A cantora, compositora, apresentadora piracicabana Pa Moreno em 2025 celebra 30 anos de carreira, levando sua trajetória para o palco.
Iniciou sua formação musical no coral Luiz de Queiroz (ESALQ-USP) e viveu na Europa entre 2000 e 2005, período em que se apresentou na Itália, Suíça e Alemanha e lançou o single “Brasileiro” pelo selo Universal, presente em diversas compilações internacionais e no CD As Sete Melhores da Jovem Pan (2005).
Transitando com naturalidade entre rock, MPB, jazz e blues, Pa possui dois álbuns autorais — Pa Moreno (2011), lançado também pelo selo norueguês Hot
Club Records, e Tetraldas (2017). De 2014 a 2019 foi vocalista da banda Hot Club de Piracicaba, dedicada ao gipsy jazz. Ao longo da carreira, coleciona
parcerias, participações em festivais e prêmios, entre eles o destaque no Festival Canta Limeira com sua canção Vai e Vem da Vida (melhor arranjo) e
o 1º lugar como melhor intérprete no festival Jogos SESI.
Em 2025 também marca o retorno de sua parceria com o DJ italiano Danny Milano, com o lançamento do single “Um Carinho”. No mesmo ano, apresentou
se com a Orquestra Sinfônica de Limeira, interpretando Led Zeppelin para um público de cerca de cinco mil pessoas.
Desde 2017 é apresentadora do programa Sons de Pira (Rádio Educativa FM), dedicado à música autoral de Piracicaba e região e que já recebeu mais de 150 artistas — trabalho que lhe rendeu homenagem da Câmara Municipal. Pa também assina voz e música da trilha do filme Dias de Escuridão, da Rubro
Filmes, que inclui uma nova versão de sua canção Sono, lançada em 2024.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Pa Moreno para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistada por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 19/11/2025:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Pa Moreno: Nasci no dia em 06/11/1978 em Piracicaba, interior de São Paulo. Registrada como Patrícia Moreno.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Pa Moreno: Eu era uma esponjinha em casa e minha primeira lembrança é de minha mãe (Maria Bernardino Moreno) me ninando e cantarolando The Beatles. Já meu pai (Bráulio Moreno) tinha o hábito de ouvir vinis, e meu contato com Nat King Cole mudou muita coisa. Aquela voz me hipnotizava. Isso eu deveria ter uns 3-4 anos de idade.
03) RM: Qual sua formação musical e/ou acadêmica fora da área musical?
Pa Moreno: Eu tenho um técnico em Química e uma graduação incompleta na Itália em Biotecnologia Agrária. O técnico me levou ao Coral da USP de Piracicaba, onde eu considero que minha vida profissional começou há 30 anos.
Já a Biotecnologia me colocou em projetos musicais na Itália, que me renderam parcerias que resultaram em meu primeiro lançamento de single pela Universal Music. Lá eu também tinha uma banda de bossa nova com músicos italianos apaixonados pelo estilo. Foi muito rica a perspectiva de olhar um Brasil de fora e ser testemunha do amor desses grandes músicos por nossa arte. E foi onde eu fui muito respeitada também.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente? Quais deixaram de ter importância?
Pa Moreno: Nossa… acho que quando nos conectamos a algo, ele passa a fazer parte quase que de nosso DNA. Principalmente na música. Acho que tudo a que me conectei está em mim. E, quando eu me interesso por algo, quero saber de sua história para entender melhor a mensagem que existe por trás de uma voz ou de uma letra (para compositores).
Eu sou uma típica caipira que cresceu ouvindo Tonico e Tinoco, Pena Branco e Xavantinho, Trio Parada Dura, Cascatinha e Nhâna… Tinha um irmão mais velho que me apresentou The Beatles, Supertramp, Led Zeppelin. Na adolescência fui backing vocal de uma banda de blues e ali comecei a pesquisar cantoras como Billie Holliday, Dinah Washington, Diane Schuur… Foi tudo muito lindo e mágico.
Na Itália, mergulhei na obra de Clube da Esquina, Elis Regina, Marisa Monte, Bebel Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Vinicius Moraes, João Gilberto, Tom Jobim. Eu sou, como dizemos aqui no caipiracicabano: “esse caldeirão”.
05) RM: Quando, como e onde você começou sua carreira musical?
Pa Moreno: Comecei no Coral Luiz de Queiroz, da ESALQ-USP de Piracicaba. Brinco sempre que a instituição não formou apenas engenheiros agrônomos ou florestais: ela formou também uma cantora.
Aquela cena do filme do Ney Matogrosso, quando ele está todo tímido no coral em Brasília – DF, sabe? Me vi ali e chorei horrores, pois comigo foi exatamente assim. O maestro Norberto me falando para cuidar da voz, que ela era “muito especial”. Isso tem 30 anos (1995).
