Celso Moretti, Edson Gomes, Dionorina, Tribo de Jah e Cidade Negra foram os primeiros a fazer exclusivamente a música reggae no Brasil, nos anos 80.
Em 15 e 16 de julho, em Belo Horizonte, seria realizado um show em homenagem aos 30 anos de carreira do Moretti com shows de Sergio Perere, Caban, Raiz de Jequi, Sabedoria Nahtiva, Veja Luz, Filosofia Reggae, Tribo de Jah. Mas foi cancelado no dia 15, devido ao veto do proprietário do Music Hall. Mostra bem a falta de consideração com a cena reggae.
Em maio de 2011 fez 30 anos da morte de Bob Marley. Natural que muitos músicos negros buscassem, conscientemente ou inconscientemente, preencher a “lacuna” deixada pelo rei do reggae ha 30 anos atrás. Após 1982 começaram a surgir músicos brasileiros que assumiram o reggae como música de carreira. O Edson era o “Tim Maia” de sua cidade, cantava Soul e Black music e foi convencido por Nengo Vieira a passar suas músicas para o ritmo do reggae.
O Celso era dançarino, artista plástico e enveredou pelo reggae. Anos depois nasce a Tribo de Jah, liderada por Fauzi Beydoun radialista e roqueiro, um branco, mas a banda era composta por negros. E Dionorina, o mais velho da turma, fazia outros estilos musicais e tem formação em música clássica, mas também adotou o reggae nos anos 80. Fora as bandas de rock nacional que tocavam alguns SKA e Reggae nos seus discos. Lendo as respostas do Moretti fiz algumas reflexões sobre o reggae.
A cena reggae no Brasil já passou da maioridade, já está na maturidade, mas infelizmente não tem a mesma importância e o respeito que já conquistou pelo mundo. O reggae nos EUA, Europa e Jamaica é cena de “gente grande”, com produções de shows de alto nível e gravações de discos com alta qualidade técnica, profissional e criativa. No Brasil a música reggae em geral parou no tempo. Estagnou-se, mantendo-se à margem. Os músicos regueiros sobrevivem pegando carona, como subproduto musical, da cena rock.
No país todos os estereótipos do reggae são reforçados como sendo: “música feita por e para maconheiros”, “música feita por e para religiosos fanáticos, poucos afeitos à higiene pessoal”. Como se em shows de outros gêneros músicas algumas pessoas não usassem drogas. Todos esses preconceitos levam o reggae para o fundo do poço no país. O reggae só é bem visto e respeitado quando gravado por músicos da MPB e do pop rock. Enfim, a cena reggae não teve a mesma pujança que o rock nos anos 80.
O reggae como um movimento musical no Brasil ficou preso aos clichês do reggae jamaicano e da personificação do Bob Marley. O Bob se tornou maior que o reggae. E surgiu “as viúvas do Bob e/ou os Ras Falsos” que imitam seu som, sua postura em palco, seu vício, sua religiosidade e sua imagem. O reggae foi criado por Lee “Scratch” Perry, mas Bob levou o som ao máximo de visibilidade no mundo. Vejam este vídeo para entender o que falo: link: http://g1.globo.com/videos/globo-news/arquivo-n/v/morte-de-bob-marley-completa-30-anos/1519004/ .
As bandas e músicos brasileiros optaram pelo reggae por ser uma música em que as letras têm como ênfases à crítica e justiça social, à conscientização política, o protesto, à denúncia, a religiosidade (rastafari), o amor e à paz. Mas a maioria deixa os conceitos defendidos presos aos discursos das letras. Não existe uma unidade entre os músicos regueiros em prol de um fortalecimento da cena reggae no país. A fogueira da vaidade queima a cena, têm os que se sentem “iluminados e escolhidos por Jah”, os que têm o Ego maior que o talento, o egoísmo e individualismo tão combatidos nas letras são práticas comuns entre a maioria dos músicos regueiros. Não que em outras cenas musicais estas pragas não existam.
