Tatiana Cobbett é cantora, compositora, poeta e performer com trajetória múltipla e premiada, que transita entre a música, a dança, a literatura e o teatro.
Nascida no Rio de Janeiro e com sua trajetória artística fundeada em Florianópolis, construiu uma carreira marcada pela independência criativa e pelo diálogo constante entre linguagens artísticas, hoje dividida entre Brasil e Portugal.
Iniciou sua trajetória pela dança, integrando o Balé Stagium, onde vivenciou intensamente o palco e o contato com a diversidade musical de trilhas e composições coreográficas. Sua primeira grande produção foi o musical “Mulheres de Holanda”, dirigido por Naum Alves de Souza e baseado na obra feminina de Chico Buarque, onde experimentou a autoria e a mescla de linguagens.
Na música, lançou cinco álbuns em parceria com Marcoliva e, a partir de 2018, expandiu sua produção autoral com 11 singles lançados entre Lisboa e Florianópolis, entre eles Cilada, escolhida pela RTP África, e Umbral, que cruza inspirações do fado e da milonga. Suas composições já foram gravadas por artistas como Badi Assad, Cristina Clara, Khrystal, Bárbara Damasio, Ana Paula da Silva, Ana Paula Beling, Aline Muniz, Michele Ribeiro, Jean Mafra, Luiz Meira, Carla Ruaro, além da banda Rosa de Pedra.
Parcerias musicais importantes incluem nomes como Alegre Corrêa, Guinha Ramires, Luis Meira, Jean Garfunkel, Marcoliva, Pedro Loch, Rafael Calegari, Mauro Albert, José Fontes, o português Luís Lapa e Sami Tarik, entre outros.
Sua obra também se estende à literatura: lançou o livro de poemas “Travesseiro” (2023), apresentado em saraus no Brasil e em Portugal. Atualmente prepara o livro-ensaio “Processando Processos” (título provisório, previsto para 2027), no qual reflete sobre sua residência artística Lá e Cá, em diálogo com a inteligência artificial.
Premiações e reconhecimentos: Prêmio Funarte de Música; Prêmio da Música Catarinense; Prêmio Edino Krieger de Música; Título de Cidadã Sergipana, concedido pela Assembleia Legislativa de Sergipe, pelo reconhecimento de seus feitos culturais no estado.
Projetos recentes e futuros: EP e mini doc “Ócio do Ofício”, desdobramento do projeto Lá e Cá (Portugal/Brasil), com foco em parceria, sustentabilidade, criação e produção; Raparigas do Groove/Lisboa, coletivo que reforça a produtividade autoral do artista imigrante, priorizando a produção feminina; Rotas e Confluências, projeto de concertos no Brasil que mescla suas composições às de outros artistas, apostando na força do encontro.
Tatiana Cobbett é uma artista que se define pela pluralidade e pela experimentação. Sua música parte da MPB como raiz, mas se abre à diversidade: o samba e o choro carioca, a música mineira e nordestina, a dramaticidade do flamenco, a cadência da milonga, o fado lisboeta e as sonoridades dos povos originários. Tudo isso costurado por sua poesia, sua experiência no corpo e sua voz singular.
Segue abaixo a entrevista exclusiva com Tatiana Cobbett para a www.ritmomelodia.mus,br, entrevistada por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 10/08/2025:
01) RitmoMelodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Tatiana Cobbett: Nasci no dia 13/10/1960 em Rio de Janeiro – RJ. Registrada como Tatiana Cobbett Stael Cosme.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Tatiana Cobbett: Antes de qualquer instrumento, foi o corpo. A respiração, o passo, o rumor da casa — esse batuque primeiro que a gente não aprende: reconhece. A música chegou como movimento, e o movimento abriu a porta da voz.
Depois vieram os palcos e a disciplina da dança — experiências que me ensinaram a ouvir com o corpo inteiro e a transformar ritmo em presença. Com o tempo, a voz ganhou morada nas canções, a composição virou caminho, e as parcerias afinaram esse trajeto entre gesto e som.
