá entender muito da sua arte, vai aprender com quem já fez. Outras pessoas já pensaram, já perderam tempo teorizando, estudando, escrevendo sobre o assunto e você acha que eles fizeram isso à toa? Vai estudar menino!
25) RM: Quais os seus projetos futuros?
Jucilene Buosi: Por ordem alfabética ou salteada?(risos) Nós temos praticamente uma usina de ideias aqui em casa. É só dar o mote que a gente sai criando. Às vezes a ideia não é boa, não é consistente e acaba sendo esquecida. E ainda empreendemos um esforço de não ter muitas ideias, porque senão a gente morre de tristeza de não conseguir realizar. Mas vamos lá. O importante é pôr foco quando você escolhe uma boa ideia e malhar nela. Estou ainda em turnê com o CD – Um retrato com uma banda formada só por mulheres: Lara Ziggiatti, primeiro violoncelo da sinfônica de Campinas-SP, que manda muito no popular; Eloá Gonçalves, compositora, arranjadora e pianista, caso raro no nosso time; Simone Sou, percussionista que trabalhou com ícones da música brasileira como Chico César e Itamar Assumpção. Enquanto isso eu cuido da produção executiva do novo CD do Wolf, um projeto muito arrojado que mistura a sonoridade da música norte americana e a mineira. Chama-se PDQJO Soul – paodequeijo music project. Neste novo trabalho do Wolf tenho participação bastante ativa e devemos entrar em turnê no segundo semestre. De agosto a novembro estarei à frente um projeto na cidade de Pouso Alegre, Santo de Casa, produzindo artistas locais que já tem trabalhos bastante consolidados – pensar globalmente e agir localmente. Isso é muito importante, mostrar nosso quintal pros nossos vizinhos, gostaria muito que esse projeto desse muito certo e ganhasse continuidade. Ainda morando no plano das ideias tenho a continuação do projeto 1984, com a gravação de um DVD e a gravação de um novo cd de resgate regional – mas nem quero pensar muito nisto agora.
26) RM: Quais os seus contatos?
Jucilene Buosi: www.umretrato.com | [email protected] | Jucilene Buosi & Wolf Borges | www.wolfborges.com.br
| (35) 98822-9116
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