Mas sendo uma cena musical que opta em conscientizar o público para o verdadeiro papel do cidadão, a postura individualista dos músicos é incoerente com o discurso coletivo das letras. Esta postura egocêntrica fortalece o “cada um por si” da “Babilônia – CAPETAlista”, tão combatida nas letras. E meia dúzia de regueiros são os escolhidos por produtores magnatas para manter uma cena reggae tabajara e hipócrita, em que a música reggae só serve de pano de fundo para alguns “malucos” “fumarem unzinhos” e balançarem a pança. Qual a diferença do show de música descartável? Nenhuma.
A música como meio de conscientização, paz, harmonia e arte continua presa ao discurso e não faz parte de uma prática diária combativa. Os ícones do reggae se isolam para preservarem a “imagem combativa” e conservarem a minguada agenda de show. Não combatendo de fato os magnatas, que só querem a grana, e ignoram o reggae e os regueiros. Os ícones não se falam entre si, não mobilizam nem lideram uma cena reggae séria, profissional e consciente. Os músicos e bandas desconhecidas seguem com baixa estima, na areia movediça da mediocridade, da alienação e da falta de espaço pra show. A cena reggae nacional continua sendo uma caricatura do reggae feito fora do Brasil. Até quando?
Segue abaixo entrevista exclusiva com Celso Moretti para a www.ritmomelodia.mus.br , Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 15.07.2011:
01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Celso Moretti: Nasci no dia 11 de novembro de 1954 em São João Del Rei, cidade histórica de Minas Gerais.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música.
Celso Moretti: Desde criancinha ouvia muito rádio.
03) RM: Qual a sua formação musical e escolar fora música?
Celso Moretti: Sou um autodidata na música, e uma formação escolar pífia.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente? Quais que deixaram de ter importância?
Celso Moretti: As minhas principais influências musicais foram dos artistas que não tocavam muito nas rádios. Talvez eu seja hoje um dos poucos artistas da minha idade, que não sofreram influências diretas e nem indiretas dos Clubes de Esquinas, Tropicalismos, Beatlemanias, Bossa Nova, Jovem guardas, etc. Eu aprendi a gostar de música ouvindo os que estavam na contramão da música: Arrigo Barnabé, Jards Macalé, Tom Zé, Itamar Assumpção, Marku Ribas, etc. e mais tarde Bob Marley.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Celso Moretti: Nunca gostei de músicas que faziam sucesso. Eu me sentia um estranho, até dentro da minha família. Saí com meus pais da minha cidade natal com seis anos de idade e fui morar na Vila Nova Brasília; favela da cidade de Contagem – região Metropolitana de Belo Horizonte. Cresci nesse ambiente, ouvindo rádio e localizando sempre as emissoras que tocavam músicas diferentes das que eram sucesso. Em 1976, iniciei com o canto e com a vontade de aprender tocar um instrumento. Achei que seria o Violão, e que mais tarde eu me tornaria o maior violonista do Brasil. Ledo engano. Não aprendi nada, nada, nada. Para poder sair do nada, eu aprendi a fazer 12 acordes no Violão. É o que sei fazer até hoje. Esses acordes permitiram que eu começasse a compor. Em 1980, foi o meu marco oficial na música, pois neste ano eu participei de um Festival de Música Popular Brasileira com duas canções, e não parei até hoje de compor. O canto veio por um acaso, pois tinha que cantar as músicas compostas para apresentar para meus amigos.
06) RM: Quantos CDs lançados e em que anos (quais os músicos que participaram nas gravações)? Qual o perfil musical de cada CD? E quais as músicas que se destacaram em cada CD?
Celso Moretti: Gravei alguns CDs Álbuns: REGGAE FAVELA – demorei dois anos na gravação- iniciou em 1996 e foi lançado em 1998. Esse CD tem muito valor agregado. Foi o primeiro de carreira, foi um disco que tive que tirar tudo do meu bolso e das latas lá de casa. Foi meio foda parir esse disco. Juntei todos os meus amigos músicos para “dar uma forcinha”.
Produzido e arranjado por; Alair Borges (Tatu); técnico de gravação Luciano César; Estúdio Tríade em Betim – MG. As gravações foram feitas com os músicos: Luiz Motta (Baiano) – Bateria; Dalton Palmieri e Paulo Ben Hur – Guitarras; Érica Viana, Carla Izilda e Ana Karina – vocais; Lió – baixo. A ideia do CD era de lançamento da minha nova invenção, que se tratava de um novo estilo musical oriundo do reggae jamaicano que ganhou nome de batismo de REGGAE FAVELA. Era o lançamento do Reggae Favela. As músicas do CD, como eram de se esperar, não tiveram sucesso algum. Era bem isso que eu queria, mas sempre tem uma ou outra música que acaba se destacando, nesse caso foram: “Nêga Doida”; “Tá no côro” e “Primo José”.
