O músico multi-instrumentista, produtor, arranjador, compositor Bruno Wambier, com mais de 35 anos de experiência como tecladista e mais de 20 em direção e produção musical e fonográfica.
Bruno já gravou mais de 50 álbuns, cinco trilhas sonoras para cinema e centenas para publicidade e jogos digitais. Trabalha há 30 anos como técnico de gravação e mixagem, 20 deles em seu próprio estúdio.
Como tecladista, trabalha desde 1999 na banda NATIRUTS, com quem gravou os álbuns: Verbalize e QU4TRO (ainda pela gravadora EMI), Nossa Missão e Raçaman (independentes), além dos DVDs NatiRuts Reggae Power (independente), Acústico NatiRuts no Rio de Janeiro (Sony), #NoFilter (Sony) e NatiRuts Reggae Brasil (Sony) e os mais recentes trabalhos, os álbuns: Índigo Cristal. I Love e Good Vibrations I (todos pela Sony Music).
Excursionando com a banda NATIRUTS por todo o país e pelo exterior há mais de 20 anos, já se apresentou em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália, Holanda, Inglaterra, Irlanda, México, Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai, Paraguai, Peru, Panamá, Costa Rica, EUA (incluindo Hawaii e Puerto Rico), Cabo Verde, Austrália, Nova Zelândia;
Além de apresentações da banda NATIRUTS por centenas de cidades brasileiras e participações nos principais eventos nacionais, como o João Rock (SP), Festival de Verão de Salvador (BA), Festival de Verão de Recife (PE), Planeta Atlântida (SC e RS), Pop Rock Festival (MG), TIM Pop Festival (RJ), Oi Noites Cariocas (RJ), Ao Vivo Transamérica (SP), RádioMIX (SP), Navio da Mix (Cruzeiro).
Como engenheiro de som, gravou e mixou entre 1994 e 2007 no maior estúdio do Distrito Federal, o Zen Studios onde realizou diversos projetos importantes para a Zen Records, para gravadora Velas, e em dezenas de projetos independentes, entre eles dois discos do cantor e compositor Oswaldo Montenegro.
Segue abaixo entrevista exclusiva com Bruno Wambier para a www.ritmomelodia.mus.br, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 19/09/2025:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Bruno Wambier: Eu nasci no dia 25 de outubro de 1975 em Brasília – DF. Registrado como Bruno Wambier Gusso.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Bruno Wambier: Meu contato com a música como ouvinte seguramente vem de antes de qualquer memória consciente que eu possa ter, meus pais eram grandes apreciadores de música. Samba, erudito, rock, jazz, lembro que eram bem ecléticos. Mãe (Wilma) fã de Chico Buarque, pai (Divonzir) fã de Led Zeppelin, uma verdadeira benção!
Meu pai tinha vinis de vários gêneros e desde pequenos, eu e meus irmãos pedíamos para que ele nos gravasse “fitas de coletânea”, onde misturávamos Pink Floyd com Milton Nascimento, Deep Purple, Gilberto Gil, Caetano Veloso.
Ele tinha aquelas aparelhagens modulares, com tape deck, toca-discos de vinil, toca-fitas de rolo, rádio; todos conectados em um receiver/amplificador e naquelas caixas de som de madeira com alto falantes pretos, que compunham até a decoração da sala. Inclusive foi nesses equipamentos que fiz meus primeiros experimentos de gravação na adolescência (anos 80 ainda), com os tapedecks passando de fita para fita e adicionando instrumentos.
O contato com o instrumento começou na infância ainda, lá pelos sete anos de idade, através da minha tia Yara (no Paraná), que tinha um piano em casa e me ensinava os primeiros passos durante as férias que passava em sua casa. Aprendia muitas músicas (um repertório erudito simplificado para criança) e com ela iniciei a leitura musical.
Só 12 anos tive meu primeiro instrumento (um sintetizador Yamaha PSR 225), e aí realmente passei a me interessar pelos teclados de música pop e rock que escutava “aquele Bruno ouvinte”. Nessa época já estudava órgão e piano com professores particulares e em academias de música. Parti do ensino médio direto para o mercado musical de trabalho.
Aos 16 anos, eu já tinha banda, acompanhava artistas locais e dei aulas de Teclado em academias de música entre 17 aos 19 anos, quando comecei a trabalhar como técnico de gravação no maior (e melhor) estúdio de Brasília – DF, o lendário Zen Studios, onde trabalhei por mais de 10 anos gravando, mixando e produzindo artistas e bandas.
03) RM: Qual a sua formação musical?