06) RM: Quantos álbuns lançados?
Pa Moreno: Tenho três: Pa Moreno (2011); Tetraldas (2015), Ser Mulher (2025). Tenho algumas participações junto ao Hot Club de Piracicaba, André Betini, Souela, Marcela Chiappini.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Pa Moreno: World Music.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Pa Moreno: Eu sempre pesquisei muito cantoras, seus timbres e fases de suas carreiras, mas o coral da Esalq foi fundamental para me mostrar os cuidados para preservação da voz. Já aconteceu de eu me apresentar três vezes no mesmo dia, em eventos diferentes, totalizando 6 horas de canto, e no final do dia eu estava ótima!
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Pa Moreno: A voz é um instrumento que não se substitui como uma guitarra, uma bateria ou um violão. Ela ficará com a gente até o último suspiro. Ela é minha identidade e minha expressão de sentimentos, seja cantada ou falada. Cuidar da voz, para mim, é garantir minha existência plena. Eu não bebo e não fumo, aqueço e desaqueço durante minhas performances.
10) RM: Quais as cantoras (es) que você admira?
Pa Moreno: Ah, a lista é imensa! Cada qual em um estilo. No rock gosto muito da Annie Haslam, da banda britânica Renaissance. No jazz, Diane Schuur e Billie Holiday. No Brasil, a lista é grande: Gal Costa, Elis Regina, Rita Lee, Ceumar, Mônica Salmaso, Céu, Marisa Monte. Entre os cantores, Milton Nascimento é minha maior inspiração.
11) RM: Como é seu processo de compor?
Pa Moreno: Se eu disser que é de acordo com a necessidade (risos). Eu tenho cadernos espalhados pela casa: uma mistura de diário com letras e poemas. Poucas vezes nasceram de uma vez. Eu já musiquei poemas e “poematizei” melodias. Aliás, todo poema é uma música em potencial. Às vezes, até dirigindo, preciso sacar o celular e gravar coisas que me vêm do nada.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
Pa Moreno: Tenho alguns! Com a filósofa Silvana Ion tenho duas músicas: Renascer e Iniciante. Depois, lá na Bahia, tem o Mário de Lima, que é um escritor-poeta sensível e por quem tenho um carinho imenso. Vira e mexe ele me manda uma poesia e assim nasceu Amores de Iemanjá. Mas fizemos também Distância Cósmica, que amo de paixão.
13) RM: Quem já gravou as suas músicas?
Pa Moreno: Nossa, ainda não tive esse presente da vida.
14) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Pa Moreno: Eu não sei como seria uma carreira dedicada exclusivamente à música e entendo que apenas vivendo essa experiência de forma plena é que eu seria capaz de falar com propriedade, mas posso dizer que amo a liberdade de viver de forma independente. Criar de forma livre, sem a pressão de responder a um sucesso ou formato definido, é delicioso.
15) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Pa Moreno: O respeito e profissionalismo, tanto para com meus colegas de música quanto para os contratantes, trago como meu princípio fundamental e alicerce. Depois, uso boas imagens em materiais de divulgação, redes sociais e contato direto com meu público. Manter-me atualizada com o que está acontecendo na música também me inspira e motiva.
16) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira musical?
Pa Moreno: Ano passado, junto da Rubro Filmes, aprovamos um projeto de comemoração aos meus 30 anos de carreira pela Lei Aldir Blanc. Esse projeto inclui um mini doc, gravação do álbum autoral e um material precioso para trabalhar minha carreira.
17) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento da sua carreira musical?
Pa Moreno: Acho que a internet democratizou o acesso dos músicos ao grande público, sem mais a necessidade de uma gravadora para fazer essa ponte (com pedágio). Carreiras foram construídas através dessas plataformas e podemos citar a Liniker como exemplo, que acaba de ganhar três Grammys.
Por outro lado, não se vende mais álbuns e os autores não recebem mais pela execução de suas obras. Ivan Lins, dia desses, em entrevista ao Pedro Bial, disse que precisou voltar a fazer shows loucamente para não passar necessidade. Ele tem mais de 800 obras. Isso assusta… muito.
18) RM: Vantagens e desvantagens do home studio?
Pa Moreno: Vantagem: o músico não tem verba e precisa de um material para mostrar suas músicas, então grava-se em casa mesmo. Desvantagem: o altíssimo risco de não se atingir o objetivo de uma boa divulgação do trabalho pela baixa qualidade desse material.
19) RM: O que você faz para se diferenciar no seu nicho musical?