Desde então, sigo nesse entrelaço: o corpo que canta, a voz que dança. É daí que nascem minhas músicas — desse primeiro contato que nunca deixou de acontecer.
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Tatiana Cobbett: Minha formação não seguiu um traçado linear. Venho da dança — do corpo que aprende antes da partitura, da cena que ensina antes da sala de aula. Estudei e vivi intensamente como bailarina, em especial no Balé Stagium, onde o palco era também escola.
Na música, fui me formando na prática: compondo, cantando, trocando com parceiros e me deixando atravessar pelas linguagens. O aprendizado sempre veio desse lugar híbrido, entre a técnica e a experiência.
Fora da música, busquei também a escrita, a poesia, o teatro, a performance. São territórios que se somam e me permitem habitar a arte de maneira mais ampla. Minha formação é esse percurso múltiplo, feito de atravessamentos e não de uma só estrada — e talvez seja essa mistura que dá identidade ao que faço.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente? Quais deixaram de ter importância?
Tatiana Cobbett: Minha base está na MPB, especialmente nos grandes nomes que marcaram a música brasileira entre os anos 50 e 80 — Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Candeias, Paulinho da Viola, Jorge Ben Jor, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Tom Zé. Essa geração foi minha escola e meu alicerce, a primeira compreensão de que música é também identidade.
Com o tempo, a vida foi me atravessando com muitas outras sonoridades. O contato intenso com as trilhas que dançava no Balé Stagium abriu meus ouvidos para a diversidade de ritmos e atmosferas. O samba e o choro carioca revelaram a riqueza das canções urbanas. A dança flamenca me trouxe a dramaticidade ibérica da voz e do corpo. E intérpretes como Maria Bethânia, Elis Regina e Ney Matogrosso mostraram a potência da performance como extensão da canção.
Nas minhas composições e parcerias, caminhei lado a lado com músicos que admiro profundamente: Alegre Corrêa, Guinha Ramires, Luis Meira, Jean Garfunkel, Marcoliva, Pedro Loch, Rafael Calegari, Mauro Albert, José Fontes. Cada um deles acrescentou novas cores e texturas ao meu repertório, ajudando-me a perceber que a influência é sempre encontro.
O que deixa de ter importância não são os estilos ou os artistas, mas a obrigação de permanecer presa a uma única vertente. A influência é viva, está em constante mutação. Hoje sigo fiel à raiz da música brasileira, mas aberta a uma rede de atravessamentos que vão da poesia à canção urbana, do flamenco ao fado, do samba ao diálogo contemporâneo.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Tatiana Cobbett: Minha trajetória artística começou pela dança — primeiro como bailarina no Balé Stagium, onde vivi intensamente o palco e aprendi a ouvir música com o corpo inteiro. Em seguida, mergulhei na minha primeira grande produção, o musical “Mulheres de Holanda”, dirigido por Naum Alves de Souza e baseado na obra feminina de Chico Buarque. Ali experimentei pela primeira vez a autoria e a mescla de linguagens.
A música entrou como extensão natural desse percurso: a voz nasceu da cena, a poesia virou letra, e as canções surgiram do movimento. A partir dos anos 1990, em Florianópolis – SC, dei os primeiros passos como compositora e cantora, criando e gravando ao lado de parceiros como Marcoliva, com quem lancei cinco álbuns.
Mais tarde, entre Brasil e Portugal, ampliei esse caminho com novos projetos, já somando 11 singles e diversas colaborações, além de me aventurar em criações autorais que unem poesia, teatro e performance.
Hoje entendo que minha trajetória musical não começou em um ponto fixo de tempo e espaço, mas no cruzamento entre linguagens. Foi nesse entrelaço — dança, poesia, corpo e voz — que a música se afirmou como destino.
06) RM: Quantos álbuns lançados?