Bruno Wambier: Toda minha formação pessoal, musical e acadêmica foi com a música. Eu tenho curso superior incompleto, atualmente cursando Música.
Iniciei no piano aos sete anos de idade. Depois de adquirir meu primeiro Teclado, comecei a aprender algumas coisas de cifras e música popular com o método Mario Mascarenhas, fiz aulas de órgão com esse e outros métodos, e logo passei para o estudo do Piano em uma academia em Brasília – DF, onde estudei por alguns anos com o método Leila Fletcher.
Na adolescência acabei largando essas aulas e me aprofundando de forma autodidata em rock, pop e música popular (com muito Almir Chediak); tudo isso paralelamente ao estudo de Piano Erudito, que continuei através de livros de partituras que se tornaram mais acessíveis na época (peças de Bach, Tchaikovsky, Beethoven, da editora Ricordi). O estudo me acompanha desde o início, e com certeza o aprendizado nunca tem fim.
Também fiz cursos de áudio, estudei trilha sonora para audiovisual e hoje curso licenciatura em música na faculdade. Além disso, considero que os inúmeros tributos e bandas cover que já participei serviram para mim como cursos, especializações ou até como bolsas de estudo, muitas vezes bem remuneradas.
Já trabalhei com tributos a Pink Floyd, YES, Queen, Rush, Led Zeppelin, Supertramp, Deep Purple, Elvis, Jamiroquai, Bob Marley, Steel Pulse, fora os repertórios variados de diversos estilos.
No áudio iniciei por volta dos 19 anos de idade, fazendo estágio no Zen Studio, onde logo passei para o time de técnicos que transformou o estúdio no maior e mais importante do Centro-Oeste. Desse estúdio saíram as primeiras gravações de Nativus, Raimundos, Rumbora, O Surto, Alma Djem.
No Zen Studio tive a oportunidade de gravar diversos projetos para a gravadora Velas, gravar e mixar dois álbuns de Oswaldo Montenegro, gravar toda uma geração do hip-hop e rap do Distrito Federal através da gravadora Discovery e do DJ Raffa Santoro, e grande parte da cena rock local entre os anos 90 e 2000.
Isso me possibilitou trabalhar com produtores que eram a referência do que eu escutava, como o Raffa, Túlio Mourão (Milton Nascimento), Ricardo Cristaldi (Gilberto Gil e Caetano Veloso), Lincoln Olivetti, Renato Vasconcelos, Ted Moreno. Depois disso, com as gravações do Natiruts (como músico), tive a oportunidade de trabalhar e aprender com produtores como Tom Capone, Paulo Junqueiro, Kassin, Miranda.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Bruno Wambier: No início fui muito influenciado pelo rock, meus primeiros discos de vinil foram Black Sabbath, Pink Floyd e Deep Purple. Paralelamente ao aprofundamento nos estudos, passei a ouvir muito neoclassic rock, música instrumental e música erudita. Também apreciava jazzfusion pela influência de Chick Corea e Herbie Hancock.
E estudava no teclado Joe Satriani, Malmsteen, Steve Vai. Com o passar dos anos 90 passei a escutar sons cada vez mais pesados, Metallica, Megadeth, Pantera, Sepultura, Slayer, até o surgimento do Progmetal.
O Dream Theater foi uma banda muito importante para mim nessa época, porque concentrava várias das minhas referências musicais e influenciou muito a primeira banda com a qual eu lancei um disco autoral, o Khallice.
Com isso passei a me aprofundar mais ainda nas bandas progressivas dos anos 70 que influenciaram essa “releitura mais pesada” como a do Dream Theater, bandas como Rush, Emerson Lake and Palmer, Gentle Giant, Zappa, King Crimson, e assim eu fui “abandonando” um pouco o som tão pesado e acho que se tem algum som que realmente perdeu importância para mim foram bandas de trash/death, principalmente as de vocais guturais.
Nessa época cresceu também meu interesse pelo pop e pela MPB. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Jorge Benjor, e principalmente, Tom Jobim que realmente “alugou um triplex” vitalício nas minhas preferências.
Foi na noite e nos palcos de Brasília – DF que a MPB, Jamiroquai Cover e Tributo a Led Zeppelin (longa história, risos), me levaram a conhecer os Nativus (atual NATIRUTS). Foi com eles que realmente pude conhecer um universo reggae que ia muito além de Bob Marley e The Wailers.
A partir daí entrei em uma pesquisa profunda do ritmo jamaicano, ritmos caribeños e latinos em geral, e assim consegui criar uma identidade musical própria que conseguia reunir todas minhas influências (rock, soul, mpb) com essa linguagem afro-latina.