REGGAE FAVELA PERIFERIA – Lançado em 2002, era a continuidade do Reggae Favela. A ideia era de fortalecer o então novo gênero/estilo musical. Desta vez, eu tentei fazer um CD mais temático, focalizando e ampliando o foco da Periferia, que naquele momento era um tema contundente na minha cabeça, pois estava eu trabalhando seriamente; no conceito; ideologia e filosofia Reggae Favela. Nesse Álbum eu já tinha montado a minha banda Barraco de Aluguel que executou todo o trabalho de estúdio.
Walner Lucas – teclados; Gê Rodrigues – guitarras; Rodrigo Lourenço (Ratão) – baixo; Luiz Paulo (Les Paul) – bateria. Nesse CD eu tive a participação especial do músico mineiro Wilson Sideral, na música “Santo de casa”. Também outra grande participação do filósofo, professor e historiador Marcos Cardoso, na música “Favela negra”. Outra participação especial do grupo de rap Resistência, na música “Dito e Feito”. Mais uma participação especial de outro grupo de rap Raça DMCs, na regravação da música “Primo José”. Direção musical de: Juliano Mourão, gravado no estúdio Tríade em Betim – MG. As músicas de destaque foram: “Capitão-mor”; “Primo José”; “Favela negra”; “Marley” (que ganhou um vídeo clip oficial).
REGGAE FAVELA BRASIL – Lançado em 2007, esse disco fecha a trilogia Reggae Favela. Esse Álbum teve a indicação para o Prêmio Dynamite de Música Independente em 2008, concorrendo na categoria melhor disco de reggae. Não ganhou, a concorrência era muito forte. Só fiquei sabendo que estava concorrendo, no final das votações. Foi muito bom esse reconhecimento.
Foi gravado no estúdio Audio Track em Betim – MG, com direção musical da minha banda Barraco de Aluguel. Walner Lucas – teclados; Gê Rodrigues – guitarra; Rodrigo Lourenço (Ratão) – baixo; Luiz Paulo (Les Paul) – bateria; Maycon Oliveira – guitarra. Nesse CD, teve participação especial do senegalês Mamour Bá e Conexão Tribal, na música “Cadê”. Outra participação especial do vocalista da banda Tribo de Jah – Fauzi Beydoun, na música “Vô com cê”. Nesse Álbum as músicas que destacam em shows são; “Vô com cê”; “Songamonga”; “Quanto vale?” e “Buneco da América”.
SINGULAR – Esse CD foi composto para uma trilha original de um espetáculo teatral que tem o nome de “Singular”. A peça está sendo encenada pelo grupo de teatro Questão Z Cia. Cênica. É comercializado nos espetáculos do grupo.
CABEÇA/CORAÇÃO – É um Álbum com o formato acústico, gravado com voz, violão (mal tocado) executado por mim. Esse álbum tem muito valor agregado. Foi gravado em um momento especial na minha carreira musical, quando eu tinha um problema sério nas cordas vocais. Nas gravações é nítida a minha deficiência. É um CD destinado para colecionadores, com músicas inéditas e com regravação de “Primo José” em espanhol. Quem tem esse me conhece bastante.
DVD – REGGAE FAVELA – Show de gravação realizado no dia 04 de setembro de 2009 e só agora em 2011, está liberado para comercialização. O DVD “REGGAE FAVELA” é um resumo da minha carreira musical, é um show que resume também os shows que venho realizando nos últimos cinco anos. Foram gravadas 15 (quinze) músicas e 04 cortadas, deixando o DVD com 11 faixas. Esta decisão foi porque o DVD com mais faixas ficaria muito longo e tiraria o que eu pretendia.