Tatiana Cobbett: Lancei cinco álbuns e 11 singles.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Tatiana Cobbett: Meu estilo é híbrido, uma travessia. Ele nasce da MPB, mas se deixa atravessar por muitas outras linguagens: a poesia da música mineira, a força rítmica da música nordestina, a musicalidade natural dos povos originários, o samba e o choro das ruas do Rio, a dramaticidade do flamenco, o fado que ressoa em Lisboa, a milonga do sul.
Não gosto de rótulos fixos — prefiro pensar minha música como um lugar de encontro. Cada parceria, cada projeto, cada experiência acrescenta novas camadas. É um estilo em movimento, que busca equilíbrio entre a raiz brasileira e o diálogo com outras culturas. Se tivesse que resumir, diria que minha música é feita desse entrelaço.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Tatiana Cobbett: Estudei muito pouco técnica vocal…. mas passei por alguns e algumas mestres e mestras: Samuel Kerr, Nanci Miranda, Tutti Baê, por exemplo.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Tatiana Cobbett: A técnica vocal e o cuidado com a voz são fundamentais, mas não no sentido de engessamento. O cuidado, no meu caso, vem da prática diária, mas também de escolhas — respeitar os limites, cultivar silêncio quando necessário, perceber que a voz não é só músculo, mas também memória e afeto. Acho que a consciência corporal e expressão plena — permite que a voz se mantenha viva, disponível e fiel à emoção da música.
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Tatiana Cobbett: A lista é imensa, quase infinita. O que admiro, em todas elas, é a coragem de imprimir uma marca única, de afirmar a própria identidade através do canto. São essas vozes que alimentam também a minha. Neste sentido participei da criação do projeto Elas por Elas – A Mulher na Música Catarinense, um site de mapeamento da mulher na música catarinense, realizado em parceria com um coletivo de artistas.
Esse trabalho me mostrou a potência e a diversidade das mulheres que fazem música, muitas vezes longe dos grandes centros de visibilidade. E posso citar nomes que admiro profundamente: Khrystal, do Rio Grande do Norte; Badi Assad, com quem tive a alegria de ver minhas canções gravadas; Julia Vargas, Bia Ferreira, Cristina Clara, entre muitas outras.
11) RM: Como é seu processo de compor?
Tatiana Cobbett: Falar de inspiração é quase um engano — porque ela não tem hora nem lugar. O que existe, de fato, é a técnica de transformar o que aparece: às vezes por acaso, às vezes depois de muito pensar. Compor é estar disponível, é ter dedicação. É recolher sinais do mundo e devolver em forma de música, poesia, movimento. O processo não se limita a um momento iluminado; ele é cotidiano, atravessa o corpo e se revela na disciplina de criar.
12) RM: Quais seus parceiros musicais?
Tatiana Cobbett: O outro. Aquele que passa, aquele que fica. O encontro inesperado, o efeito raro de se juntar. A parceria nasce dessa partilha — do olhar, da escuta, da palavra e do silêncio. Não está restrita a nomes ou formatos, mas à possibilidade de criar algo que não existiria sozinho.
13) RM: Quem já gravou as suas músicas?
Tatiana Cobbett: Tenho a sorte e a alegria de ver minhas canções na voz de artistas que admiro profundamente. Entre eles estão: Badi Assad, Bárbara Damásio, Cristina Clara, Ana Paula da Silva, Ana Paula Beling, Aline Muniz, Marcoliva, Michele Ribeiro, Carla Ruaro, Khrystal, Jean Mafra, Luiz Meira e a banda Rosa de Pedra. Cada gravação é uma confirmação de que a música ganha novas dimensões quando encontra outras vozes.
14) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Tatiana Cobbett: Eu só vejo prós. O contra já é tudo aquilo que cerca — as dificuldades estruturais, o mercado, as pressões externas — e que também arremete contra a nossa liberdade. A grande pergunta é: quem consegue segurar a independência?