Dentro do Natiruts, não só eu, mas todos os integrantes, fomos sempre bem-informados à evolução do reggae music e os subgêneros que se desenvolveram a partir daí e se desenvolvem até hoje, sempre agregando esses estilos ao nosso vocabulário.
Meus discos solo instrumentais são totalmente ambientados em Reggae, Dub, Ska, Dancehall, Reggaeton, Dubstep, usando os timbres mais clássicos de teclados reggae.
Ao longo dos anos, talvez pela demanda na área de trilhas sonoras, tive diferentes “fases de foco” em determinados estudos. Como em música eletrônica, synthpop e tudo relacionado a sintetizadores, foco em música erudita contemporânea (Stravinsky, Schoenberg, Mussorgsky), foco em world music, música árabe e indiana, inclusive, eu quase larguei a música para me dedicar só ao Yoga, aulas e meditação, mas isso daria assunto para uma outra entrevista (risos).
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Bruno Wambier: As primeiras bandas das quais participei foram por volta dos 14 anos de idade (1989), participando de festivais estudantis e festas, mas foi a partir dos 16 anos que passei a receber cachê por esses shows com bandas autorais, tributos e acompanhando artistas na noite em bares e eventos de médio porte.
Após ingressar no time de técnicos de gravação do Zen Studios, passei também a gravar teclado como músico de estúdio em dezenas de projetos. Também comecei a fazer sonorização profissional em eventos, como técnico de P.A. de grandes bandas de Brasília – DF.
Montei meu próprio home estúdio, em meados dos anos 90, com uma mesa Mackie e caixas Yamaha NS10, primeiro produzindo discos no sequencer Roland MC50 e em teclados workstation como o Kurzweil 2500XS, e logo com tecnologia digital nos desktops e notebooks, usando Cubase, Nuendo e ProTools. Desde então, foram dezenas de discos produzidos e centenas de músicas gravadas, shows em mais de 20 países, trilhas para longas e curta metragens, games, publicidade.
06) RM: Cite os álbuns que você já participou tocando Teclado
Bruno Wambier: Com NATIRUTS gravei oito álbuns: VERBALIZE (2001 – EMI), QU4TRO (2002 – EMI), NOSSA MISSÃO (2005 – IND), RAÇAMAN (2009 – IND), ÍNDIGO CRISTAL (2017 – SONY), I LOVE (2018 – SONY), GOOD VIBRATIONS I (2021 – SONY), o disco NATIBABY (SONY) onde fiz produção, repertório e toquei todos os instrumentos.
E cinco DVDs: NATIRUTS REGGAE POWER (2006 – IND), NATIRUTS ACÚSTICO NO RIO DE JANEIRO (2012 – SONY) que foi indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum Pop Contemporâneo em 2013, #NOFILTER (2014 – SONY), NATIRUTS REGGAE BRASIL (2015 – SONY) e o Ao Vivo AMÉRICA VIBRA em Buenos Aires – Argentina (SONY) lançado somente em plataformas de Streaming.
Além disso conto com meus álbuns solo autorais: W*DUB Vol. I – Reggae Keys (Prego/GRV Music), e o W*DUB Vol. II – Nuroots Keys (em processo de produção), o álbum THE PROPHECY da banda KHALLICE, da qual fui membro fundador, compositor e produtor do disco junto com o parceiro Marcelo Barbosa, hoje guitarrista do Angra.
Também gravei álbuns autorais com as bandas: NULIMIT, PRAVDA, AURAVIL, e gravei como tecladista convidado para dezenas de artistas como BRANCO MELLO (TITÃS), KIKO PÉRES (NATIRUTS), MARCELO BARBOSA, RAFFA SANTORO, EMÍLIA MONTEIRO, ARUN, ANDRÉ LUIZ OLIVEIRA, RICARDO MOVITS, MÁRIO LINHARES, GEORGIA BROWN, OSIAS CANUTO, PAULO NUNES, RAISSA HARI (AUS), KIMMY’N’KREW (AUS), P.R.A.T.O. (EUA), JAMILE JAH, ELIAB LIRA, LUNNA, DRE SARKIS, e bandas como SLUG, MOSTARJA, VIRTUD, INNATURA, MARIMBA, LIBERDADE PLENA.
07) RM: Como é o seu processo de compor?
Bruno Wambier: Eu não sigo um único processo para criação de música. Como eu crio em parceria com outros artistas, componho músicas próprias, faço jingles, trilhas, escrevo arranjos; são diferentes estilos de trabalhar, diferentes campos artísticos, e em cada um deles eu escolho um caminho para seguir.