A captação das imagens e de som foi feita por profissionais do primeiro escalão da música de Minas Gerais. É um DVD-Produto diferenciado pela sua forma, textura, e sonoridade. Acredito que ainda não foi produzido no Brasil um DVD com essa textura e proposta. É diferente. Essa diferença também é resultante da minha própria música. REGGAE FAVELA é um DVD para ser ouvido mais de três vezes, pois a minha música pede passagem para um bom entendimento. É um trabalho feito por pessoas com maioridade na música e na vida. A minha música é minha vida e vice-versa. O DVD está aí. Destinado para um público mais exigente. Destinado para um público que não se limita a mesmice. No mais, é isso. A ficha técnica do DVD fala por si só.
Busquei lá do CD Reggae Favela Periferia, o Marcos Cardoso para uma participação especial.
01 – Morettês – do cd – Reggae Favela Periferia
02 – Santo de Casa – do cd – Reggae Favela Periferia
03 – Água – do cd – Reggae Favela Periferia
04 – Capitão Mor – do cd – Reggae Favela Periferia
05 – Marley – do cd – Reggae Favela Periferia
06 – Songamonga – do cd – Reggae Favela Brasil
07 – Buneco da América – do cd – Reggae Favela Brasil
08 – Nega Doida – do cd – Reggae Favela
09 – Favela Negra – Reggae Favela Periferia
10 – Quanto Vale? – do cd – Reggae Favela Brasil
11 – Vô com cê – do cd – Reggae Favela Brasil – Não pare a luta – Celso Moretti (faixa bônus) inédita
07) RM: Você começou a sua carreira no reggae após o falecimento de Bob Marley. A morte do ícone do reggae jamaicano influenciou a sua escolha por este gênero musical?
Celso Moretti: Não foi exatamente a morte de Bob Marley que me influenciou na escolha do reggae para direcionar a minha carreira. O que me influenciou foi a música de Bob Marley. O que realmente aconteceu, foi que eu fiquei sabendo exatamente o que era “reggae” foi com o anúncio da morte de Bob Marley. Quando fiquei sabendo eu procurei conhecer a sua obra e aí me deparei com o que eu estava precisando na definição da minha linha musical. Pensei “vou fazer reggae”, e a partir daí passei a compor reggae.
08) RM: O reggae que você faz obedece todos os clichês do reggae jamaicano?
Celso Moretti: Não. Tem diferenças sutis, mesmo porque, o que eu faço é Reggae Favela. A sonoridade, a batida, a divisão rítmica, a escrita e interpretação são diferentes. Tem sim, alguns clichês que são obedecidos; o Tchaca-tchaca da guitarra e algumas levadas de bateria (mas com acréscimo dos grandes pratos).
09) RM: Quais os objetivos do “Reggae Favela”? É um posicionamento artístico? Um levante para uma maior consciência Social e/ou política?
Celso Moretti: É um posicionamento artístico sim, não um levante, pois acredito muito no reggae que é produzido nos interiores da música. Um dos fatores mais sérios talvez seja o ideológico que venho trabalhando há algum tempo. Às vezes soa até um pouquinho mal o meu posicionamento diante de algumas questões que são levantadas sobre o reggae.
Isso é devido estar em mim bastante acentuada a ideologia Reggae Favela. Sutil, mas é bem diferente. Enquanto o REGGAE atira para o mundo a bandeira da paz e igualdade social usando um equipamento de artilharia pesado, o REGGAE FAVELA atira para o vizinho, ou amigo, usando um estilingue como armamento. A bandeira é a mesma, o alcance intencionalmente é bem diferente. Outra sutil diferença é que no REGGAE FAVELA, as músicas são construídas deixando de lado a poesia e entrando no seu lugar a experiência de vida.
10) RM: Você fala do “Reggae Favela” como sendo uma vertente musical do reggae. Mas ouvindo suas músicas elas atende todos os clichês do reggae jamaicano. Ou seja, não se percebe uma diferença musical como vista nas vertentes: Ska, o DUB, o Ragga e Dancehall. Explique como musicalmente o “Reggae Favela” é uma nova vertente do reggae?
Celso Moretti: Quanto mais próximo ficar da essência do reggae roots jamaicano, é melhor. Nas vertentes citadas na pergunta, percebe-se que na grafia dos nomes não tem a palavra reggae. A sutileza das mudanças é que dita a diferença. A percepção maior é quando estou participando de um evento de reggae em que tem três ou quatro bandas e eu sou a segunda a se apresentar. A primeira toca e todos vibram com o balanço do reggae.