Quando dançava com o Balé Stagium, vivi algo que me marcou profundamente: uma apresentação em Serra Pelada, diante de um público inusitado de garimpeiros. Nem eu, nem eles estávamos preparados para aquele encontro. Foi uma faca de dois gumes: de um lado, a força de levar a arte aonde ela quase nunca chega, de outro, a vulnerabilidade de expor uma linguagem artística a quem não tem qualquer referência para recebê-la.
Esse episódio é, para mim, a própria imagem da carreira independente. A independência é isso: risco e potência ao mesmo tempo. É ter a liberdade de criar e se lançar sem concessões, mas também estar sujeito ao imprevisível, sem rede de proteção.
15) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Tatiana Cobbett: A primeira estratégia é justamente não pensar em “fazer carreira” no sentido tradicional. Prefiro estar sempre disposta, de forma inventiva, a seguir o meu caminho artístico. O investimento maior precisa estar no aprendizado — porque isso já é, em si, uma escolha de vida.
Acredito também que quem tem sorte não conhece o azar. O planejamento, para mim, acontece na dimensão do discernimento: é saber quando dizer sim, quando dizer não, e como transformar cada experiência em alimento para o meu ofício. É nesse equilíbrio que a arte se sustenta como profissão — e é também assim que o produto artístico ganha sentido como bem de consumo cultural, capaz de dialogar com o público e permanecer vivo.
16) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Tatiana Cobbett: A minha moeda é a troca. O gesto simples, a sugestão oportuna, o estar solta e, ao mesmo tempo, agarrada ao que acredito. Qualquer construção artística se faz no coletivo, no encontro de interesses, na soma de aptidões. O verdadeiro empreendimento, para mim, é qualificar cada ação com alma e corpo. Esse é o passe para o desenvolvimento.
Se vai dar certo ou não, se vai se sustentar no mercado ou não, já é outro tipo de empreendimento — um que escapa ao meu controle. O que me cabe é manter o impulso criativo em movimento, disponível para as parcerias e atenta ao que o caminho oferece.
17) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira musical?
Tatiana Cobbett: A internet não ajuda em Nada! A pergunta é ótima e eu até lamento pela resposta. Talvez eu esteja mesmo ultrapassada… ou voltando no tempo, fora de hora, ainda errada. Estou para a internet como um tobogã fora de época: todo mundo deslizando, acelerado, e eu meio de lado, em outro ritmo, sem me encaixar direito na brincadeira.
Reconheço, sim, o alcance, a facilidade de difusão e a possibilidade de fazer a música viajar sem fronteiras. Mas vejo também o excesso, a dispersão, a lógica das curtidas que engole o sentido mais profundo do que criamos.
Por outro lado, a própria internet me colocou diante de uma experiência transformadora: a parceria com a inteligência artificial. No momento, estou escrevendo um livro em formato de ensaio sobre os processos da minha residência artística Lá e Cá, justamente em diálogo com a IA.
É um desafio e, ao mesmo tempo, uma descoberta: entender até que ponto a tecnologia pode ser parceira da criação sem sequestrar a essência do que é humano. No fim, talvez seja isso: não se deixar levar pelo tobogã, mas aprender a usar a ferramenta quando ela pode abrir novas portas — sem perder a autonomia da arte.
18) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Tatiana Cobbett: Só vejo vantagens no home estúdio. É crescimento, é possibilidade. Para reclamar disso seria preciso ter muito conhecimento técnico — o que eu não tenho — e equipamentos de ponta — que também não estão ao meu alcance. Mas não se trata, necessariamente, de estar “equipado”.
O essencial é ter ideias, estar disponível para experimentar, usar os recursos que se tem à mão e transformá-los em linguagem. A tecnologia democratiza esse processo: não elimina os desafios, mas amplia o campo de criação.