As parcerias normalmente vêm através de uma letra ou melodia que eu recebo, um conceito musical em comum, e eu fico normalmente com a parte harmônica e arranjos. As minhas composições próprias invariavelmente partem de sequências harmônicas que surgem enquanto estudo, e daí vão se abrindo as possibilidades para temas, solos e melodias.
Em menor proporção começo compondo pela melodia, que depois eu harmonizo, também gosto de criar assim. Nesses projetos autorais eu escrevo e reescrevo muito, sempre tentando melhorar. A pesquisa e a experimentação ocupam o tempo que for necessário. Arranjos e produção também.
Já os jingles e publicidade que tem maior volatilidade (por serem mais descartáveis e temporários) não podem dispender tanto tempo e sempre tem prazos urgentes. Apesar de exigirem menor compromisso com originalidade e complexidade, a composição passa por uma boa fase de contextualização e conceito musical, antes de experimentar estilos, ritmos, tonalidades.
Pra trilhas sonoras e cinema, o foco já passa a ser na ambientação, na emoção. Os prazos normalmente são mais longos, o que me permite concentrar mais profundamente nessa parte conceitual e contextual.
Gosto de associar personagens ou cenários a determinados instrumentos ou melodias tema. Adoro criar climas dramáticos com piano, cordas, e utilizar o que aprendi estudando erudito.
E da mesma maneira que a composição autoral nos álbuns, os filmes também ficam eternizados e por isso sempre busco ao máximo a perfeição técnica e artística nesses registros.
Para compor as músicas do meu primeiro álbum solo (entre 2018 e 2020), o W*DUB I – Reggae Keys, fiz diferente. Usei da experiência em produção antes de elaborar o repertório. Coloquei como meta a criação de 12 músicas que abordassem subgêneros do Reggae, como Roots Reggae, Ska, Latin Reggae, Dancehall, Dub; que utilizassem os timbres clássicos do reggae music, como Hammond, Piano, Rhodes, Clavinet e sintetizadores.
E que ao todo houvesse um equilíbrio entre músicas de tom menor e tom maior (ou que expressassem mais sentimentos de contemplação, mistério, reflexão ou alegria) e que isso englobasse alguns modos e escalas musicais específicos que precisava para improvisar e criar os temas.
Já compus o volume II desse trabalho, usando a mesma metodologia, agora abordando subgêneros mais modernos, usando bateria eletrônica e mais sintetizadores, com ritmos mais “noturnos” como Ragga, Reggaeton, Zouk, Dubstep, seguindo essa mesma linha conceitual do primeiro volume.
Em ambos, a maioria das músicas surgiram primeiramente através do ritmo escolhido, depois uma harmonia criada para ambientar esses ritmos ou estilos, e por último os temas e solos. Além desses processos, de vez em quando “baixam” umas melodias do nada que ficam ecoando na cabeça até eu ter a oportunidade de materializá-la no instrumento mais próximo.
08) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento da sua carreira musical?
Bruno Wambier: Primeiro, a Internet trouxe uma facilidade imensa para o aprendizado musical. Hoje em dia se encontra todo tipo de material de estudo (aulas, cursos, tutoriais, partituras) além do acesso a praticamente toda discografia mundial.
A internet também trouxe a revolução tecnológica nos meios de produção e distribuição musical, no acesso às melhores ferramentas, timbres, plataformas de criação, gravação, edição. Com certeza ela também “democratizou” de certa forma a maneira de vender e divulgar seu trabalho musical, e ainda que tenha se diluído o valor que se pode arrecadar nos novos formatos, não há como negar que ao menos isso agora está disponível a todos.
Como desvantagem, vejo que a tecnologia mudou a relação que o ouvinte ou espectador tem com o consumo de arte. A velocidade de informação e a necessidade de estímulos cada vez mais imediatos está moldando o formato, o tempo de execução, tempo de duração das músicas, de maneira que já não existe muito espaço para longas introduções, solos ou partes instrumentais.
E o que talvez seja minha maior preocupação com essas consequências, é que nas redes a arte adquiriu um status inferior e divide o mesmo espaço com o puro entretenimento, transformando a criação em produto descartável e ainda por cima, gerando a necessidade do artista (e muitas profissões fora do meio artístico também) produzir conteúdo freneticamente para as redes sociais, ocupando tempo que poderia ser totalmente dedicado a produção de música e arte mais sólidas e duráveis.
09) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Bruno Wambier: Como eu disse em relação à Internet, as novas tecnologias facilitaram o acesso e diminuíram absurdamente os custos da produção musical. Os equipamentos analógicos clássicos continuam sendo valorizados, mas não são totalmente insubstituíveis e com baixo orçamento é possível fazer gravações profissionais, inclusive utilizando somente softwares gratuitos.