Entro eu, e o comentário é geral, “isso não é reggae”, ninguém dança. No final do show os ouvidos já acostumaram com o som e clamam “isso é reggae sim”. Quando termina o meu show e entra a próxima banda, eles comentam “aquilo que ouvimos não era reggae”. Outra prática é pedir para outra banda de reggae reproduzir a minha música. Na bateria, normalmente como clichê o que se sobressai ritmicamente são os pratos do chimnbaus e muito pouco se usa os grandes pratos, esta é uma diferença.
E vão perceber também que a divisão do bumbo da bateria com o baixo tem muita diferença, o que faz mudar o compasso da dança. As letras e a linha melódica fechada em tons maiores também são perceptíveis diferenças. Está em estudo regravar algumas músicas com todos os clichês do reggae. Para isso vou ter que mudar até um pouquinho nas letras. Isso se faz necessário para um bom entendimento.
11) RM: Você e o regueiro baiano Edson Gomes, cronologicamente, podem ser considerados os primeiros regueiros brasileiros. Vocês tiveram algum contato pessoal e profissional no início da carreira (no início dos anos 80)?
Celso Moretti: Não. Nenhum contato. Ouvia falar de Edson Gomes, até que consegui o disco dele Resistência e ouvia muito e gostava muito. Gosto muito até hoje.
12) RM: Atualmente qual o seu contato pessoal e profissional com o Edson Gomes?
Celso Moretti: Eu tenho tentado contato com ele já tem alguns anos, mas nunca obtenho respostas, talvez seja devido a sua agenda. Tentei inclusive uma participação especial dele em um show que iria fazer, mas não consegui nada de contato. Aconteceu que a Sandra de Sá fez comigo. Nesse Momento (junho 2011), estou tentando um novo contato, pois vou fazer show em Salvador e queria o apoio dele. É um cara que eu respeito muito, sempre tive admiração pelo trabalho que ele desenvolve. O grande problema é que eu conheço as músicas dele e ele ainda não conhece as minhas.
13) RM: O reggae é conhecido como uma música que traz nas suas letras o questionamento social, político e conscientizador. Na sua opinião quais os motivos que levam os regueiros a não serem unidos em um grande movimento reggae?
Celso Moretti: É porque achamos que somos regueiros e não somos. Os verdadeiros regueiros não são os que fazem música, mas sim, os que vão aos shows e prestigiam os músicos que fazem reggae. Esses talvez tenham mais consciência política e social do que os próprios músicos de reggae. O dia em que os cantores e compositores de reggae se tornar verdadeiros e de fato conscientes, a situação deve mudar.
14) RM: Na sua opinião quais os motivos que levam o reggae no Brasil a não ter a mesma relevância, importância e respeito que tem em países da Europa e nos EUA?
Celso Moretti: São vários os motivos. O principal talvez seja o formato da música e quem a faz. Quando eu digo verdade no reggae, eu quero dizer que soa muito mal a interpretação de quem está empunhando o microfone cantando uma situação social grave sem nunca ter passado por aquilo. O cara cantando a má distribuição de renda sendo um filhinho criado com maçãzinha raspada dado na boquinha toda manhã pela babá. Passa uma ideia muito falsa do que é o reggae. Talvez o lugar ideal dele fosse como plateia e não ocupando um palco e empunhando um microfone. Os produtores procuram gente que dá retorno para ele. Se a estrutura do artista for muito boa, interessa ao produtor, pois gastaria ou investiria pouco. Quem dá a relevância e respeito tem que ser o artista.
15) RM: Na sua opinião o mercado da música reggae no Brasil ainda é amador?
Celso Moretti: É iniciante. Como iniciante é profissional. Já temos grandes nomes no reggae brasileiro e muitos se despontando, inclusive ganhando visibilidade no exterior.
16) RM: O que lhe deixa mais decepcionado com o mercado musical do reggae no Brasil?