Claro que há um risco: a abundância de meios não garante qualidade artística. Às vezes, a facilidade técnica pode gerar dispersão ou uma falsa sensação de prontidão. O desafio é não confundir acesso com profundidade — porque, no fim, o que sustenta a obra é o rigor criativo.
19) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Tatiana Cobbett: Antigamente, gravar um disco era quase um rito de passagem — difícil, caro, distante. Hoje, o acesso à gravação é mais democratizado. O desafio, porém, se deslocou: não é mais chegar ao estúdio, mas fazer-se ouvir em meio ao excesso de vozes e sons que circulam no mercado. O que me diferencia é não correr atrás de fórmulas. Trabalho na contramão da pressa, investindo, na mistura de linguagens, em parcerias que ampliam meu repertório, no aprendizado contínuo.
20) RM: Como você analisa o cenário da Música Popular Brasileira? Em sua opinião, quais foram as revelações musicais nas últimas décadas, quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Tatiana Cobbett: A Música Popular Brasileira é um território imenso, múltiplo, cheio de contradições. Nas últimas décadas, vimos surgirem vozes como: Lenine, Zeca Baleiro, Chico César, Vanessa da Mata, Céu, Tulipa Ruiz, Zeca Pagodinho, Criolo, Emicida, nomes que souberam transformar inquietação em linguagem e se manter relevantes sem renunciar à identidade. O que me parece mais importante é que a MPB continua sendo um campo fértil de diversidade: da canção urbana ao rap, do samba ao pop experimental à nova geração que cruza fronteiras com naturalidade.
21) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?
Tatiana Cobbett: Houve muitas gafes, tropeços e situações improváveis no caminho. Faz parte da vida de quem insiste em trilhar a música de forma autoral e independente. E foram muitas gafes pelo caminho!
Teve um Festival da Canção em que o palco era “aberto” — mas você não podia cantar as suas músicas. Imagina? Saí pensando: acho que esse festival não é para mim. Outra vez, em Lisboa – Portugal, fui convidada a cantar numa casa de Fado. Ingênua, levei minhas próprias canções.
O público aplaudiu efusivamente, mas no fim o dono da casa agradeceu à plateia por valorizar “uma música que não era fado”. Foi uma lição: entre a ousadia e a ingenuidade, a linha é muito fina. E claro: shows sem estrutura, cachês que nunca chegaram, tudo isso faz parte. No fim, é esse o tempero — porque não existe carreira independente sem histórias improváveis para contar.
22) RM: O que te deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Tatiana Cobbett: O que mais me deixa feliz na arte é quando ela cumpre seu papel de encontro: quando o gesto criativo, seja na música, na dança, na poesia ou na cena, chega até o outro e provoca emoção, reflexão, reconhecimento.
O que entristece é ver a arte reduzida a mercadoria, sem o devido respeito pelo trabalho, pela pesquisa, pelo tempo e pela entrega que ela exige. A tristeza aparece quando há desvalorização, quando a arte é vista como supérflua, e não como alimento essencial. Mas sigo acreditando que a arte é um território de risco e de potência.
23) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Tatiana Cobbett: Não acredito em “dom” no sentido de um privilégio reservado a poucos. O que acredito é que todos carregamos um gene de arte — uma centelha criativa que pode se expressar. Se existe um “dom”, para mim, ele está menos em nascer com algo pronto e mais em manter viva a capacidade de se encantar e de aprender.
24) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?
Tatiana Cobbett: Para mim, improvisação é a própria respiração da arte. Na música, na dança, na poesia, improvisar é estar inteira no presente — aberta ao acaso, às circunstâncias, ao diálogo com o outro e com o ambiente. É também escuta: do silêncio, do parceiro, do público, do espaço. Por isso, não a vejo apenas como recurso, mas como um conceito: criar a partir do que se tem, naquele momento, com verdade. Parece simples — mas é difícil pacas!
25) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
Tatiana Cobbett: Improvisação existe, sim — mas não como um salto no vazio. Ela nasce do estudo, da escuta, da prática. É como aprender uma língua: primeiro você assimila vocabulário, ritmo. Depois, quando a situação pede, fala livremente e até inventa. Em geral a improvisação é fruto de uma bagagem já incorporada — técnica, corpo, memória, referências — que, no instante presente, se reorganiza em algo inédito.
26) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre Improvisação musical?
Tatiana Cobbett: Não me sinto apta a aprofundar sobre os métodos de improvisação musical em si, até porque minha experiência sempre foi muito mais prática do que acadêmica. Mas posso falar do que percebo como artista.
O pró de qualquer método é oferecer ferramentas: dar consciência de caminhos possíveis, organizar a escuta, ampliar recursos técnicos. O método ajuda a criar uma base sólida para que o improviso aconteça com mais segurança. O contra é quando o método vira prisão. Improvisar não é aplicar uma fórmula pronta, mas deixar que o instante crie algo.
27) RM: Quais os prós e contras dos métodos sobre o Estudo de Harmonia musical?
Tatiana Cobbett: Não me sinto com propriedade para falar profundamente sobre o estudo da harmonia musical. Minha relação com a música sempre nasceu mais da prática, da escuta, da poesia e do corpo do que de um estudo formal.
Mas, pela experiência e pelas conversas com parceiros de estrada, percebo que o pró do estudo harmônico é dar ferramentas: ampliar recursos, abrir caminhos, organizar ideias e oferecer consciência para que a criação possa se expandir. O contra é quando esse estudo se transforma em uma prisão.
28) Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Tatiana Cobbett: Quero acreditar que sim. Na força da canção em si, no caminho orgânico que a música pode percorrer até chegar ao ouvido de alguém. Mas sei que a realidade do mercado é dura.
O jabá ainda é um obstáculo que limita o alcance de artistas independentes. A rádio, muitas vezes, não é só um espaço de música, mas de negócios. Ainda assim, prefiro apostar naquilo que posso controlar: a criação, a troca, a construção de público no contato direto. Se a rádio abrir espaço sem jabá, é e será uma vitória. Se não, quero acreditar que a música encontrará um jeito de chegar aonde precisa.
29) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Tatiana Cobbett: Trajetória artística não é uma estrada reta, nem pavimentada. É cheia de desvios, riscos, alegrias imensas e frustrações. Quem decide trilhar esse caminho precisa estar disposto a aprender sempre, a se reinventar e, sobretudo, a não desistir da própria voz.
Arte pede dedicação, disciplina, mas também leveza e abertura. Não é só técnica ou talento: é escuta, entrega e disponibilidade para o encontro. A independência, traz liberdade, mas também exige resiliência. Então, eu diria: estude, troque, esteja perto de quem soma, cultive seu corpo e sua alma como instrumentos. E, acima de tudo, não espere apenas do mercado a validação da sua arte.
30) RM: Quais os prós e contras do Festival de Música?
Tatiana Cobbett: Reconheço o valor dos festivais como espaços de resistência e celebração. Eles podem ser faca de dois gumes: tanto abrir caminhos quanto frustrar expectativas. Tudo depende de como são conduzidos e de quanto respeitam o artista.
31) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical no exterior?
Tatiana Cobbett: É a chance de atravessar fronteiras, de colocar a sua música em diálogo com outras culturas, de se testar diante de públicos diferentes e de ampliar horizontes criativos. A troca é intensa: cada apresentação fora do país é também um aprendizado sobre si mesma e sobre como a sua arte ressoa em outros territórios.
Mas existem também os contras. A distância do seu lugar de origem pode trazer solidão, há as barreiras culturais, linguísticas e até burocráticas. Além disso, a luta pela sobrevivência é ainda mais acirrada quando você não tem a rede de apoio construída em sua própria terra.
No meu caso, entre Brasil e Portugal, essa travessia tem sido um campo fértil. Ao mesmo tempo em que encontro ecos da minha raiz brasileira, também me abro ao contato com outras tradições. A independência continua sendo um risco — mas também é o que garante autenticidade.
32) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Tatiana Cobbett: A cobertura da grande mídia sobre a cena musical brasileira me parece quase inexistente. A música, que sempre foi um espelho da nossa identidade cultural, hoje aparece muitas vezes reduzida a modismos ou a lançamentos que obedecem à lógica de mercado e algoritmos. O espaço para a diversidade — para a música autoral, para as vozes independentes, para as expressões regionais — é mínimo.
Em vez de reflexão, crítica ou aprofundamento, prevalece o olhar superficial. Quem não se encaixa no padrão comercial acaba invisibilizado. Por outro lado, vejo que esse vácuo abre caminhos: nós artistas buscamos alternativas em mídias independentes, em projetos coletivos, em plataformas digitais. Talvez a grande mídia não dê mais conta de abarcar a atual cena diversa e potente.
33) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Tatiana Cobbett: Neste meu ir e vir, talvez eu esteja até um pouco defasada para opinar com propriedade sobre o Brasil. Mas reconheço que o SESC, o SESI e o Itaú Cultural têm sido fundamentais para a música: dão palco ao trabalho autoral, à diversidade, à experimentação — espaços que dificilmente existiriam apenas pela lógica de mercado.
Aqui em Lisboa também encontro instituições que cumprem papel semelhante, acolhendo a arte independente e criando lugares de encontro: a BOTA – Base Organizada Toca das Artes, a Fábrica Braço de Prata, a Associação Gandaia, entre outras. Esses espaços garantem que a criação não se restrinja ao circuito comercial, e reforçam a arte como bem coletivo e partilhado.
É claro que nenhum deles resolve todas as dificuldades do artista. Mas o simples fato de manterem essas portas abertas já é um gesto de resistência — e, para quem vive da arte, faz toda a diferença.
34) RM: Quais seus projetos futuros?
Tatiana Cobbett: Meus projetos futuros seguem desdobrando o que já venho vivendo entre Brasil e Portugal, nessa travessia que é também artística.
Um deles é o livro-ensaio “Processando Processos” (título provisório), previsto para 2027, em que reflito sobre os caminhos da minha residência artística Lá e Cá, em parceria com a inteligência artificial. É uma escrita feita de atravessamentos: poesia, memória, pesquisa e experimentação.
Outro projeto é o EP e minidocumentário “Ócio do Ofício”, que traz um novo frescor ao Lá e Cá, ampliando esse espaço fértil em torno de quatro eixos: parceria, sustentabilidade, criação e produção.
Também sigo investindo na manutenção do coletivo Raparigas do Groove/Lisboa, que reforça a produtividade autoral do artista imigrante, priorizando especialmente a produção feminina. E, no Brasil, estou à frente do Projeto Rotas e Confluências, uma série de concertos que mescla minhas composições às de outros artistas, na certeza de que somando somos bem mais fortes e assertivos.
O fio condutor de tudo isso é promover o intercâmbio, fortalecer redes de colaboração entre artistas, instituições e comunidades. Estimular a criação e a produção de obras que possam ser compartilhadas local e globalmente. E, sobretudo, facilitar a troca de experiências e saberes entre artistas de diferentes culturas e origens — enriquecendo tanto o repertório individual quanto o coletivo, e promovendo diversidade e inclusão nas práticas artísticas.
35) RM: Quais seus contatos?
Tatiana Cobbett: https://tatianacobbett.com | https://linktr.ee/cobbetttatiana | https://www.instagram.com/tatianacobbettstael | https://www.facebook.com/cobbetttatiana
www.myspace.com/benditacompanhia | [email protected]
Canal: https://www.youtube.com/@tatianacobbett
Uma das artistas que admiro é justamente aquela que é cantora e compositora (e mais ainda por também ser poeta) atuando na música, na dança, na literatura e no teatro. Ótima entrevista!