A desvantagem não está na tecnologia, mas no uso dela, porque o fato da parte “material” ser acessível não torna o usuário imediatamente experto na utilização. O material humano continua sendo o mais importante, o bom técnico, produtor ou engenheiro de áudio que sabe extrair o melhor som de um equipamento, seja digital ou analógico, continua sendo a principal ferramenta. Se por um lado viabilizou a produção de muita boa música que não era gravada por não possuir recursos, também possibilitou que música boa e ruim fosse lançada com qualidade duvidosa.
10) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado etc)?
Bruno Wambier: Posso dizer que, infelizmente, já passei por todas essas situações citadas na pergunta. Condições técnicas ruins, ambiente tosco, contratante desonesto, calote; acho que esses são degraus que todo artista iniciante acaba enfrentando. Briga, vi poucas vezes.
O tipo de música que eu toco não possui um público muito voltado para violência, mas já presenciei algumas bem feias. Em uma dessas um segurança disparou um spray de pimenta num salão fechado e a válvula travou. O show já estava no final, o segurança ainda conseguiu dispensar todo o spray em um banheiro, mas o evento teve que ser encerrado.
Creio que entre as situações inusitadas mais marcantes, teve uma vez que abandonei um show na segunda música (eu e meus companheiros da banda), deixamos o artista completamente bêbado sozinho no microfone depois que nossa apresentação deixou de ser a abertura de uma banda grande e, por atraso na produção, nos passaram para encerramento.
Ele tomou uma garrafa de whisky sozinho durante o show do Rappa e durante a virada de palco 90% do público foi embora, para nossa sorte! Quem ficou ainda assistiu ele pagando mico, reclamando do som, da luz, dos tons da bateria, até a gente desplugar tudo, desmontar os instrumentos e ir embora.
E teve uma vez, com outra banda, que o evento foi cancelado com uma grande parte do público lá dentro. Nós já havíamos chegado e o palco estava todo montado quando a música mecânica parou (quando o dono do som descobriu que ia tomar prejuízo). O público iniciou então uma rebelião, derrubando equipamento de som, puxando caixas, jogando latas e cadeiras no palco.
No camarim, vimos o pessoal da rádio correr com o material de merchandising, camisetas, copos, fugindo pelos fundos do evento. Logo chegou nossa equipe técnica e falou para gente sair pelos fundos também porque não ia ter show e estavam quebrando tudo. Os roadies estavam só tentando tirar os instrumentos do palco para “fugir” também.
Seguimos o caminho que o pessoal da rádio fez e no final tinha um muro com um portão trancado. Não sei como eles saíram, mas se eles pularam a gente tinha que pular também. Os primeiros pularam, fomos passando uns instrumentos menores por cima, sax, trombone, pegamos a van e voltamos para o hotel.
11) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Bruno Wambier: Acho que todas as profissões têm seus bônus e ônus. Uma coisa que me deixa triste é que a arte e o entretenimento têm papéis fundamentais na sociedade, mas não tem esse “status” valorizado por grande parte dela. Por outro lado, a resposta imediata do público, a troca de energia e as vidas tocadas positivamente pela sua arte (seja ao vivo ou no fone, no cinema), são a prova do seu valor.
A melhor parte da vida na música é a certeza de que você trouxe alegria, conforto, reflexão, conhecimento, qualquer tipo de acréscimo à vida de outras pessoas. Isso é a maior recompensa e a parte mais feliz dessa carreira.
Claro que os benefícios do reconhecimento também formam a parte boa da profissão, poder viajar, conhecer pessoas e lugares novos, o contato com outras culturas, outros climas, outras culinárias, criar amizades em diversas línguas e em qualquer classe socioeconômica. Tudo isso é gratificante para o artista, e são oportunidades de crescimento pessoal, como indivíduo.
Já a pior parte para mim da carreira na música, acredito que seja a instabilidade e a incerteza. Para todo profissional autônomo talvez seja, mas a arte tem suas peculiaridades. No mercado musical, e de artes em geral, se trabalha muito em ciclos. Existe período de colheita e de plantio.
Tempos de apresentações, e de quando é necessário criar, ensaiar, produzir, lançar “material” novo. Então há períodos bons, onde tem muito show, gravações, estreias. Há períodos mais frios, de investimento, ou quando a economia não favorece o entretenimento (seja entre produtores de eventos ou entre consumidores), ou uma turnê mais desgastada de um espetáculo, férias e pausas que não são remuneradas.