Celso Moretti: As emissoras de rádio só tocarem músicas que agradam a política da grade musical da empresa de rádio. Isso ocorre até na internet. Os espaços ficam quase na totalidade para a divulgação de música reggae importada, não dando muito abertura para a produção séria nacional. Ainda temos um comportamento tupiniquim, se toca lá fora, pode tocar aqui também. Eu continuo pensando que a minha música só tocará em rádios brasileiras se eu montar uma rádio para mim, ou se eu fizer sucesso no exterior, ou ainda se eu morrer numa madrugada dessas. O que é sério não se faz com brincadeiras. Existem muitos Celsos Morettis por esse Brasil afora.
17) RM: Você já se apresentou ou conheceu a Jamaica?
Celso Moretti: Ainda não conheço a Jamaica, mas um dia eu vou lá.
18) RM: Você tem ou já teve algum contato com regueiros jamaicanos?
Celso Moretti: Não. Nunca tive. Gostaria de ter.
19) RM: Você é adepto a religião Rastafari?
Celso Moretti: Não. Não levo muito jeito. Respeito muito, como respeito todas as religiões.
20) RM: Você é a favor da legalização da maconha ou da descriminalização da mesma?
Celso Moretti: Ser contrário é ser retrógrado.
21) RM: O que você acha do estereótipo de que “todo regueiro é maconheiro”?
Celso Moretti: Isso é um preconceito contra o reggae e contra o maconheiro.
22) RM: Como você analisa os regueiros brasileiros que “incorporam” ou imitam o espírito Bob Marley exagerando os estereótipos do rei do reggae?
CM: Eu acho ótima a imitação. Isso valoriza muito a música do Rei Bob Marley. Os exageros nos estereótipos saem com o tempo, a partir do domínio do imitador ao imitando. Estereotipar é difícil. Com o amadurecimento, a tendência é o artista procurar a sua própria identidade.
23) RM: Como você se define como cantor/intérprete?
CM: Sou um medíocre cantor, se comparado com Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Agnaldo Timóteo, porque são cantores de verdade. E comparando com a maioria dos compositores que cantam a sua própria obra, eu sou razoável. Eu procuro não desafinar, porque é horrível o desafino e o descompasso. Como intérprete eu sou melhor.
24) RM: Você estudou técnica vocal?
Celso Moretti: Fiz algumas aulas particulares e oficinas, mas tenho uma banda que me ajuda muito. Porque são músicos de formação acadêmica e isso me favorece.
25) RM: Quais os cantores, cantoras, bandas no reggae que você admira?
Celso Moretti: Gosto muito dos cantores nacionais: Edson Gomes, Nengo Vieira, Dionorina e das bandas Produto Nacional e Tribo de Jah, Leões de Israel, mas são muitos que fazem um som de responsa.
26) RM: Quais os cantores, cantoras, bandas fora do estilo reggae que você admira?
Celso Moretti: São Luiz Melodia, Lenine, Ney Matogrosso, Sandra de Sá, Elba Ramalho, Tetê Espíndola, Titãs e Os Mutantes, etc.
27) RM: Como é seu processo de compor? Quem são seus parceiros em composições?
Celso Moretti: Sou meio solitário para compor. Primeiro eu monto uma história com as personagens, figurino, cenário e tudo. Crio de fato uma fotografia do que pretendo sempre calçado nos três pilares que sustentam o Reggae Favela: RELIGIOSIDADE, FAMÍLIA e TRABALHO e nas minhas experiências vividas ou convividas.
Depois de pronta a música, ela passa por um processo de avaliação, por alguns amigos críticos que tenho. Depois de analisada verticalmente e horizontalmente é que ela vai para avaliação pública e depois é que pode ser gravada. Eu observo muito o poder de transformação que a música tem. Por isso eu procuro visualizar a música num futuro de vinte ou trinta anos adiante para não ocorrer riscos de interpretação errônea. Eu faço música para poucos.
28) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente e dentro da cena reggae?
Celso Moretti: Para mim é muito tranquilo, pois não tenho muitas pretensões. Hoje eu já me considero realizado dentro da música, porque os meus grandes objetivos já foram todos alcançados. O que vier daqui para frente é uma bênção de Deus. Eu já comercializei mais de dez mil discos, dei poucas unidades, eu não esperava tudo isso.
