Numa entrevista recente, o impiedoso roqueiro Lobão meteu o chanfalho em certos personagens (convidados vip) da vida artística da Zona Sul carioca: “São uns pentelhos, vivem aporrinhando, pedindo convite, invadem meu camarim, tomam meu uísque, e saem dizendo que o show foi uma porcaria”. Só faltou dar o nome, o RG e o número do celular. Mas quem não conhece essas folclóricas figuras? Quem nunca viu as moscas de coquetel, os caçadores das bocas-livres, os importunadores que não deixam em paz o pobre escritório do artista, pressionando empresários e secretárias, exigindo fazer-se convidar por pessoas que nunca os viram mais gordos e não fazem a menor questão de sua presença no Setor A da platéia?
Uma gíria do show-business, posta em circulação (dizem) pelos seguranças de portaria, diz que VIP significa “Viados Impossibilitados de Pagar”. É uma grande distância do “Very Important People” do original, designação que se diluiu a tal ponto que virou um mero adjetivo, ansiosamente posto em circulação por pessoas sequiosas de status. É camarim VIP, tratamento VIP, sala VIP, mesa VIP, assentos VIP, um nunca acabar. São os monossilábicos títulos de nobreza da cultura pop, pequenos pedaços de som que embalam os sonhos de gente comum, fazendo com que se sintam bem ao espelho e saiam bem na foto.
O “convite de show” é uma das muitas coisas que com o passar do tempo acabaram tendo sua função original virada pelo avesso. O termo “convite” pressupõe que os responsáveis pelo espetáculo convidam pessoas cuja presença, por motivos pessoais ou profissionais, é importante. O problema é que no caro e disputado showbiz de hoje em dia, ninguém espera ser convidado: telefona, ou procura pessoalmente a produção, e pede um “convite”, que nessas circunstâncias deixa de ser convite e vira eufemismo para “entrada gratuita”. Já vi gente de equipe de produção queixar-se: “Não sei o que é mais chato, se é viver sendo acossado por gente desconhecida que quer entrar de graça, ou se é enviar convites para gente famosa que nunca aparece”.
A mídia é a nobreza em nossos tempos de república eletrônica. Roberto Carlos é o Rei, Madonna é a Rainha, e assim por diante. E todo sujeito que pelo espaço de uma noite consegue, pelos contatos que tem, ser convidado VIP de alguma coisa, tem direito a essa noite passageira e cinderela, em que sua abóbora ataviada de estrelas e seus ratinhos de libré são recebidos com salamaleques num desses lugares inatingíveis que acalentam nossos sonhos de classe média: um Teatro Municipal, uma Ilha de Caras, um camarote especial. “Chegaram os VIPs!” grita uma recepcionista; o mundo entra em polvorosa para recebê-los, perguntar do que precisam, desejar que estejam se divertindo. Claro que estão se divertindo. Nasceram para isto, vivem somente para isto, e enquanto a banda tocar e o relógio da Ilha Fiscal não der as doze badaladas, viverão como se nada mais existisse, e a festa não tivesse hora para terminar.
*Bráulio Tavares – Jornalista, escritor e compositor paraibano. Este texto foi editado em 06/10/2008 na sua coluna diária no Jornal da Paraíba – Campina Grande – PB (http://jornaldaparaiba.globo.com).
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