Isso tudo se reflete na carreira e financeiramente também, porque a instabilidade que eu falo não é só econômica. E nunca se sabe quanto pode durar cada fase. Além disso o mercado da arte está em constante mudança, sempre surgindo coisas novas, evoluindo as tecnologias, passam e voltam as modas, os estilos. E nada é matemático, não existem fórmulas.
O mercado fonográfico que existe hoje não tem absolutamente nada a ver com o de 30 anos atrás, como eu conheci. E ninguém imaginaria naquela época essas mídias de hoje, as plataformas por onde consumimos música e vídeo, as tecnologias que usamos pra produzir e distribuir. A incerteza de como funcionará sua profissão em 10 anos talvez seja “o” ponto negativo nessa carreira.
12) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Bruno Wambier: Primeiro, não entre na carreira somente em busca do ganho pessoal. A vida do artista é uma vida de entrega, é muito mais sobre o outro, sobre seu público, sua audiência e as pessoas que você alcança e atinge, sobre vidas que você pode impactar positivamente, do que sobre você.
Segundo, não é uma carreira fácil. É cheia de desafios, altos e baixos, tentativas frustradas. Sem perseverança, persistência, disciplina, fica muito mais difícil. Se você tem esse desejo de trilhar uma carreira musical, não desista na primeira decepção.
O mercado é cheio de oportunidades, as áreas de atuação do músico não se resumem a ser famoso em uma banda de sucesso. Por último, não deixe de sonhar, de criar e planejar, mas não se apegue somente aos objetivos, não mire apenas o futuro: viva o presente e desfrute do processo.
14) RM: Quais os tecladistas que você admira?
Bruno Wambier: Eu tenho meu “Hall da Fama” com tecladistas que eu considero pilares da minha formação musical, que sempre escutei e estudei, como Rick Wakeman, Keith Emerson, Rick Wright, Kerry Minnear, Jon Lord, Chick Corea, Herbie Hancock, Stevie Wonder, César Camargo Mariano, Arthur Moreira Lima, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Túlio Mourão.
No reggae há alguns tecladistas que eu adoro e representam o melhor em teclas nesse estilo e que influenciaram totalmente o conceito do meu álbumo solo “W*DUB Reggae Keys”, que são Jackie Mittoo, Earl Wire Lindo, Augustus Pablo, Monty Alexander e João Fera, claro!
Ainda poderia incluir nessa lista pianistas como Cory Henry, Jacob Collier, Hiromi Uehara; e brasileiros que eu acompanho e admiro como Amaro Freitas, Orlan Charles, Léo Brandão, Renato Vasconcelos, Donatinho, entre outros grandes talentos.
13) RM: Quais as principais técnicas que o aluno deve dominar para se tornar um bom Tecladista?
Bruno Wambier: Acredito que dominar técnicas com as duas mãos, independência entre elas, ritmos e exercícios de velocidade sejam muito importantes, porém o estudo de harmonia, teoria musical, improvisação, sejam pilares muito mais sólidos para um som bonito nas teclas. Eu, considero muito mais agradável a sonoridade de um João Donato, Tom Jobim, Eumir Deodato, que o virtuosismo do Jordan Rudess (que eu igualmente admiro, mas em outra proporção).
14) RM: Existe o Dom musical? Como você define o Dom musical?
Bruno Wambier: O “dom” no qual eu acredito não faz associação com o significado divino ou místico que essa palavra muitas vezes tem. Por isso prefiro até chamar de aptidão, habilidade, talento. Acredito mais em habilidades bem desenvolvidas através de estudo e prática, em torno de temas para o qual se tem aptidão (que pode ser a música, ou uma ciência, matemática, esporte).
Mesmo dentro da música, alguns instrumentistas têm habilidade para piano e outros para sopro, e não necessariamente para todos os instrumentos, e tampouco precisam dominar desde o início todas as áreas da música como harmonia, arranjo, composição, improvisação. Para tudo isso acredito que o estudo, a prática, o treinamento, sejam fatores realmente importantes e muito mais concretos que um dom.
15) RM: Qual é o seu conceito de Improvisação Musical?
Bruno Wambier: Para mim, improvisar é tocar livremente melodias ou harmonias que você “cria” espontaneamente no momento, sem seguir uma partitura ou algo criado previamente. O que não significa que a todo momento os músicos estejam “reinventando” a música, isso é feito a partir do conhecimento prévio das escalas, de técnicas, teoria e um vocabulário musical de frases que passa a ser usado livremente pelo artista para criar melodias “instantâneas” de acordo com sua vontade e sentimento.