A minha carreira foi traçada dentro das minhas limitações. A minha linha de chegada é o tiro de largada para outra prova. Eu só tento fazer outra coisa, quando termino de fazer o que estou fazendo. Eu sou um cara que faço poucos shows, porque não pretendo ficar fazendo a mesma coisa toda semana. É um raciocínio que vai contra os princípios básicos de uma carreira musical independente.
29) RM: Como você analisa o cenário do reggae no Brasil? Em sua opinião quem foram as revelações no reggae brasileiro nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Celso Moretti: Eu não sou um cara muito bem informado para dizer com precisão essas informações. Mas o que chega aos meus ouvidos eu posso perceber que a Tribo de Jah e Edson Gomes detém as obras mais consistentes. E vejo novos valores surgindo, mas eu prefiro aguardar mais um pouco.
É muito comum nesse cenário as bandas desistirem de tocar reggae e descambarem para outro estilo musical e ou, por motivos quaisquer, se desfazer e passar para a história como uma boa banda de reggae que surgiu em determinada época. Se for contar por aí, tivemos várias bandas com futuros promissores e que acabaram por motivos vários antes de se consolidar.
30) RM: Quais os músicos ou bandas de reggae já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Celso Moretti: De profissionalismo temos como bons exemplos os já citados, mais Chimaroots, Ponto de Equilíbrio, Planta e Raiz, Natiruts, e alguns outros. De qualidade artística, esse número cai bastante.
31) RM: O que você acha dos reggaes compostos pelo Gilberto Gil?
Celso Moretti: O Gilberto Gil é um grande compositor, cantor e artista que sabe construir bem tudo que se propõe a fazer. Todos que ouvi, eu gostei, ele sabe muito.
32) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical?
Celso Moretti: Tem várias para contar (risos). Têm umas inacreditáveis. Vou contar uma do início de carreira mesmo: Eu sempre cantei as músicas autorais, pois sempre achei que cantar o que toca no rádio é divulgar quem não precisa. Então eu sempre era vaiado e eu compus uma música em que a vaia fizesse parte da música. Contei com a participação do público e não me vaiaram mais. Não quiseram colaborar comigo (risos).
Outra: Fiz um show em uma casa de show famosa aqui em Belo Horizonte, com uma divulgação bacana, produção trabalhando bem e a expectativa era de grande público. Fui surpreendido com um público de três pagantes que ficaram parados a um metro do palco me olhando dos pés a cabeça. Foi muito engraçado. Não desistiram, e eles ficaram até o show acabar. No final eu passei um CD para cada um e os agradeci pela presença (risos).
33) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Celso Moretti: O que me deixa feliz é receber um elogio depois do show. E perceber que foi de coração, e que a pessoa realmente entendeu a música. O que me deixa triste é vê amigos de classe usando mal a ferramenta música.
34) RM: Nos apresente a cena reggae em Belo Horizonte?
Celso Moretti: A cena reggae de Belo Horizonte não é muito diferente do resto do país. Aqui as bandas surgem, começam a ganhar e conquistar um bom público e depois acabam. Surge outra banda nova com integrantes da que acabou e acabam novamente e por aí vão construindo a cena reggae. Hoje temos boas bandas: Quilombo Roots, Kabalions, Flor de Gaya, Seiva, Raiz de Jequi, Sabedoria Nahtiva, Rasta Courage, Caban Reggae, Agbara, Lealsoundsystem, Bangah, e tantas outras. Já tivemos cenas importantes, mas é aquilo, tudo muda o tempo todo. Tomara que essas bandas perdurem com o passar das tempestades, porque fazem um som legal.
35) RM: Quais os músicos ou/e bandas reggae que você recomenda ouvir?
Celso Moretti: Eu recomendo ouvir Celso Moretti. Porque eu acho que é o menos ouvido e que pode somar em alguma coisa.
36) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Celso Moretti: Claro que não. E o pior é que não pagarei o jabá. Nunca vou tocar no rádio, eu afirmo. Apesar de tudo isso eu sou feliz.
37) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Celso Moretti: Pense na mãe música primeiro, antes mesmo de se achar competente. Depois, seja sincero ao estilo musical que definiu. A verdade musical é importante. Interprete realmente o que sente e gosta para a música soar com harmonia, sem harmonia não há música. O microfone não é uma arma de brinquedo: pode ferir e até matar.
