Ouvir “Irmãos Ciganos” – https://www.youtube.com/watch?v=ci19XK3lypY , o novo single do cantor e compositor Edvaldo Santana, é reviver os tempos de infância e adolescência em São Miguel Paulista, bairro do extremo leste de São Paulo onde por acaso eu e ele, filhos de migrantes nordestinos, nascemos.
São Miguel é o bairro mais nordestino de São Paulo, que abrigou gente boa e famosa como Hermeto Pascoal, Roberta Miranda, Renato Braz, e o escritor Roniwalter Jatobá, entre outros. Onde nasceram os irmãos cantores e compositores Mário Marcos e Antônio Marcos, este um grande ídolo da Jovem Guarda, autores de “Como vai você”, eternizada na voz de Roberto Carlos, além de outros grandes sucessos. São Miguel criou a “Praça do Forró”, o local de shows e apresentações teatrais do Movimento Popular de Arte, o MPA, que recebia nomes como Tom Zé, Glauco Mattoso e Gianfrancesco Guarnieri, e popularizou artistas da região como o próprio Edvaldo, Sacha Arcanjo, Raberuan, Ceciro Cordeiro, Eder Lima, Ligia Regina, Artênio Fonseca e os poetas Akira Yamazaki e João Caetano, entre muitos outros.
Edvaldo canta a vida e a poesia do seu lugar. No caldeirão musical dos pobres da quebrada, rolava de tudo ali, nos idos dos anos 60, 70 e 80, tempos de luta contra a ditadura: das canções de amor de Paulo Sérgio aos boleros e guarânias de Altemar Dutra, Carlos José e Luiz Vieira; o samba rock de Jorge Ben e Bebeto, o samba romântico de Agepê, o samba joia de Benito Di Paula com seus arranjos de piano; as letras reflexivas de Belchior; o culto à raízes do Nordeste com o rei do baião Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Alceu Valença; a tradição caipira do Tião Carreiro e Pardinho e Cascatinha e Inhana; e tudo o mais o que viesse pela frente, blues, salsa, reggae e rock. A música do Edvaldo Santana é uma síntese de tudo isso: mescla o blues, o samba, o cocô e o hip hop.
Ouvir “Irmãos Ciganos” remete a esse caldeirão de ritmos das quebradas de São Paulo e do Brasil. E a canção com essa pitada brega-romântica emociona. Como lembra o autor: procuramos o amor por todos esses anos, mas “a vida e o amor são dois irmãos ciganos”. E o amor e a nossa trilha musical estão no lugar onde deixamos.
* Gilberto Nascimento é jornalista e escritor, autor de “O Reino – a história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal” (Companhia das Letras)
Link da entrevista com Edvaldo Santana: https://ritmomelodia.mus.br/edvaldo-santana