16) RM: Existe improvisação musical de fato, ou é algo estudado antes e aplicado depois?
Bruno Wambier: Acredito que até uma criança sem conhecimento musical algum pode pegar um piano e com apenas um dedo improvisar melodias e até acompanhar uma harmonia tonal usando só teclas brancas ou só pretas. Mas é óbvio que conhecimento teórico de harmonia, escalas, um vocabulário de frases, técnicas, expressões, darão mais ferramentas ao músico para se expressar da melhor maneira e transmitir seus sentimentos através das notas.
17) RM: Quais os prós e contras do uso de VST (Virtual Studio Technology/ Tecnologia de Estúdio Virtual) e VSTi (Virtual Studio Technology Instruments) pelo Tecladista?
Bruno Wambier: Acredito que os maiores contras seriam a instabilidade de alguns sistemas e a quantidade de cabos e interfaces que podem ser necessários; de resto só vejo vantagens. O custo de um sistema virtual com uma variedade gigantesca de timbres e ferramentas (inclusive muitas gratuitas de excelente qualidade) pode ser muito mais viável que comprar “teclados físicos”.
Para praticamente tudo que existe no mundo real dos teclados existe uma versão virtual que pode substituir à altura, ainda eliminando problemas como desgastes, ruídos, peso, preço. Além disso, existe uma imensa gama de timbres de outros instrumentos (cordas, baterias, sopros, corais) que tornam a produção em estúdio muito mais dinâmica.
Além de tudo isso, o uso do computador em palcos ainda oferece a possibilidade de gravar, reproduzir, disparar VS, timecode, program changes, etc. Ao vivo pode dar um pouco mais de trabalho, mas em estúdio considero que o uso de VSTi é um paraíso.
18) RM: Quais são os melhores Teclados para tocar música reggae?
Bruno Wambier: Acredito que alguns teclados deixaram uma marca registrada por terem sido amplamente utilizados em muitas gravações famosas, como órgãos Hammond, Hohner Clavinet, Fender Rhodes, e o piano synth do Korg M1. Mas muitos teclados oferecem esses timbres, sejam sampleados, emulados, sintetizados.
Eu já usei mais esse som “artificial” de piano, como korg e roland, por achar que soava mais reggae como as gravações clássicas de reggae que eu gostava. Mas faz muito tempo que me habituei a procurar a sonoridade mais real do piano, em samplers ou no yamaha motif que tem um som muito realista e uma dinâmica e tocabilidade muito parecida com o piano de verdade.
Eu prezo por bom timbre e boas teclas. No piano sempre teclas pesadas. No reggae, variando só a dinâmica, dá pra conseguir um timbre mais agudo e estalado para o piano “martelo” ou mais velado e suave para dedilhados, além de bem ricos em graves.
Para Hammond existem inúmeras emulações muito boas tanto em vsti como em teclados físicos (eu uso o TX5 da TOKAI, uma marca nacional com uma emulação excelente e uma interface e estrutura em madeira sensacional). Além de samples e simuladores de clavinet, gosto dos clavs da Roland com um som mais sintético também.
Para Rhodes, além do verdadeiro, gosto dos EPs da linha Motif, dos Nord e de plug-ins vsti. Além disso adoro synths no reggae, leads tipo moog, synthstrings, pads. Para performance ao vivo, além de usar todos esses timbres, me preocupo em ter as teclas mais indicadas para cada um, se possível.
Pesadas (Hammer Action ou Weighted Keys) para piano e rhodes, Semi Weighted para pianos elétricos e clavinet, Waterfall para órgão, e teclas leves para synths e leads. Lógico que dá para tocar todos com um tipo só de teclas, mas tocar piano em tecla leve e órgão em tecla pesada é cruel.
19) RM: Como você analisa o cenário do reggae no Brasil. Em sua opinião quais foram as revelações musicais nas últimas décadas? Quais artistas permaneceram com obras consistentes e quais regrediram?
Bruno Wambier: Quando comecei com o Natiruts (Nativus na época), a cena reggae no Brasil era representada principalmente pela Tribo de Jah e Edson Gomes, ícones do movimento, Gilberto Gil era nosso patrono brasileiro e Renato Matos, o brasiliense. Cidade Negra já era grande, numa onda mais pop, e Paralamas também era referência no estilo.
Com a nossa geração, vimos nascer e crescer as bandas que consolidaram o segmento, tanto entre as gravadoras e rádios, como realmente cativando todo o público brasileiro fazendo do reggae um estilo musical com forte identidade nacional e amplamente escutado.