38) RM: Quais os seus projetos futuros?
Celso Moretti: Atualmente estou sendo bi-filmado, e me tornarei protagonista de dois filmes documentários. Em um deles que se chamará DITO & FEITO, está sendo produzido pela Café Pingado Filmes. Nesse filme, eu falo tudo, é polêmico, pois é sobre a minha vida e como eu conduzo a música nessa história.
O outro (ainda sem título), é retratado o meu jeito de compor e usar as palavras. Está sendo filmado por um mineiro que é um dos principais nomes do reggae nacional: Leo Vidigal. Estou escrevendo a “ÓPERA REGGAE FAVELA”, uma ideia antiga, que vou tentar pôr em prática no próximo ano. Estou em estúdio gravando um novo Álbum. Está em lançamento o meu primeiro DVD “REGGAE FAVELA”, que é um resumo dos meus shows nesses últimos anos. Foi produzido pela G5 filmes e teve um bom acabamento. A ideia desse DVD é mostrar para o público fora de Minas Gerais o que Celso Moretti andou cantando nesse tempo todo.
39) RM: Resuma o que é a música para você?
Celso Moretti: A música para mim é um viés. É um canal que me permite comunicar com o desconhecido, de me apresentar ao desconhecido sem pudor e sem bobeira. A música é a senhora a que eu sempre estarei pedindo desculpas, perdões e licenças por usá-la, às vezes, com despreparo e ignorância.
Eu percebo, às vezes, que a música me agradece também. Por não usá-la para atender minhas vaidades pessoais nem para exigir que o meu canto seja a verdade absoluta que deve ser ecoado e/ou cantarolado por aí, se isso acontecer que seja por vias naturais de comunhão de ideias.
Não saio de casa para um show pensando em fazer a plateia cantar comigo as músicas do meu repertório, nem se eu vou sair bonito nas fotografias, nem quantos autógrafos eu vou dar depois do show e nem quantas mulheres vou beijar devido à exuberância do status de ser um cantor/artista.
Essa promiscuidade não mora dentro de mim, não tenho a necessidade de usar a música como veículo que motivam às fantasias, ao estrelismo e à ribalta. Ao contrário disso tudo eu penso: Poderia eu compor canções de letras e melodias de fácil assimilação e aceitação e subordiná-las a mídia, maquiar-me o suficiente para não deixar à mostra as minhas rugas e cabelos brancos conquistados com o tempo.
E cantar de boca fechada tomando o cuidado necessário para que as pessoas não percebam as minhas obturações e toda minha restaurada arcada dentaria. O que eu espero da música não é nada. Eu não espero nada. Eu não fico esperando e nem tenho esperança. Eu labuto. Eu tenho é pretensões e objetivos.
Como disse em outra oportunidade “eu canto aquilo que acho interessante para mim, eu componho dentro daquilo que acredito, com responsabilidade, porque uma frase pode mudar um estado de espírito e provocar outro”. “Quem canta, seus males espanta.” Às vezes, espantam comigo, devido à mostra e exposição das minhas verdades, que a cada dia vão ficando mais destacadas em um mundo que valoriza as mentiras e as fantasias.
E consome a música como se fosse papel higiênico ou fralda descartável. Depois do uso, joga-se fora, ou ainda, como fogos de artifícios: estoura e acabam-se. A mentira passa, estoura e vai. A verdade fica. Se aloja e permanece. O palco para mim é um divã da psicanálise, que me obriga à autodeclaração. Lá eu me desnudo, fico por inteiro (com zoom). As minhas verdades me cobrem todinho, não deixando nenhuma ponta de unha pra fora. Lá eu desrespeito a normalização musical e contraponho com o clássico e a padronização popular.
Lá fica mais evidente o que eu espero. O porquê deste meu movimento calado e estático. E lá também mostra as minhas fraquezas, mazelas e o meu despreparo. Despreparado é o estágio que sempre eu vou está juntamente com a minha ignorância. Os dois andam de mãos dadas ao meu redor, devido a eu acreditar que quando a pessoa se dá conta de que é preparado e que sabe de tudo, perde a essência da luta e da vibração.
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