Pa Moreno: Eu procuro fazer algo honesto e verdadeiro para o público. Tento fazê-lo entender que tem história e entrega dentro dela, sabe? Assim! Eu gosto muito de comparar a minha música com comida. Existe uma diferença entre um fast food e uma comidinha caseira. Uma apenas satisfaz a fome momentânea; já a outra te faz existir junto, cria memória afetiva porque tem carinho ali.
20) RM: Como analisa o cenário da MPB?
Pa Moreno: O Brasil é a nona maior fatia de mercado da música no mundo! Pensando no número assustador de músicas lançadas nas plataformas de streaming no mundo por dia (100 mil), eu realmente me sinto desconfortável em deixar muita gente boa de fora. Mas tenho várias que me chamaram a atenção: Dingo, Jota.pê, André Bertini, Gabriela Gaspar.
21) RM: Situações inusitadas na carreira musical?
Pa Moreno: Acho que conviver com assédio é algo que nunca vou conseguir normalizar, apesar da frequência. Técnico de som que desrespeita ou desvaloriza pelo simples fato de eu ser uma mulher no palco. Principalmente quando tenho um instrumento nas mãos (gaita, por exemplo). Eles ficam mais irritados, hehehe. Já aconteceu de alguém gritar pedindo algo totalmente fora do repertório (exemplo: Joelma), hehehe. A gente vai aprendendo a lidar.
22) RM: O que te deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Pa Moreno: Se tem algo que me faz feliz é alguém pedir para eu cantar uma de minhas autorais. Tipo mãe babona, sabe? Triste, acho que é ver algum colega músico desistindo da música após passar algum perrengue…
23) RM: Existe o dom musical? Como você define?
Pa Moreno: Ah, sim! Com certeza existe! Quem explica aquelas crianças prodígio que tocam como se viessem de outras vidas?
24) RM: Qual seu conceito de improvisação musical?
Pa Moreno: Bem… a minha primeira escola foi o Blues. Como gostava de estudar as cantoras, fui estudar as mestras Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Ali eu entendi o que era improviso, porque elas transformavam músicas em escalas emocionais únicas. E escrevi assim mesmo: escala emocional e não musical! Porque improviso, para mim, se não for com emoção, não me pega.
25) RM: Existe improvisação musical de fato ou é algo estudado antes?
Pa Moreno: Certamente existem as duas formas de expressão, como existe o fast food americano, que segue uma receita linear e imutável, e o slow food da minha avó italiana, que segue o coração e conta com os ingredientes do quintal dela. A preferência é do freguês (risos).
26) RM: Prós e contras dos métodos sobre improvisação musical?
Pa Moreno: Presença e ausência de alma por trás do que está sendo entregue.
27) RM: Prós e contras dos métodos sobre o estudo de harmonia musical?
Pa Moreno: Eu nunca estudei harmonia musical. Mas estudei a obra do Clube da Esquina, que já me rendeu boas músicas.
28) RM: Sem jabá suas músicas tocarão nas rádios?
Pa Moreno: Eu não ouço mais rádio, apenas as plataformas de streaming. Com exceção da rádio municipal aqui da minha cidade, e lá eles tocam muito as minhas músicas.
29) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Pa Moreno: Toque seus artistas preferidos, mas também componha! Faça música autoral!
30) RM: Prós e contras de Festival de Música?
Pa Moreno: Eu amo um festival de música! E mais do que mostrar a própria música, é curtir os bastidores! Trocar figurinhas com os músicos que estão no mesmo barco que você! Conhecer o Brasil real e outros olhares para a narrativa de nosso momento histórico! Acho incrível. Acho que o contra é quando encontramos pessoas que visam apenas a competição. Mas essas a gente deixa correr na frente! Eu curto a paisagem mesmo!
31) RM: Como você analisa a cobertura feita pela grande mídia da cena musical brasileira?
Pa Moreno: Acho bastante limitada ao que está acontecendo no eixo Rio–São Paulo. Todos os “interiores”, daqui ou de outros estados, são recheados de belíssimos trabalhos.
32) RM: Qual sua opinião sobre o espaço aberto por SESC, SESI e Itaú Cultural?
Pa Moreno: O Sesc é o Brasil que deu certo. Meu primeiro álbum eu lancei num SESI e o último no SESC. Eles são nosso espaço de resistência.
33) RM: Quais seus projetos futuros?
Pa Moreno: Seguir compondo e divulgando meu trabalho autoral.
34) RM: Quais seus contatos?
Pa Moreno: https://www.instagram.com/pamorenobrazil
Canal: https://www.youtube.com/user/pamorenoi
Pa Moreno – Aos Teus Anos: https://www.youtube.com/watch?v=qocDCnnjxCE