Planta e Raiz, Ponto de Equilíbrio, Maskavo, Mensana, Alma Djem, Jah Live, Diamba, Adão Negro, Mato Seco, Armandinho, Chimarruts, Tati Portella, Marina Peralta, Jamile Jah, Pali. Todos os artistas com obras consistentes, e que eu adoro. Não saberia citar algum artista desses que regrediu, algumas bandas se separaram ou fizeram pausas, mesmo assim, sempre num movimento de crescimento, seja individual ou coletivo.
20) RM: Você é Rastafári?
Bruno Wambier: Não.
21) RM: Na sua opinião quais os motivos da cena reggae no Brasil não ter o mesmo prestígio que tem na Europa, nos EUA e no exterior em geral?
Bruno Wambier: No Brasil, vários fatores como o racismo estrutural, a origem periférica e a associação do ritmo e a religião rastafári com a cannabis, fizeram o reggae ser discriminado, marginalizado e estigmatizado.
Além disso, é um dos ritmos mais representativos de resistência negra, identidade afro-latina e crítica social. Foram mais de 30 anos desde sua criação até ser amplamente “aceito” e popularizado no país ao ponto de ser distribuído por grandes gravadoras e se tornar um segmento importante da música nacional, apesar de ainda hoje sofrer forte marginalização.
22) RM: Festivais de Música revelam novos talentos?
Bruno Wambier: Acho que os pequenos festivais preparam bem os artistas, oferecem boa estrutura, um pouco de visibilidade. Os médios e grandes festivais até oferecem espaço, mas quase sempre em condições técnicas e/ou de horário pouco favoráveis. Mas são sim portas de visibilidade e oportunidade, chance de se apresentar para novos públicos e fazer novos contatos.
23) RM: Quais os pros e contras de fazer música usando riddim?
Eu prefiro composições 100% originais, mas acho interessante o conceito, o resultado e a liberdade e acessibilidade que os riddim proporcionam. Por um lado, é uma opção que facilita e viabiliza produções de baixo custo. Por outro lado, acho que pra um artista realmente se destacar usando uma mesma base que às vezes até grandes nomes já gravaram e estouraram, tem que ser algo realmente relevante.
24) RM: Quais os pros e contras de tocar em banda?
Bruno Wambier: Também prefiro o formato banda que shows e concertos solos, ou violão e voz, por exemplo. No mínimo duo e trio. E gosto muito de bandas com muitos instrumentos e arranjos ricos.
Em formatos menores a vantagem é a liberdade musical, a interação criativa em grupo e a improvisação. Já formatos maiores demandam mais organização, direção e arranjos (mas adoro trabalhar assim).
É uma pena que banda como negócio, como empresa e estratégia, seja um formato em queda atualmente. Vivemos uma tendência maior de artistas solo como produto, mas acompanhados por banda em estúdio e em shows. Acredito que seja uma fase.
25) RM: Quais os seus projetos futuros?
Bruno Wambier: Eu tenho músicas do meu primeiro álbum solo de reggae instrumental (W*DUB I – Reggae Keys) para lançar em 2025 e realizar shows desse repertório com minha banda.
Em 2026, lançar o segundo álbum W*DUB II (Nuroots Keys), continuação desse primeiro, mas com influências mais modernas e dançantes, e em formato de banda utilizando bateria eletrônica.
Ainda sobre lançamentos, tenho um álbum inteiro composto, arranjado e pré-produzido de progmetal para realizar a produção no próximo ano, e planos de reunir meus companheiros de outra banda de progmetal da qual participei no passado e alcançamos uma certa notoriedade (o Khallice), para lançar um EP com algumas canções inéditas.
Além desses projetos musicais próprios, eu produzo e gravo artistas e trilhas no meu Wambier Studio. Já tenho algumas produções agendadas para o segundo semestre de 2025 e para 2026, como o segundo álbum da banda Mirante (Rock Alternativo), collabs com Mensana, Ritual Sonoro, Lua (Portugal), singles de Estany Liberté (reggae) e trilhas sonoras para dois longa-metragens em curso (um filme e uma animação).
Também venho compondo feats. com artistas amigos para lançar entre esse ano e o próximo, nessa linha reggae e reggaeton. Agora, além disso, aguardo você que está lendo essa entrevista e tem interesse em tirar seu projeto do papel e vir gravar comigo, online ou no meu estúdio.
26) RM: Quais seus contatos?
Bruno Wambier: (61) 98115 – 8587 | [email protected] | https://www.instagram.com/brunowambier
Canal: https://www.youtube.com/@TheHumanMachines
Playlists: https://www.youtube.com/@TheHumanMachines/playlists